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Por que não é tão simples afirmar que o novo coronavírus se espalha pelo ar

Em carta cientistas disseram que OMS deveria reconhecer que COVID-19 é disseminado pelo ar, porém esta é uma afirmação complexa de se fazer.

Máscaras de proteção N-95 em Washington. Crédito: Getty Images

Máscaras de proteção N-95 em Washington. Crédito: Getty Images

Centenas de cientistas em todo o mundo assinaram um documento pedindo que a OMS (Organização Mundial da Saúde) reconheça publicamente que o novo coronavírus pode ser transportado pelo ar, o que significa que pode se espalhar e permanecer no ar por meio de aerossóis emitidos pela respiração de pessoas infectadas, não apenas gotas. Mas não há uma resposta fácil para esse debate em andamento, por várias razões: ainda é difícil saber com que frequência a transmissão via aerossol de COVID-19 ocorre e a ideia de que um vírus está no ar ou não pode ser um conceito desatualizado.

Desde o início da pandemia no início deste ano, agências de saúde como a OMS têm sustentado que o contato próximo com gotículas respiratórias emitidas por alguém, que não viajam muito longe e rapidamente caem no chão, é o principal método de transmissão do vírus para a população. Eles também declararam que a transmissão de aerossóis é possível, mas apenas durante certos procedimentos médicos. A transmissão por meio de contato com superfícies contaminadas é também considerada possível, mas é um fenômeno raro.

A existência da carta dos cientistas foi reportada pelo New York Times e outros veículos de imprensa no último fim de semana. A publicação saiu no Clinical Infectious Diseases nesta segunda-feira (6).

“Estudos feitos por quem assinou a carta e outros especialistas demonstraram que, sem sombra de dúvidas, os vírus são liberados durante a expiração, a fala e a tosse em micropartículas pequenas o suficiente para permanecer no ar e representam um risco de exposição a distâncias superiores a 1 a 2 metros de um indivíduo infectado”, afirma a carta.

Questões semânticas

Existem numerosos estudos demonstrando a possibilidade de transmissão de aerossóis. Um estudo realizado em março, por exemplo, descobriu que partículas virais poderiam ser suspensas no ar por até horas sob certas condições. Outros estudos sugeriram que a falta de ventilação interna pode ter contribuído para causar aglomerados (clusters) de COVID-19, possivelmente por meio da disseminação de partículas de aerossol em outras partes do ambiente.

Mas muitas das evidências para transmissão de aerossóis são circunstanciais. Logo após o estudo de março, outros pesquisadores criticaram a cobertura da mídia por serem muito conclusiva. Por exemplo, o estudo não foi realizado em condições reais, e ainda parece não haver uma bala de prata provando que os aerossóis causam regularmente novos casos de COVID-19.

A OMS, por sua vez, disse ao New York Times que houve discussões internas sobre o papel da transmissão de aerossóis na disseminação da doença viral, mas as evidências que seus especialistas viram até agora não são sólidas o suficiente para afirmar definitivamente o que está acontecendo. Na segunda-feira, a agência confirmou à Reuters que seus especialistas técnicos revisariam a carta e suas recomendações.

Parte do problema aqui parece ser uma questão semântica. Os germes considerados classicamente transportados pelo ar, como sarampo ou tuberculose, infectam regularmente novas pessoas por meio de partículas de aerossol que podem sobreviver no ar por horas, muito tempo depois que a pessoa infectada sai da sala.

Isso não parece acontecer com o COVID-19, com base no que aprendemos nos estudos de caso. Mas muitos cientistas, incluindo aqueles que assinaram a carta, afirmam que aerossóis ou gotas ainda podem infectar pessoas em condições que tornam a doença praticamente transmissível pelo ar por breves períodos de tempo, como em locais com pouca ventilação ou em situações nas quais você fica bastante tempo com um grupo em um ambiente fechado, como pessoas que cantam em um coral.

O argumento apresentado na carta é que, embora o COVID-19 possa não se espalhar pelo ar com tanta facilidade ou frequência quanto o sarampo, que é altamente infeccioso, ele é transmitido pelo ar pelo tempo suficiente para que agências como a OMS alertem sobre o risco.

Mas essa distinção pode não ser importante para o público em geral. Agências de saúde pública, cientistas e órgãos de comunicação social têm manifestado sua opinião sobre o maior risco de infecção em ambientes internos lotados como bares representam há meses; evitar esses cenários seria inteligente, independentemente de o vírus se espalhar por gotículas maiores ou aerossóis minúsculos.

Meio termo

Alguns cientistas argumentam que esse debate sobre aerossóis versus gotículas deveria ser deixado de lado ou redefinido. Em vez de pensar na transmissão aérea como um simples sim ou não, ele deve ser considerada um espectro.

Por um lado, você tem o sarampo que é altamente transmitido pelo ar e, por outro, doenças respiratórias que não são muito transmitidas pelo ar, como a gripe. (Embora um estudo de 2018 tenha realmente constatado que a gripe às vezes pode estar no ar — outra ilustração de por que essa distinção é tão imprecisa). Em algum lugar no meio desse espectro, você provavelmente tem o COVID-19, uma doença que geralmente é disseminada por gotículas, mas às vezes pode estar no ar também.

Tentar descobrir exatamente onde está o espectro de COVID-19 é definitivamente importante para os cientistas estudarem, e novas descobertas podem levar a mudanças nas restrições e regulamentações daqui para frente (como exigir que edifícios provem que sua ventilação pode circular rapidamente o ar fresco).

Cuidados permanecem os mesmos

No entanto, para as pessoas comuns, isso pode não alterar as precauções que já devemos tomar para nos mantermos seguros: evite o contato próximo com pessoas fora de sua casa, tanto quanto possível, especialmente em ambientes fechados; use máscara quando estiver perto de outras pessoas; e lave as mãos frequentemente.

Estudos em todo o mundo descobriram que precauções como o uso generalizado de máscaras cirúrgicas (que bloqueiam alguns aerossóis e gotículas, mas não são escudos perfeitos) em hospital têm sido capazes de proteger grupos expostos, como os profissionais de saúde, de contrair e espalhar o vírus. Se a transmissão de aerossóis estivesse desempenhando um papel proeminente na pandemia, isso não seria necessariamente verdade, uma vez que acredita-se que apenas as máscaras médicas, como a N95, impeçam efetivamente a inalação de aerossóis infecciosos.

É importante ressaltar que muitos países parecem ter contido seus surtos sob a suposição de que o vírus geralmente se espalha por meio de contato próximo com gotículas, sem tratar o vírus como transmitido pelo ar.

Não sabemos se medidas adicionais, como o uso generalizado de máscaras N95 por profissionais da saúde e pelo público em geral, ajudariam significativamente mais do que as máscaras cirúrgicas e de tecido. Outras medidas, como garantir que os espaços internos, como restaurantes e aviões, tenham boa ventilação, serão benéficas se o vírus puder se espalhar por aerossóis ou gotículas.

Talvez valha a pena ser excessivamente cauteloso, como argumentam os cientistas da carta. Certamente não seria a primeira vez que a OMS poderia ser acusada de não agir rápido o suficiente. Recentemente, por exemplo, a agência foi novamente criticada por subestimar o papel da transmissão assintomática na disseminação de COVID-19. Mas também vale a pena enfatizar que realmente existem muitas incógnitas quando se trata da transmissão aérea do vírus.

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