Como humanos e algoritmos criam as playlists que você ouve por streaming

No começo, era o Napster. Você procurava a música que queria, baixava e (depois de algum tempo, de madrugada, para não gastar pulso na conta telefônica) fim de papo. Depois vieram iTunes, Rapidshare, 4shared, torrent, até chegarmos na era do streaming de música. Agora, além de ter muitas discografias de muitos artistas a um clique […]

No começo, era o Napster. Você procurava a música que queria, baixava e (depois de algum tempo, de madrugada, para não gastar pulso na conta telefônica) fim de papo. Depois vieram iTunes, Rapidshare, 4shared, torrent, até chegarmos na era do streaming de música.

Agora, além de ter muitas discografias de muitos artistas a um clique e uma conexão de distância, temos seleções musicais das mais variadas, feitas por humanos e por algoritmos. A era do streaming trouxe também a era da playlist.

Se você já usou algum serviço de streaming musical, sabe do que estamos falando. Praticamente toda plataforma desse tipo tem uma seção dedicada a seleções musicais variadas, com recortes por gênero musical, por período da história da música, e até mesmo compilações voltadas para situações específicas — músicas para trabalhar ou para malhar, por exemplo. E sim, muitas delas são feitas por seres humanos que entendem e gostam de música.

A novidade

Montar playlists é uma das atribuições de Yasmin Muller, editora brasileira da Deezer. “Eu já trabalhei muito tempo em rádio, fazendo programação de playlists mesmo, então já tinha essa experiência de montar listas de músicas”, conta. Além das playlists, Yasmin também faz a parte de recomendações de discos, que aparecem no feed dos usuários com a etiqueta “Seleção Deezer”.

No Spotify, o responsável pela função é Bruno Telloli. “Sou formado em publicidade, mas sempre trabalhei com música, com banda, com conteúdo musical. Hoje eu sou o responsável por toda a parte de curadoria de playlists no Brasil, e um pouco de Portugal e América Latina, desde a ideia até a criação. Também apoio o pessoal de marketing e o relacionamento com artistas e gravadoras.”

Enquanto Deezer e Spotify têm acervos em que você pode ouvir discos ou músicas, o brasileiro SuperPlayer foi além: é uma plataforma de streaming que tem apenas playlists.

O SuperPlayer foi fundado em 2013, por Gustavo Goldschmidt, atual CEO da empresa, e dois irmãos. Eles se juntaram e começaram a pesquisar para empreender e criar seu próprio negócio. “Chegou um momento que a gente viu que era muita informação e não conseguia selecionar. É mais ou menos o que acontece com a música hoje: você tem tanta música que não sabe o que ouvir.” Assim nasceu o SuperPlayer, para, nas palavras do fundador, “diminuir a barreira entre os ouvintes e a música” e oferecer uma experiência tão simples quanto a do rádio.

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O rádio também foi mencionado na conversa que tivemos com Elias Roman, gerente de produto do Google Play Música, na segunda-feira passada, quando o Google apresentou suas playlists contextuais. “Nós queríamos criar uma experiência tão simples quanto ligar o rádio, mas que fosse personalizada de acordo com o seu gosto musical.” Roman é co-fundador do Songza, serviço de streaming disponível nos EUA e no Canadá que oferece gratuitamente playlists temáticas. O Songza foi comprado pelo Google em junho do ano passado.

Se o assunto é rádio, não dá para não falar do Rdio — não apenas pelo nome, mas também porque a plataforma de streaming tem mais de 400 estações de rádio, divididas entre várias categorias como gêneros musicais, eventos –como o Rock in Rio– e vibes. Destas, 19 estações são dedicadas à música brasileira e têm com curadoria local, chefiada pelo coordenador de conteúdo Yuri Almeida. Ele conta que a estação de sertanejo universitário, disponível desde setembro de 2014, já alcançou a marca de 2 milhões de plays.

Já o recém-lançado Apple Music deu um passo além —ou seria para trás, rumo ao passado?— e criou uma rádio de verdade: a Beats 1 é transmitida 24 horas por dia de estúdios de Los Angeles, Nova York e Londres, com os renomados DJs Zane Lowe, Ebro Darden e Julie Adenga.

Essa é pra tocar no rádio

“Chegar a uma boa compilação é tão difícil quanto se separar.” A frase é de Rob Fleming, o complicado dono de uma loja de discos criado por Nick Hornby no livro Alta Fidelidade. Mas, se gravar uma fita cassete de sessenta minutos para um amigo já dá trabalho, imagine montar um monte de listas de diversos gêneros para o público.

“Dentro das playlists, buscamos sempre colocar a coisa mais radiofônica, mais pop, mais acessível, tirando em algumas playlists mais de nicho”, explica Yasmin.

No Spotify, a ideia é parecida. “Quando você começa a trabalhar com música, você tem a dificuldade de separar o que você gosta do que você tem que promover. Com o tempo, você consegue desenvolver o ouvido para perceber se uma música de um gênero musical que não é o seu preferido é boa ou não”, explica Telloli.

Mas montar uma playlist não é só escolher as canções que estarão nela. Yasmin explica que a ordem das músicas também é importante. “Você abre com um hit, algumas músicas mais famosas para não assustar o ouvinte logo de cara. Depois coloca alguma novidade, alguma música menos conhecida no meio.”

Entre as mais de 150 playlists que ela criou para a plataforma, estão playlists de gêneros musicais e outras com temas mais livres, as preferidas dela. “Nós criamos uma playlist de ‘Bom dia’, que é temática, mas não tão presa a gêneros musicais, então dá mais liberdade para escolher as canções.”

A estratégia do Rdio foi um pouco diferente: além da curadoria própria, a plataforma tem parcerias com o que eles chamam de influenciadores — blogs de música, revistas, marcas e artistas têm contas para mostrar o que estão ouvindo e montar playlists. A rádio de metal nacional, por exemplo, teve curadoria da banda Matanza.

Também há um espaço para selos brasileiros mostrarem seu trabalho: Biscoito Fino, Dupas e Deckdisc têm suas próprias rádios. O selo Ziriguiboom, responsável pelo lançamento de novidades da música brasileira no exterior, acabou se tornando um influenciador, pois fez uma estação com várias novidades da música nacional, não só as lançadas pelo selo.

Canções e momentos

Goldschmidt também acredita que ficar preso num gênero só é bobagem. “Momentos dão espectros musicais mais amplos. Não é como o Pandora, que acaba fazendo uma lista de músicas bem uniforme. Músicas diferentes, vozes diferentes, línguas diferentes, tudo isso pode criar um mesmo sentimento nas pessoas”, diz, mencionando o serviço de streaming que ficou famoso por seus algoritmos que catalogavam diversos elementos das canções. “Nós queremos melhorar a vida das pessoas, com a playlist certa no momento certo.”

Trazer a playlist certa no momento certo é também o objetivo das playlists contextuais do Google Play Música, lançadas no Brasil —quinto país a receber o recurso, sendo o primeiro de língua não inglesa— na semana passada.

Roman explica que há uma parte bastante humana no processo. “Tudo começa com nossos editores decidindo todos os momentos no dia do ouvinte que podemos melhorar com música, todos os tipos de música que poderiam funcionar com cada momento, e então as estações específicas em que cada tipo de música seria uma ótima trilha sonora para o momento. Nós chamamos isso de ‘atividade’. Então, temos centenas de atividades e milhares de estações, todas feitas 100% manualmente por nossa equipe editorial.”

O cérebro eletrônico

No entanto, nem tudo é humano no Google Play Música: “Agora é a parte em que os algoritmos entram, e não é adicionando músicas às estações. Quando você abre o Play Música, nós olhamos o dia da semana, a hora, o dispositivo que você está usando e outros sinais úteis para antecipar a sua necessidade musical. Escolha uma das atividades e nós iremos mostrar não só os gêneros musicais, mas os gêneros no contexto da atividade.”

O SuperPlayer também combina humanos e algoritmos. Goldschmidt diz que a plataforma funciona com três pilares: pessoas — o app tem uma equipe de quatro curadores musicais, além de diversas parcerias por todo o Brasil para trazer mais ideias; processos — o app é sempre orientado a playlists específicas para situações e humores; e, por fim, tecnologia — usando dados para entender melhor do que os usuários gostam e como ouvem música.

“Geralmente, as pessoas que gostam de música, como é o caso dos nossos curadores, não estão muito acostumadas a olhar para dados dessa forma. É um esforço que fazemos para compreender o comportamento”, complementa Goldschmidt.

Já o Spotify aproveita sua base de dados para descobrir o que é mais apropriado em cada momento. Telloli explica que as ferramentas ajudam a mostrar o que um determinado perfil de usuário, que ouve música eletrônica ou rock, por exemplo, costuma ouvir na parte da noite. “Isso dá um norte para montar a playlist, mas aí entra a parte humana, de pesquisar mais coisas do artista, colocar alguma coisa que você ouviu na rádio.”

Mesmo depois de pronta, a playlist continua sendo atualizada com ajuda das informações. “Tem informações bacanas de dentro das playlists: dá para saber as músicas que os usuários mais pulam e as que eles mais ouvem até o final.”

Na Deezer, os algoritmos têm várias funções. Uma delas, segundo Yasmin, é indicar faixas novas que estão sendo muito ouvidas e que, por isso, precisam entrar nas playlists de gêneros musicais imediatamente.

Mas não é só isso. A Deezer também tem, para todos usuários, um feed na página principal, com recomendações personalizadas de discos, artistas, faixas e, como não poderia deixar de ser, playlists. “O feed da Deezer acaba trazendo playlists parecidas com o seu gosto musical. Como o feed da minha conta é uma loucura porque eu acabo tendo que ouvir de tudo, sempre aparecem boas playlists feitas pelos próprios usuários.” Ao todo, a plataforma tem mais de 100 mil playlists.

Nada será como antes?

A ascensão das playlists dá a impressão de que elas podem ser o futuro da música. Já tem muito tempo que ouvimos falar que o álbum, como formato, vai morrer. Será que estas listas humanas, ultra-específicas, criadas com auxílio de dados e programação irão finalmente enterrar o disco como o conhecemos? Goldschmidt não pensa assim. “Seria muita pretensão minha dizer isso. Acho que sempre vai haver público para o formato. As vendas de discos de vinil estão crescendo, o que mostra isso.”

“As playlists são o tema do momento. Elas entram numa discussão que eu acompanho há uns oito anos na indústria da música que é o fim do álbum como formato. As playlists estão aparecendo agora e a gente não sabe ainda muito bem que lugar elas vão ocupar, mas parece que elas são o novo rádio”, comenta Yasmin.

Telloli também compara as playlists com rádio, mas acrescenta outro sentido. “As playlists podem atuar bastante na promoção e divulgação, como o rádio e os programas de TV. Os artistas e as gravadoras já perceberam a importância das playlists para isso. Nós, aqui no Spotify, conseguimos ver bem como incluir uma banda ou artista numa playlist acaba puxando as outras músicas dela também. O usuário pensa, ‘se o Spotify está recomendando, é porque é bom’.”

Ele também não acha que o álbum, enquanto formato, vai morrer. “Talvez para uma próxima geração, que já começou a ouvir música de outra forma, mas não para a atual”, diz, lembrando que a facilidade de hoje talvez até impulsione os discos. “Hoje, com o Spotify, você consegue chegar num disco inteiro com alguns cliques. Antes, se você estava no carro, por exemplo, e ouvia alguma coisa e gostava, tinha que ir até a loja, comprar o disco, muitas vezes o disco não estava disponível para degustação antes. Hoje é muito mais fácil.”

Seja ouvindo discos inteiros, montando mixtapes para amigos ou ouvindo playlists de horas a fio de música instrumental para conseguir entregar este texto a tempo, a certeza é uma: nunca mais precisaremos esperar duas da tarde de um sábado para ter acesso a todas as músicas que queremos ouvir — a maior vantagem da era do streaming.

Imagem: kevinshine/Flickr

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