_Tecnologia

Como é produzir conteúdo em realidade virtual se você nunca trabalhou com isso

Ricardo Laganaro, diretor da O2 Filmes, fala como é a transição de mídia plana, como o cinema, para a realidade virtual.

“Eu não sei como fazer. Eu não tenho a menor ideia de como fazer”, foi o que respondeu Ricardo Laganaro a Fernando Meirelles, quando questionado sobre a produção de conteúdo em realidade virtual. Coordenador de 3D da O2 Filmes, ele atualmente dirige a produção de conteúdo imersivo a ser exposto em uma instalação semi-esférica no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro. O Gizmodo conversou com Laganaro sobre este projeto e como transita um diretor de cinema para a realidade virtual, mídia que ainda engatinha, durante o festival Mediamorfosis, que discutiu realidade virtual, transmídia e novas mídias, durante o mês de agosto em São Paulo.

Conceito do Museu do Amanhã. Foto: O2 Filmes

O Museu do Amanhã é uma instalação em construção no Pier Mauá, no Rio de Janeiro, que trará uma curadoria de arte imersiva e inovadora. Ele contará com uma estrutura semi-esférica — um domo — que exibirá um filme imersivo em realidade virtual produzido pela O2 Filmes para o público espectador. A produção deste conteúdo imersivo teve início em 2012 e a previsão é que o museu — e a produção em realidade virtual da O2 — sejam lançados em novembro deste ano. Fernando Meirelles e Ricardo Laganaro falam um pouco da produção no vídeo abaixo:

Lagarano, que já trabalhou em séries brasileiras conhecidas, como As Brasileiras e Felizes Para Sempre? aceitou o desafio dado por Meirelles de produzir o primeiro conteúdo imersivo em realidade virtual da O2 Filmes. O estúdio, entretanto, não tinha experiência em conteúdo em realidade virtual — essa é a primeira experiência na área e, por isso, aconteceram alguns problemas de produção.

“Até o meio de 2014 achávamos que estávamos lidando com projeção mapeada. E aí percebemos que não era isso e então compramos o Oculus Rift”, explica Laganaro, que desde 2012 trabalha com roteiros, concepções e apresentações deste projeto, que se iniciou em uma tela plana, com os princípios aprendidos no cinema tradicional: planos, sequência etc. Sem sucesso, foi necessário reconstruir tudo o que havia sido feito em tela plana no software do Oculus Rift. Com o dispositivo, o diretor conseguiu finalmente produzir o que será visualizado pelos espectadores do domo no Museu do Amanhã. Mas para isso, Laganaro precisou esquecer o que sabia sobre cinema.

Não existem regras, políticas ou costumes a serem seguidos quando o assunto é realidade virtual. Tudo é novo. Tudo é experimental. Nada é estabelecido, mas “ninguém está disposto a errar”, diz Laganaro. Diferente do cinema, onde a sequência e o plano ditam quem entra e quem sai de uma cena, por exemplo, ainda não temos o menor domínio sobre a realidade virtual. “É desesperador pensar em cinema sem um quadro”, diz Laganaro, sobre a transição de um cineasta para a realidade virtual. “Tem que aprender tudo de novo. Começar do zero. Tudo o que a gente aprendeu sobre fazer cinema tem que jogar fora”, explica ele.

Mais um dia no escritório …

A photo posted by laganaro (@laganaro) on

Falta de repertório, experiência e exemplos práticos foram os principais problemas para a produção do conteúdo em realidade virtual, fazendo com que os produtores se apropriassem de um “repertório que não existe”, ou se inspirassem em outras mídias, como o videogame e cinema — o filme produzido pela O2 se inspira muito em Árvore da Vida (Terrence Malick, 2011), com longas cenas que representaram desde o Big Bang até o nascimento da humanidade. E, curiosamente, a experiência se inspira também em Journey (Sony, PS3/PS4): Assim como no jogo, Laganaro espera fazer uma jornada com a produção para o Museu do Amanhã. “É tentar não ser tão literal como no cinema, que tem sempre uma cena e alguém falando naquela cena e uma música dizendo o que vai acontecer”, diz. “É tudo muito na cara, tudo muito claro e, assim como em Journey, temos que saber como fazer as pessoas sentirem essa viagem na realidade virtual”.

Além de ter de reaprender a produzir conteúdo, Laganaro explica que um dos grandes desafios da realidade virtual é fazer as pessoas entenderem o que é realidade virtual. “É difícil fazer alguém entender a frase ‘é um conteúdo imersivo, como se você estivesse dentro do filme’, mas é muito fácil colocar um óculos de realidade virtual nesta pessoa e fazê-la entender tudo em questão de minutos”, diz. “Por mais que se fale, se vá a palestras e se leia livros, a experiência de vestir um Oculus muda tudo”.

Mas como gerar interesse neste conteúdo — ou melhor — como não fazer da realidade virtual o novo cinema 3D? Lagarano vê algumas diferenças marcantes entre as duas mídias: conteúdo em realidade virtual pode ser inserido em praticamente qualquer celular com o auxílio de dispositivos externos, como o bem em conta Google Cardboard, ou o mais caro (e moderno) Samsung Gear VR. Ainda assim, essa tecnologia que ainda engatinha precisa se aproximar mais dos espectadores. É preciso que a realidade virtual se torne uma mídia costumeira para que não caia no esquecimento como o cinema 3D. “É preciso criar boas experiências curtas para as pessoas criarem o hábito com a realidade virtual”, explica.

O Google Cardboard é a opção mais barata para quem quer experimentar a realidade virtual — custando a partir de US$ 20 nos EUA, mas ainda sem previsão para chegar ao Brasil.

Uma boa maneira de se criar experiências curtas seria com o conteúdo gerado por usuários, da mesma forma que os materiais criados para YouTube ou até mesmo o Vine, por exemplo. E neste aspecto Lagarano discorda de Palmer Luckey, o criador do Oculus VR.

O idealizador do óculos de realidade virtual acredita que o conteúdo deva ser criado da mesma forma que o cinema: com capacidade e dinheiro para criar coisas grandes e relevantes. “Mas é inevitável, as pessoas vão fazer”, diz o diretor enquanto pega uma câmera F-Theta em sua mochila. “Essa é uma câmera portátil de US$ 300 que já emenda as imagens em 360º”, diz. Apesar de resolução e número de quadros baixo, como um celular antigo, ela não deixa de colocar a produção de conteúdo nas mãos de pessoas comuns. “As pessoas podem e já estão criando conteúdo para o VR. Não vai demorar muito para essa mesma tecnologia chegar ao celulares e a usarmos no Periscope, por exemplo”.

Com o lançamento do Oculus Rift previsto para o ano que vem — além também de outros dispositivos VR próximos de chegarem ao mercado, como Morpheus, da Sony ou o HTC, da Valve — 2016 promete realmente ser o ano da realidade virtual. Resta vestir nossos óculos enormes e esperar para ver.

Atualizado às 12h58.

Sair da versão mobile