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Por que não devemos comparar o coronavírus com a gripe

Ainda existem muitas incógnitas sobre o COVID-19, mas a gripe sazonal, por outro lado, é muito previsível e há maneiras conhecidas de combatê-la.

Lenços de papel e remédios

Crédito: Pixabay

No início da semana, o presidente dos EUA, Donald Trump, tentou subestimar a gravidade do surto de coronavírus que agora atinge mais de 100 países e começou a se espalhar pelos EUA. Ele tuitou que a gripe sazonal matou mais de 37.000 americanos neste inverno – muito mais do que as 22 mortes por COVID-19 que haviam sido relatadas nos EUA no momento de seu tuíte. Diante disso, ele argumentou, a vida (e a economia) deve continuar como sempre.

Trump não é o único a fazer essa comparação, mas agora isso se tornou um descuido perigoso. Sim, a gripe é uma ameaça anual à nossa saúde, que mais pessoas deveriam levar a sério. Mas o COVID-19 tem potencial para ser pior do que a temporada típica de gripe, e comparar os dois não é particularmente útil no momento.

Até 10 de março, haviam 118.000 casos documentados de COVID-19 em todo o mundo, além de 4.200 mortes. Nos EUA, foram registrados quase 800 casos e 28 mortes, com grandes aglomerados no estado de Washington, Califórnia e Nova York. Não podemos dizer com certeza como o surto afetará o país, mas uma coisa é certa: os números só vão crescer.

Durante semanas, os laboratórios de saúde pública dos EUA não conseguiram testar muitas pessoas quanto ao vírus, deixando de considerar pelo menos algumas pessoas com prováveis infecções. Outras podem ter se recusado a fazer o teste, por receio de não conseguirem pagar os custos médicos. Desde então, o governo federal prometeu expandir amplamente a capacidade de testes do país, que inclui a ajuda de laboratórios privados, e persuadiu as companhias de seguros privadas a abolir as taxas de exames para seus clientes. Mas ainda não há uma visão clara sobre a disseminação do vírus nos EUA, e não se saber quando serão capazes de examinar grandes grupos de pessoas, como fizeram países como a Coréia do Sul.

Isso significa que qualquer número oficial que você ouvir agora é uma miragem. E embora o escopo do problema não esteja claro, provavelmente não é algo bom. Um estudo de pré-impressão divulgado na segunda-feira estimou que pode haver de 1.000 a 9.000 casos importados nos EUA até 1º de março. O estudo ainda precisa ser divulgado em uma revista científica, o que significa que suas conclusões devem ser tomadas com cautela. Mas os números incluem apenas pessoas que viajaram para os EUA de Wuhan, China, e não casos relacionados a viagens de outros países como a Itália, onde a doença foi estabelecida há semanas. Essa estimativa também não inclui casos de transmissão local. E desde 1º de março, o total de casos nos EUA provavelmente aumentou exponencialmente.

O ponto chave aqui é que existem muitas incógnitas sobre o COVID-19. A gripe sazonal, por outro lado, é muito previsível. Os pesquisadores sabem como rastrear sua propagação; médicos e hospitais já esperam receber mais pessoas doentes no inverno; e uma vacina anual e medicamentos antivirais ajudam a manter isso sob controle. E embora Trump possa estar trazendo a gripe para distrair as pessoas da resposta abismal de seu governo ao COVID-19, qual é exatamente a lógica? Se muitas pessoas morrem de algo comum, tudo bem se muitas outras pessoas morrerem de outra coisa?

Obviamente, a gripe não é algo a ser ignorado. Apesar de metade do país ser vacinado, ela ainda mata dezenas de milhares por ano. Estima-se que durante a temporada de gripe em 2017-18, que foi particularmente ruim nos EUA, ela tenha sido responsável pela morte de 80.000 norte-americanos. Imagine quantas pessoas mais teriam morrido se metade do país não tivesse sido vacinado, e então você terá uma ideia de como o COVID-19 pode ser mortal se não trabalharmos para contê-lo.

Se o COVID-19 se espalhar por todo o país, poderia matar muito mais pessoas que a gripe. Sua “verdadeira” taxa de mortalidade ainda é incerta, mas mesmo se adotássemos a Coréia do Sul como padrão – um país com um excelente sistema de saúde amplamente elogiado por sua rápida resposta ao COVID-19 -, a taxa estaria em torno de 0,5 por cento. Se o COVID-19 adoecer 35 milhões de americanos, o mesmo número de casos de gripe estimado na última temporada, essa taxa ainda seria de 175.000 mortes.

Esses casos e mortes podem sobrecarregar o sistema de saúde que já enfrenta problemas, levando a mais sofrimento e turbulência econômica. Os EUA, em comparação com países como Coréia do Sul e Itália, têm menos leitos hospitalares disponíveis para cada 1.000 pessoasToda cama que vai para alguém com COVID-19 consome os recursos de um hospital ou pronto-socorro que ainda precisa lidar com vítimas de acidentes de carro, ataques cardíacos e outras doenças como, sim, a gripe que ainda circula entre a população.

O exemplo acima não é uma previsão, nem um argumento de que devemos desistir e aceitar o coronapocalipse. Se o surto já está aqui e está se espalhando, estados, cidades e pessoas comuns ainda podem fazer muito para retardá-lo. China e Coréia do Sul já começaram a reverter a situação. Mas é um lembrete de que não devemos ignorar o novo coronavírus e devemos fazer o possível para nos preparar contra ele, mesmo que isso signifique cancelar eventos sociais e tomar precauções extras por enquanto.

Um aspecto positivo é que tentar nos proteger do COVID-19 também deve nos proteger de outras doenças contagiosas.

“É importante considerar que a gripe ainda está aqui, matou 20.000 a 50.000 pessoas nesta temporada, e há rumores de que o número de hospitalizações por gripe diminuiu devido ao medo das pessoas em relação ao coronavírus”, disse Brandon Brown, epidemiologista da Universidade da Califórnia, Riverside, ao Gizmodo por e-mail. “Isso ocorre porque as mesmas medidas de prevenção podem evitar as duas infecções”.

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