Comparação mostra diferença na eficiência da quebra de cocos com ferramentas entre macacos
Texto: Júlio Bernardes /Arte: Joyce Tenório*/Jornal da USP
Sem conseguir quebrar cocos com os dentes ou as mãos, os macacos-prego usam pedras e troncos como ferramentas para romperem a casca e se alimentarem. Durante seis meses, pesquisadores da USP observaram duas populações de macacos, em parques nacionais do Ceará e de Goiás, e mediram o sucesso e a eficiência na quebra dos cocos. Os cientistas descobriram que, apesar do sucesso nos dois locais ser semelhante, os macacos observados em Goiás eram mais eficientes, batendo três vezes menos para romper os frutos, enquanto no Ceará houve diferença entre fêmeas e machos.
O estudo é descrito em artigo publicado no último dia 12 de junho no site da revista científica Royal Society Open Science. “Nesse estudo, coletamos dados em duas populações de macacos-prego, uma no Cerrado, no Parque Nacional Chapada dos Veadeiros, localizado na cidade de Alto Paraíso de Goiás, e outra na Caatinga, no Parque Nacional de Ubajara, no Estado do Ceará”, relata Tiago Falótico, biólogo e primatólogo, que desenvolveu a pesquisa na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. “Além disso, comparamos os dados com as outras duas únicas populações que já tinham dados publicados.”
De acordo com o biólogo, os cientistas envolvidos no projeto já sabiam que diversas populações de macacos-prego (Sapajus libidinosus) quebravam cocos com ferramentas. “No entanto, ainda tínhamos poucas informações sobre o sucesso e eficiência que a maioria delas apresentava para quebrar os cocos, se estes seriam os mesmos para frutos similares ou se as populações tinham sucesso e eficiência diferentes por motivos ecológicos ou culturais”, afirma. “Resolvemos coletar esses dados em duas novas populações para começar a entender melhor esses fatores.”
Durante um período de seis meses, foram usadas armadilhas fotográficas apontadas para 36 sítios de quebra dos macacos, que são os locais onde eles adotam repetidamente as ferramentas de pedra para quebrar os cocos. “Esses locais foram mapeados em pesquisas prévias, permitindo os registros nos locais com uso frequente de ferramentas”, descreve o biólogo. “Depois analisamos esses vídeos para transcrever o comportamento de quebra de dois tipos de cocos, um deles muito mais duro de quebrar. Analisamos quem usava ferramentas, qual o recurso processado, o sucesso e eficiência da quebra.”
Os macacos não conseguem abrir a maioria dos cocos com os dentes ou as mãos, apesar de conseguirem comer a polpa externa e, às vezes, fazerem furos para beber o líquido. “Para abrir o coco e comer o endosperma, a parte branca e sólida do coco, muito rica em gordura e carboidratos, eles precisam usar ferramentas”, explica Falótico. “Eles apoiam o fruto numa pedra ou tronco, a ‘bigorna’, e usam pedras como ‘martelos’ para acertar o coco, inclusive dezenas de vezes, até quebrar e acessar o alimento, ou mesmo desistir.”
Os pesquisadores definiram como sucesso quando um coco inteiro era fraturado, dando acesso ao endosperma. “Como tínhamos registrado todas as tentativas realizadas, pudemos calcular a frequência de sucesso. A eficiência era calculada pelo número de batidas que os macacos davam para quebrar cada fruto. Quanto menos batidas, mais eficiente”, observa Falótico. “Nos modelos estatísticos, controlamos outros fatores como peso do martelo ou sexo, para comparar somente o sucesso e a eficiência.”
Os cientistas descobriram que o sucesso é parecido entre as populações, porém os macacos da Chapada dos Veadeiros eram muito mais eficientes na quebra dos cocos mais duros, levando, em média, três vezes menos batidas para romper os frutos. “Isso mostra que mesmo tendo o mesmo sucesso, outros fatores, tais como a técnica ou escolha dos frutos, influenciam a eficiência”, aponta o biólogo. “Também analisamos a diferença sexual, como os machos são em média maiores que as fêmeas, esperávamos que tivessem mais sucesso e fossem mais eficientes. Entretanto, na população mais eficiente, da Chapada dos Veadeiros, não encontramos diferença e, em Ubajara, houve diferenças tanto para o coco mais resistente, quanto o menos resistente.”
“Aparentemente há outros fatores como a técnica ou material das ferramentas que fazem com que a diferença de tamanho entre os sexos possa ser contrabalanceada. Agora precisamos entender melhor as técnicas de quebra em cada população, o tipo de batida e o modo como seguram as ferramentas e acertam o coco, para entender melhor as diferenças sexuais e se, no caso de Ubajara, há diferenças entre os sexos nesses fatores também”, ressalta Falótico. “Os estudos de uso de ferramentas nos macacos nos permitem ter uma visão de fatores que levaram ao surgimento desse comportamento na linhagem dos primatas.”
“Além disso, saber como eles usam ferramentas e como isso varia entre populações nos permitem identificar variações não só ecológicas, mas também culturais dos macacos”, conclui o biólogo. O trabalho teve apoio do Projeto Jovem Pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), com participação de pesquisadores da EACH e do Instituto de Psicologia (IP), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Neotropical Primates Research Group (NeoPReGo). Durante a análise e escrita do artigo, colaboraram os Institutos Max Planck de Leipzig e Konstanz, na Alemanha. Além da Fapesp, o trabalho foi financiado pela National Geographic Society (NGS).
Mais informações: e-mail [email protected], com Tiago Falótico
*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado
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