Uma conversa com o Sleeping Giants Brasil, que quer que marcas parem de fazer propaganda em sites de fake news

Perfil Sleeping Giants Brasil no Twitter tenta mostrar para empresas que seus anúncios são exibidos em sites acusados de espalharem fake news.
Mulher lendo notícia em tablet. Crédito: Pexels
Crédito: Pexels

Na última quarta-feira (20), entrei no Twitter e o termo “#NãoCompreDell” estava entre os assuntos mais comentados da rede. Pensei que havia sido descoberto algum escândalo sobre a marca de computadores, mas não era nada disso. O motivo foi uma resposta da empresa para a conta Sleeping Giants Brasil, que existe a menos de uma semana e já soma mais de 200 mil seguidores.

O Sleeping Giants Brasil é um perfil no Twitter inspirado numa iniciativa americana, que busca alertar marcas quando seus anúncios são exibidos em páginas que veiculam desinformação. A polêmica rolou após a conta marcar a Dell em um tuíte dizendo que havia anúncios de laptops no site Jornal da Cidade Online, o que fez a marca responder dizendo que “solicitou a retirada dos anúncios” e que “repudia qualquer disseminação de notícias falsas”.

Para entender melhor a ação, é necessário saber um pouco sobre como funciona a publicidade programática na internet. De forma resumida, os sites “emprestam” para o Google espaços para mostrar anúncios, e as marcas, por sua vez, submetem campanhas no AdSense que distribui as peças em diversos sites.

Quanto maior o acesso a essas páginas, mais propagandas são exibidas e mais dinheiro é arrecadado pelo dono da página. As companhias geralmente segmentam as campanhas para o público e podem incluir manualmente páginas onde não querem que suas propagandas sejam exibidas. E é aí que entra a campanha do Sleeping Giants Brasil ao expor isso para anunciantes.


Uma conversa com o Sleeping Giants Brasil

Vendo a repercussão do caso, resolvi bater um papo com quem cuida da conta Sleeping Giants para entender a motivação deles, como funciona e de possíveis consequências de ações do perfil. Abaixo, a conversa com o pessoal do Sleeping Giants Brasil feita via mensagem direta no Twitter por uma questão de anonimato. Em seguida, um comentário sobre a iniciativa.

Gizmodo Brasil: Como e quando começou o Sleeping Giants Brasil? Foi algo próprio e posteriormente vocês pediram a aprovação para o Sleeping Giants dos EUA?

Sleeping Giants Brasil: Nós surgimos por causa de uma matéria do El País sobre a iniciativa americana, nunca havíamos encontrado a resposta para a desinformação e ficamos entusiasmados em aplicar no Brasil. A gente não teve uma “benção” inicial deles, inclusive ficaram assustados com o que estávamos fazendo e após uma explicação eles entenderam a importância do movimento no Brasil.

Gizmodo Brasil: Como são escolhidos os sites para monitoramento? Vi que o primeiro foi o Jornal da Cidade Online. Por que ele foi escolhido?

Sleeping Giants Brasil: Os sites são escolhidos com base no tamanho do ódio/notícia falsa disseminada no mesmo e também no seu alcance. Escolhemos o site, porque de acordo com a agência de fact check Aos Fatos foi o que mais espalhou fake news durante o último processo eleitoral.

Gizmodo Brasil: Como é feito o monitoramento? É tudo feito com a ajuda de colaboração de seguidores? Ou rola algum bot que fica analisando as propagandas veiculadas nesse site?

Sleeping Giants Brasil: Fazemos tudo manualmente, claro que com a colaboração dos seguidores para denunciar e cobrar o posicionamento das empresas. Não contamos com nenhum bot. São eles [os bots] que vêm atrás da gente mesmo.

Gizmodo Brasil: A publicidade programática é uma fonte de renda também para sites sérios [entenda sites sérios como os que não praticam/publicam fake news]. Vocês não acham que a abordagem do Sleeping Giants pode acabar criando uma guerra contra estas páginas?

Sleeping Giants Brasil: A gente acredita fazer justamente o contrário, pois o que buscamos é a volta da confiança do brasileiro nos portais que realmente zelam pela notícia. O único erro na publicidade programática é que ela infelizmente acaba financiando sites assim e estamos aqui para mostrar este erro.

Gizmodo Brasil: Além do número de seguidores e ataques a vocês, conseguem mensurar o que já conseguiram neste pouco tempo de atividade no Brasil?

Sleeping Giants Brasil: A gente acredita estar construindo uma história que teve um início maravilhoso e esperamos suprir as expectativas de todos em relação a nós para que daqui a alguns [anos] lembrem disso como um basta ao discurso de ódio e Fake News.

Gizmodo Brasil: Os críticos de vocês alegam que o Sleeping Giants quer “calar o jornalismo independente”. O que vocês têm a dizer sobre isso?

Sleeping Giants Brasil: O jornalismo independente não é feito com ofensas e notícias falsas com um único intuito de construir a mesma narrativa. O que eles fazem é simplesmente o ódio rebuscado, inclusive muito mal, para se prenderem a sua “opinião” baseada em dados falsos, desordenados, camuflados ou omitidos.

Gizmodo Brasil: Em outros lugares, iniciativas do tipo fizeram com que muitas marcas incluíssem temáticas inteiras ou palavras em uma lista de bloqueio, o que fez com que sites sérios sofressem quedas na renda de anúncios programáticos – o que pode prejudicar especialmente projetos independentes. Vocês consideraram isso? Há uma estratégia para não acontecer algo assim?

Sleeping Giants Brasil: Não sabíamos dessa iniciativa, não estudamos a medida e não posso dizer se vamos ou não um dia considerar isso.


Os riscos de iniciativas desse tipo

Para dar um contexto, esta última questão tem relação com algo que aconteceu no Reino Unido. No início do ano, empresas jornalísticas britânicas perderam receita de publicidade digital devido a listas de restrições por conteúdo. Lá, alguns anunciantes quiseram desvincular sua marca de conteúdos relacionados a “ataque”, “morte” ou “sexo”, por exemplo.

O Sleeping Giants Brasil pede que as empresas excluam de suas campanhas sites que distribuem fake news, solicitando, de alguma forma, que as marcas se posicionem.

A repercussão já despertou reações. Outra conta chamada Gigantes Não Dormem foi criada no Twitter dias depois. A página diz que é de “defesa aos conservadores” e ameaça boicotes às empresas que retirarem suas campanhas dos sites denunciados pelo Sleeping Giants Brasil. A Gigantes Não Dormem também tem usado a mesma estratégia para tentar fazer com que empresas retirem publicidade de páginas ligadas à esquerda.

Óbvio que estou extrapolando o exemplo, ainda mais para uma iniciativa que tem uma semana de atuação, mas não deixa de ser um risco que pode influenciar o ramo editorial.

Como ouvi em conversas com gente do ramo, a questão é que a publicidade programática é algo que algumas empresas querem que funcione automaticamente. Se uma companhia tiver que ficar bloqueando sites em uma lista e ainda responder à repercussão no Twitter por anunciar no site jornalístico X ou Y, uma postura para evitar riscos seria simplesmente tirar a categoria de sites/blogs jornalísticos de suas campanhas.

Isso quer dizer que o Sleeping Giants Brasil está errado? Não. Em tese, todo mundo concorda que fake news são ruins e podem trazer consequências para quem compartilha ou para quem simplesmente as lê.

E qual seria a melhor forma de combater esse problema? Não tenho a menor ideia.

O grande debate que se coloca é distinguir notícias verdadeiras e falsas, e esta é uma tarefa bem complicada, como já falamos em outra ocasião. Há sites que reutilizam materiais de veículos de imprensa estabelecidos, mas com um título sensacionalista. Isso é notícia falsa? Não, mas tem grande chance ser mau jornalismo.

Notícia falsa é simplesmente inventar coisas, e o site Jornal da Cidade Online tem uma lista corrida extensa, inclusive com direito a publicar informações falsas sobre a pandemia do novo coronavírus ou usar imagens de gente famosa ou de bancos de imagem para representar colunistas que atacavam políticos e magistrados, segundo a agência Aos Fatos.

Talvez tudo isso conscientize as empresas a saberem onde suas propagandas são veiculadas. Tomara. Se não for assim, a campanha pode ser um tiro no pé para publicações independentes no longo prazo.

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