Quais são os riscos de contrair COVID-19 durante um passeio com seu cachorro?

Um estudo diz que as chances aumentam em 78% ao levar seu cão para passear, mas é preciso ter cuidado ao analisar essa pesquisa.
Cães e cachorro. Imagem: Claudio Cruz (Getty Images)
Este é o Harley, um pug de três anos esperando para seu trabalho como animal terapêutico em um hospital no México. Imagem: Claudio Cruz (Getty Images)

Um novo estudo sobre COVID-19 sugere que passear com seu cachorro aumenta em 78% o risco de contrair o novo coronavírus. É uma porcentagem alarmante, de fato. No entanto, não há com o que se preocupar caso você tenha o costume de levar seu animal de estimação para caminhar — até porque eles precisam sair para andar um pouco. Isso porque os dados de tal estudo foram divulgados de maneira confusa.

Vamos explicar. A pesquisa foi publicada recentemente na revista Environmental Research por uma equipe de cientistas da Espanha. Eles realizaram um levantamento online com mais de 2.000 pessoas no país entre abril e maio deste ano, exatamente na época em que a Espanha enfrentava sua primeira onda da pandemia e havia decretado uma série de restrições de distanciamento. Os entrevistados responderam várias perguntas, entre elas se tinham bichos em casa e se já tinham contraído COVID-19.

Ao todo, pouco menos de 5% dos entrevistados disseram ter se infectado em algum momento. E quando os pesquisadores compararam as taxas de coronavírus entre pessoas que disseram que passeavam com um cachorro e as que não passeavam (seja porque não tinham um animal de estimação ou porque simplesmente não saíam com ele), aqueles que disseram levar seu pet para dar uma volta tinham uma chance levemente maior de infecção: 6,9% versus 4,2%.

A partir disso, os pesquisadores concluíram que passear com o cachorro “aumenta o risco de contágio de COVID-19 em 78%”.

Há algumas coisas a serem abordadas. Mas logo de cara, o texto acima está incorreto, mesmo se você assumir que as descobertas são precisas. Esses tipos de estudos são chamados de pesquisa observacional, o que significa que eles examinam padrões e tendências em um ambiente da vida real. Embora esses relatórios sejam um aspecto fundamental da ciência, uma de suas limitações conhecidas é que eles não podem mostrar uma relação direta de causa e efeito entre as coisas que estão tentando observar.

No máximo, você poderia dizer que este estudo sugere que passear com o cachorro está associado a um risco maior de COVID-19, mas não que passear com o cachorro aumenta suas chances de infecção.

As implicações reais da pesquisa também são duvidosas. Ao tentar explicar as descobertas, os autores especulam que os cães podem estar transmitindo o coronavírus para seus donos, tendo pegado o vírus do mundo exterior durante suas caminhadas.

Embora os cães tenham demonstrado ser portadores do vírus, alguns até adoecendo por causa da doença, não há evidências até o momento de que os cães tenham infectado outras pessoas. Na maioria das vezes é o contrário: os donos é que transmitiram a infecção aos cachorros.

A transmissão de COVID-19 por meio de superfícies e em ambientes externos entre pessoas também foi documentada, mas são consideradas fontes raras de infecção.

Portanto, para que essa teoria seja verdadeira, você precisaria que duas coisas improváveis ​​acontecessem ao mesmo tempo: 1) cães infectados ao serem expostos a alguma fonte contaminada externa e, em seguida, transmitir a infecção ao dono, e 2) você precisaria que este evento acontecesse com muita frequência.

Uma outra teoria que eles apresentam é que pessoas que caminham com cães podem ser mais propensas a outros comportamentos que aumentam o risco de pegar COVID-19. Isso sim é mais provável, com certeza. Mas os dados não são necessariamente tão robustos quanto parecem.

O mais evidente é que metade dos casos documentados no estudo não foram confirmados por um teste real e, em vez disso, baseados no autodiagnóstico. Foi muito mais difícil conseguir um teste no início da pandemia, então isso não é culpa de ninguém. Contudo, torna os dados coletados ainda mais inconsistentes, bem como qualquer uma das conclusões que possam surgir deles.

A premissa do estudo não era pintar cães como bode expiatório para COVID-19, mas sim procurar padrões de comportamento que pudessem explicar o risco de infecção de uma pessoa. Essa é uma meta perfeitamente válida.

É possível que os cães tenham sido portadores silenciosos da pandemia todo esse tempo? Não há como afirmar com toda a certeza, pois nada pode ser descartado no mundo da ciência. Mas os pesquisadores geralmente aplicam um senso básico às coisas que descobrem, com base no que já sabemos.

Se os cães fossem a principal fonte de infecção, provavelmente haveria muitas evidências de outros estudos sugerindo isso, o que não existe. Então, por enquanto, é mais provável que esta pesquisa seja um acaso único do que uma razão concreta para manter seu cão de máscara o tempo todo (isso se ele contraiu COVID-19).

Além disso, mesmo neste estudo, passear com cães não era a atividade de maior risco associada à infecção. No topo da lista apareceu o compartilhamento de um mesmo espaço com alguém que já contraiu o vírus. Aqueles que viviam com uma pessoa diagnosticada com coronavírus tinham 60 vezes mais probabilidade de contrair a doença viral. Infelizmente, esse é um risco adicional que é apoiado por muitas evidências, e muito mais difícil de evitar do que simplesmente não passear com o cachorro.

Lembrando: se for levar seu cão para passear na rua, use máscara o tempo todo.

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