Comitê parlamentar britânico tacha Facebook de “gângster digital” e critica práticas da rede social

Relatório faz ainda recomendações para aumentar e melhorar a regulamentação em torno de redes sociais, pedindo ação do governo e poderes a reguladores
Getty Images

Um comitê parlamentar britânico concluiu sua investigação de 18 meses sobre práticas de redes sociais e publicou seu relatório nesta segunda-feira (18). O Facebook recebeu atenção especial no documento, com legisladores acusando a empresa de intencionalmente violar a lei e alegando que o CEO da companhia, Mark Zuckerberg, falhou em sua liderança da rede social.

O Comitê de Digital, Cultura, Mídia e Esporte do parlamento britânico foi incitado a lançar uma investigação sobre as redes sociais em 2017, após revelações sobre manipulação eleitoral por parte da Rússia e, mais tarde, o escândalo da Cambridge Analytica. O relatório de 108 páginas resultante critica o Facebook em várias questões, incluindo a violação de seu próprio acordo de privacidade com os usuários e a participação em práticas anticoncorrenciais. “Empresas como o Facebook não devem ter permissão para se comportar como ‘gângsteres digitais’ no mundo online, se considerando acima e além da lei”, escreveu o comitê.

Segurança eleitoral, assédio online e violações de privacidade foram algumas das principais preocupações do comitê, que recomendou a ação por parte de uma ampla gama de reguladores do Reino Unido para controlar os poderes do Facebook. “Entre as inúmeras postagens inócuas de comemorações e fotos de feriados, algumas forças maliciosas usam o Facebook para ameaçar e assediar outros, para publicar pornografia de vingança, para disseminar discursos de ódio e propaganda de todos os tipos e para influenciar eleições e processos democráticos”, afirmou o comitê. “Muitas das quais o Facebook e outras empresas de rede social não podem ou não querem impedir.”

Esses tipos de acusações não são novidade para o Facebook, e, no ano passado, vimos legisladores em diversos países diagnosticarem problemas semelhantes na empresa. Mas esse comitê britânico teve um problema particular com os documentos judiciais que o Parlamento descobriu no ano passado. Eles continham e-mails internos nos quais executivos do Facebook discutiam a extensão do acesso a dados de usuários concedido a terceiros que gastavam muito em publicidade. O comitê viu isso como evidência de práticas anticoncorrenciais nas quais o Facebook estava passando por cima das “configurações de privacidade de seus usuários para transferir dados para alguns desenvolvedores de aplicativos; para cobrar altos preços em publicidade para alguns desenvolvedores, pela troca de dados, e deixar alguns desenvolvedores famintos — como a Six4Three — por esses dados, contribuindo para que eles percam seus negócios”.

O Facebook negou essa classificação. Alegou que encerrou um programa que permitia aos usuários compartilhar os dados de seus amigos com desenvolvedores em 2015 e que apenas estendeu a funcionalidade para certos desenvolvedores a curto prazo, a fim de evitar prejudicar a experiência do usuário.

Porém, para os legisladores do Reino Unido, qualquer tipo de mal-entendido sobre as práticas comerciais do Facebook pode ser atribuído à resistência de seus executivos em cooperar na investigação. Damian Collins, presidente do Comitê de Digital, Cultura, Mídia e Esporte, escreveu que o Facebook “muitas vezes procurou deliberadamente frustrar nosso trabalho, dando respostas incompletas, desonestas e às vezes enganosas às nossas perguntas”. Collins também destacou a recorrente recusa de Mark Zuckerberg em testemunhar pessoalmente perante o comitê. “Mesmo que Mark Zuckerberg não acredite que seja responsável perante o Parlamento do Reino Unido, ele é responsável perante os bilhões de usuários do Facebook em todo o mundo”, escreveu Collins.

Um dos detalhes mais interessantes do relatório é que ele afirma que o Gabinete do Comissário da Informação (ICO, na sigla em inglês) compartilhou os nomes de três “gerentes seniores” no Facebook com o comitê que supostamente tinham conhecimento da violação de dados da Cambridge Analytica antes da data de 2015, quando o Facebook alegou ter tomado conhecimento do incidente. Os nomes dos gerentes não foram revelados no relatório, mas o comitê considerou inconcebível que a questão não tenha sido levada à atenção de Zuckerberg até 2018. “O incidente mostra a fraqueza fundamental do Facebook em gerenciar suas responsabilidades com as pessoas cujos dados são usados para seus próprios interesses comerciais”, escreveu o comitê.

Quando questionado sobre o relatório, um porta-voz do Facebook disse ao Gizmodo:

Estamos abertos a uma regulamentação significativa e apoiamos a recomendação do comitê para a reforma da lei eleitoral. Mas não estamos esperando. Já fizemos alterações substanciais para que todos os anúncios políticos no Facebook tenham de ser autorizados, indicando quem está pagando por eles e depois sendo armazenados num arquivo pesquisável durante sete anos. Nenhum outro canal de publicidade política é tão transparente e oferece as ferramentas que nós oferecemos.

Embora ainda tenhamos mais a fazer, não somos a mesma empresa que éramos há um ano. Triplicamos o tamanho da equipe que trabalha para detectar e proteger os usuários de conteúdos nocivos para 30 mil pessoas e investimos fortemente no aprendizado de máquina, na inteligência artificial e na tecnologia de visão computacional para ajudar a prevenir esse tipo de abuso.

Em seu comunicado, o Facebook rejeitou “todas as alegações de que tenha violado leis de proteção de dados e concorrência”.

O relatório foi vago nas suas recomendações de regulamentação. Ele dividiu as suas sugestões em quatro categorias:

  • Código de Ética obrigatório para empresas de tecnologia supervisionado por um regulador independente.
  • Poderes conferidos ao regulador para para instaurar ações judiciais contra as empresas que violam o código.
  • O governo deve reformar as leis atuais de comunicação eleitoral e as regras sobre o envolvimento estrangeiro nas eleições do Reino Unido.
  • Empresas de redes sociais sendo obrigadas a eliminar as fontes conhecidas de conteúdos nocivos, incluindo as fontes comprovadas de desinformação.

Os reguladores alemães reprimiram duramente as práticas de coleta de dados do Facebook, e o governo dos Estados Unidos estaria avaliando uma multa de bilhões de dólares à rede social, por violar seu acordo de consentimento de 2011 com a Comissão Federal de Comércio dos EUA. Isso se soma aos inúmeros procuradores-gerais nos EUA que estão conduzindo suas próprias investigações sobre as práticas de dados da empresa. Mas nada disso parece estar tendo muito impacto sobre os lucros do Facebook, que reportou  recordes no último trimestre. Os legisladores podem emitir relatórios bem formulados o quanto quiserem, porém, até que os acionistas comecem a reclamar, podemos esperar que o Facebook continue falando da boca para fora sobre seus principais problemas.

[DCMS Committee via The Washington Post]

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