Cobaias virtuais podem substituir animais vivos em testes iniciais de medicamentos
Ratos, camundongos, coelhos e outros animais vêm sendo, há muito tempo, parte essencial de testes de segurança e eficácia de medicamentos antes que estes cheguem aos humanos. Mas alguns cientistas estão tentando poupar esses animais, e até mesmo tornar essas drogas mais seguras, criando cobaias de teste virtuais.
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Na segunda-feira (12), o Centro Nacional de Substituição, Refinamento e Redução de Animais em Pesquisas (NC3Rs), do Reino Unido, concedeu seu prêmio internacional de 2017 a uma equipe da Universidade de Oxford por sua pesquisa de uso de simulações de computador no lugar de animais vivos.
Com a ajuda de seu software “Virtual Assay”, a equipe desenvolveu um modelo de computador das células cardíacas humanas e executou milhares de simulações para ver como 62 drogas (e 15 compostos amplamente usados em pesquisas) afetavam as células. Combinado com dados clínicos de verdade, o modelo foi capaz de adivinhar corretamente, na maior parte do tempo, se uma substância era potencialmente perigosa para o coração.
De forma mais específica, ele previu se uma droga ou um composto poderia causar arritmia em 89% das vezes. E o modelo até mesmo pareceu se sair melhor do que pesquisas animais parecidas: testes de medicamentos em células cardíacas feitos em coelhos só combinaram com os dados clínicos em 75% das vezes, descobriram os pesquisadores.
As descobertas foram publicadas em setembro do ano passado, na Frontiers in Physiology.
A autora principal, Elisa Passini, pesquisadora do departamento de ciências da computação de Oxford, contou ao Gizmodo por email que, além de os modelos da equipe serem mais precisos, ela acredita que eles poderiam, um dia, salvar vários animais de serem usados e, presumivelmente, mortos em nome da ciência para testar drogas frequentemente tóxicas nos estágios iniciais de pesquisa.
“As estratégias atuais de avaliação de cardiotoxicidade de drogas envolvem uma combinação de estudos pré-clínicos usando uma variedade de espécies animais”, incluindo ratos, camundongos, coelhos, porquinhos-da-índia, cães e porcos, afirmou Passini. “Essa fase de triagem pode facilmente exceder o uso de 60 mil animais por ano (uma subestimação), e é aqui que nossos modelos podem ter um papel importante na substituição.”
“O teste in silico da droga é a validação que a indústria farmacêutica tem esperado, e estou encantado que o Painel tenha selecionado esse estudo estelar para nosso prêmio 3Rs anual”, disse Vicky Robinson, chefe executiva do NC3Rs, em um comunicado anunciando o prêmio, que vem com mais de US$ 30 mil em concessão à equipe. O NC3Rs, financiado de forma pública, foi fundado em 2004 depois de um relatório governamental do Reino Unido pedir o estabelecimento de uma organização nacional que explicitamente solicitasse um uso mais ético de animais em testes.
A chamada modelagem computacional “in silico” vem há muito tempo sendo exaltada como uma ferramenta em potencial para descobrir e testar novas drogas, assim como um jeito de entender melhor doenças como câncer e distúrbios genéticos. Mas a modelagem computacional ainda não se tornou uma parte importante das pesquisas científicas. Passini e sua equipe acreditam que seu software possa ajudar neste objetivo.
Primeiro, porque o software é projetado para ser facilmente usado por não-especialistas. E diferentemente de modelos anteriores, eles dizem que o seu pode se aproximar melhor do corpo humano. No estudo atual, por exemplo, eles geraram nove perfis diferentes de células cardíacas, baseados no quão bem as células poderiam transportar íons através de suas membranas.
E, de fato, a equipe de Passini descobriu que certos perfis pareciam estar sob maior risco de arritmia a partir de certos medicamentos. Esse mesmo método poderia ser usado para criar o equivalente de subgrupos em um teste clínico, baseado em fatores como idade ou gênero.
O prêmio NC3Rs, patrocinado pela empresa farmacêutica britânica GlaxoSmithKline, é o segundo prêmio que a pesquisa de Passini e sua equipe recebeu — ela também venceu o prêmio Inovação Tecnológica, concedido pela Safety Pharmosectual Society no ano passado. Além disso, o modelo é, ele próprio, uma extensão de uma pesquisa conduzida pela mesma equipe de Oxford que também recebeu o prêmio NC3Rs em 2014.
Passini contou ao Gizmodo que o software Virtual Assay já está sendo usado por quatro empresas farmacêuticas no auxílio de seu desenvolvimento e esforços de segurança em medicamentos, incluindo a americana Merck e a belga Janssen. Ela também disse que sua equipe planeja usar o software para estudar como as drogas podem afetar a capacidade do coração de contrair fisicamente e circular o sangue pelo corpo.
O grupo também começou a conduzir estudos virtuais nos campos de pesquisa sobre dor e diabetes tipo 2.
[Frontiers in Physiology, NC3Rs]
Imagem do topo: Getty Images