_Robôs

De onde vêm os robôs?

Os primeiros robôs nasceram no dia 25 de janeiro de 1921, o dia em que a peça R.U.R. de Karel Čapek estreou em Praga, mais de 80 anos antes da Skynet tornar-se senciente e declarar: “Eu acho que vocês estão todos acabados”.

Os primeiros robôs nasceram no dia 25 de janeiro de 1921, o dia em que a peça R.U.R. de Karel ?apek estreou em Praga, mais de 80 anos antes da Skynet tornar-se senciente e declarar: “Eu acho que vocês estão todos acabados”.

R.U.R. introduziu ao público o termo “robô” (da palavra tcheca “robota”, que significa trabalho ou servidão) e deu à humanidade o primeiro vislumbre de um mundo conquistado pelas máquinas.

Ironicamente, dado o assunto, ?apek sentiu-se traído pela sua própria criação. O autor francês Romain Rolland sentou-se junto a ?apek durante uma das primeiras exibições e lembrou-se de que ?apek ficava o tempo todo se desculpando pela má qualidade da peça e implorou para que ele não assistisse.

?apek não precisava se preocupar: críticos e teatreiros ficaram encantados. As exibições da peça – uma crítica levemente velada da tecnocracia e da cobiça capitalista – foram executadas em cidades por toda a Europa e nos Estados Unidos. Roman Dyboksi, um professor polonês de literatura que vivia em Londres, escreveu um artigo na revista Slavonic Review Essays de junho de 1923 que captou o ânimo do público:

Que algo trágico e irresistível está prestes a acontecer é a sensação que lhe arrebata de imediato quando, na cena de abertura de R.U.R., você vê a garota digitadora automática em sua labuta, com sua eficiência incomum e seu rosto branco inumanamente sem expressão; e quando você a ouve dizer para uma solidária garota humana, em tons iguais, que ela “parará de se mover” após eles a abrirem.

Os robôs em R.U.R. não eram seres mecânicos, mas sim criações biológicas mais semelhantes aos futuros “replicantes” de Blade Runner ou os Cylons de Battlestar Galactica. Os robôs de ?apek foram preparados em tonéis contendo protoplasma químico e então moldados por meio de “vasos de amassar” e “moinhos de estampagem”. O processo foi inventado por um personagem conhecido apenas por “Velho Rossum”, que era obcecado em superar Deus ao criar seres humanos artificiais. Mas o filho do inventor viu o potencial gerador de dinheiro dos robôs e criou uma versão mais simples para ser produzida em massa e vendeu como trabalhadores baratos. Assim nascia a empresa Rossum’s Universal Robots (R.U.R.).

Na peça, as coisas começam a piorar quando uma moça idealista, Helena, surge em cena. Ela é determinada em acabar com a exploração de seus irmãos de carne robótica e ludibria o engenheiro-chefe para que ele restaurasse a humanidade deles e desse a eles almas. Mas, assim que os robôs se tornam autoconscientes, eles entram em guerra para exterminar a raça humana inferior (isto é provado ser um objetivo não muito difícil, já que a fertilidade humana está em declínio – o ímpeto do mundo em prol da mecanização aparentemente tornou as pessoas supérfluas). O robô líder declara:

Nós daremos luz pela máquina. Nós construiremos mil mães movidas a vapor. Delas nós verteremos um rio de vida. Nada além de vida! Nada além de Robôs!

Calma lá, Megatron: Helena, percebendo o seu erro, destrói a receita para o processo de fabricação de robôs, o que irrita seus senhores mecanizados, já que eles possuem um prazo de vida de míseros 20 anos. Os robôs tentam fabricar novos robôs, mas conseguem apenas produzir “nacos sangrentos de carne”. Quando tudo parece perdido para os robôs e para a humanidade, dois robôs demonstram sentimentos humanos e se apaixonam. Eles cavalgam em direção ao pôr-do-sol como os novos Adão e Eva, fazendo com que o pública imaginasse: tudo isto já aconteceu antes, será que acontecerá novamente?

R.U.R. não era exatamente uma típica noitada no teatro, mas ela claramente acertou em cheio o público que havia acabado de testemunhar a destruição sem precedentes que a tecnologia havia trazido durante a Primeira Guerra Mundial. “O grande drama chegou”, declarou um crítico do LA Times; “uma das mais notáveis realizações do Teatro Copley”, disse o Boston Globe.

O poeta Carl Sandburg também era um grande fã. Após um colunista do New York Times escrever um artigo citando R.U.R. como um exemplo de propaganda antiamericana subversiva, Sandburg escreveu uma longa repreensão ao Times sobre as diferenças entre propaganda e alegoria. Ele concluiu com a observação:

Em seus diversos desenrolares, R.U.R. é significativa, importante, provocante, excêntrica, cômica, terrível e paradoxal. Ela possui afinidade com as mais fortes peças de Henrik Ibsen, que lutou muitos anos contra a visão de que seus dramas eram propagandísticos, sendo que ele mesmo pensava que seus enredos e personagens faziam apenas grandes e terríveis perguntas, deixando as respostas para aqueles que escolhem penetrar as profundezas das suas próprias mentes em busca delas.

Outra celebridade fanboy era H.G. Wells que, em 1927, escreveu uma resenha mordaz sobre Metropolis (o “filme mais besta” que ele já havia visto) e acusou o filme de completa carência de originalidade: “Os robôs de ?apek foram plagiados sem a menor cerimônia”.

R.U.R. passaria por diversos renascimentos subsequentes e cada geração via um novo significado na peça com base nos eventos atuais. Em 1923, Dyboksi viu a revolta dos robôs como uma reapresentação:

Daquela horripilante cena real que já havia sido encenada da mesma maneira repetidas vezes nas casas dos gerentes de fábricas nos Urais e em outras regiões industriais da Rússia apenas alguns anos antes. Lá, os autômatos revoltados eram homens trabalhadores bolcheviques russos de carne e sangue, humanizados de maneira imperfeita e malsucedida como os ‘Robôs’ da peça.

Nas décadas de 30 e 40, R.U.R. tornou-se um comentário sobre o fascismo. O New York Times observou em 1939, pouco após a morte de ?apek:

Se o finado Karel ?apek tivesse vivido um pouquinho mais, ele teria visto o primeiro ato da sua fantástica peça R.U.R. tornar-se horrivelmente verídico, e logo entre seus compatriotas….a Alemanha, ao tomar raça, o corpo e a alma tcheca, já começou a transformá-los em robôs….sua única função é trabalhar para o benefício do estado nazista e sem nem o direito à opinião sobre sua própria condição.

Uma reapresentação de 1942 da peça no teatro Ethel Barrymore imprimiu uma citação do presidente dos EUA Franklin Delano Roosevelt no seu programa:

Nós exultamos com a ideia de que são os homens e mulheres jovens e livres das Nações Unidas, e não os robôs enclausurados dos estados eslavos, que darão a forma do novo mundo.

A reapresentação possivelmente mais peculiar de todas foi uma produção de 1950 que foi executada a pedido do professor do MIT Norbert Wiener – o pesquisador pioneiro que criou o campo da cibernética. Wiener viu na peça uma oportunidade de dar uma aula sobre suas teorias e introduzir à mídia a sua criação robótica de caixa e rodas, “Palomilla”. Infelizmente, sua mensagem foi de certo modo apagada pelos tropeços dos jovens engenheiros do MIT transformados em atores. Como escreveu o Harvard Crimson:

R.U.R. sofreu das falhas padrão do teatro amador. Os cenários caíam no fundo e os atores erravam suas falas. O importante último ato foi omitido em nome da simplicidade….o Professor Wiener, como ?apek, pensou e escreveu sobre a influência das máquinas sobre a sociedade. Em seu prólogo, Wiener apontou que ?apek estava equivocado ao postular uma sociedade baseada em robôs universais, e que estávamos nos inclinando mais para máquinas especializadas que lealmente executam tarefas específicas.
Daí o professor se voltou para uma das alas do minúsculo palco, bateu palmas e comandou: “Eis Palomilla!”. Palomilla se esgueirou detrás de uma cortina, uma carreta de quatro rodas que obstinadamente acompanhava uma lanterna portada por um assistente de Wiener. Palomilla cometeu alguns erros; ela correu de volta para as cortinas uma vez e travava com frequência. Mas ela atuou pelo menos de forma decisiva e com muito mais velocidade que uma minhoca. Quando Palomilla saiu de cena, o professor Wiener observou que “este era um simples animal” e descreveu alguns dos descendentes mais modernos da Palomila. Depois ele se inclinou para o público e disse que já havia se passado o tempo em que poderíamos nos dar ao luxo de fazer máquinas com o intuito de fazer outras máquinas e que, para evitar a sociedade de R.U.R., nós precisaríamos nos preocupar com o valor moral das máquinas, decidindo se elas eram boas ou más. “O engenheiro deve tornar-se cada vez mais poeta”, disse o professor Wiener, e Palomilla apitou mais uma vez, solitariamente, detrás da sua cortina.

Nos anos que se seguiram desde então, a ideia de uma rebelião de robôs foi enredo de inúmeros filmes de ficção científica, em geral (na sua maioria) com valores de produção melhores. Mas, de todas as produções, eu creio que a visão de Ron Moore em Battlestar Galactica seja a mais reminiscente de R.U.R.: uma raça robótica escrava que evolui e se revolta, acreditando que a completa destruição da raça humana seja seu direito divino, ainda que fracassem em atingir a verdadeira humanidade por meio da sua incapacidade de reproduzir.

E as duas produções apresentam a ideia de seres humanos que ao final são destruídos não pelas suas criações, mas sim pelas suas falibilidades. Em uma cena de R.U.R., um cientista defende o sonho da fabricação de robôs, dizendo que o objetivo era libertar a raça humana do enfado do trabalho. Outro personagem responde:

O Velho Rossum só pensava em sua mágica ímpia e o jovem Rossum em seus bilhões. E este tampouco era o sonho dos seus acionistas da R.U.R. Eles sonhavam com os dividendos. E sobre estes dividendos, a humanidade perecerá.

Bill Adama não teria como dizer isto de uma maneira melhor. Bom, de fato ele o fez, durante seu discurso na cerimônia de descomissionamento da Battlestar Galactica:

Por que vale a pena salvar a nós como povo? Nós continuamos cometendo assassinatos por causa de cobiça e rancor, inveja, e ainda transmitiremos todos os nossos pecados para os nossos filhos. Nós nos recusamos a aceitar a responsabilidade por qualquer coisa que tenhamos feito, como fizemos com os Cylons. Nós decidimos brincar de Deus, de criar vida. E quando esta vida se voltou contra nós, nós nos confortamos com a ideia de que na verdade não era culpa nossa. Você não pode brincar de Deus e depois lavar as suas mãos das coisas que você criou. Mais cedo ou mais tarde chegará o dia quando você não mais poderá se esconder das coisas que você fez.

Perfeito. No entanto, e isto é passível de discussão, esta é apenas uma maneira extravagante de reafirmar a Ética Frankenstein: não brinque de Deus porque não estamos aptos para esta tarefa. Mas R.U.R. abrange outro tema, um que é único à produção em massa de robôs: a ética de criar uma raça servil. Sentado em um teatro escuro mais de 85 anos atrás, Roman Dyboksi foi compelido a refletir:

A peça nos faz ponderar sobre a verdade irritantemente repetida de tempos em tempos pelos cínicos, e nunca agradável de se ouvir, de que a alta cultura sempre se baseia em uma sólida fundação de escravidão humana.

De fato, é um truísmo que confrontamos ainda hoje. Independente de quantos iPods comprados em “comércio justo”, no fundo das nossas mentes há o fato desconfortável de que o nosso padrão de vida por muitas vezes depende da exploração de outros. Assim, com todo o respeito ao finado Professor Norbert Wiener, o verdadeiro problema não é a moralidade que dotamos as nossas máquinas, mas sim a moralidade que dotamos a nós mesmos. O cenário que Karl ?apek sonhou como uma alegoria está agora beirando cada vez mais a realidade. Se de fato formos bem-sucedidos na criação de uma inteligência artificial verdadeiramente senciente, será que enxergaremos tais seres como nossos iguais ou nossos escravos?

Mark Strauss é editor-chefe da revista Smithsonian.

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