Cientistas reacendem um debate de trinta anos sobre vidro por causa de um cálculo
Matemáticos são muito mais cheios de desentendimentos e debates do que você pode imaginar. São discussões sobre coisas que os físicos mais inteligentes do mundo têm dificuldade em entender e eles brigam por anos. Recentemente, uma dupla de matemáticos deflagrou uma velha discussão com uma série de novos resultados que, se corretos, têm grandes implicações em física e até cibersegurança.
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O estudante de pós-doutorado de física e matemática Sho Yaida e seu orientador Patrick Charbonneau publicaram uma nova pesquisa no Physical Review Letters mostrando que a estrutura do vidro em nível atômico pode ser ainda mais estranha do que imaginamos. Mas os cálculos podem ter importância em sistemas desordenados, estruturas que incluem, como uma pesquisa diz, “líquidos e vidros, grãos e espumas, galáxias, etc”. Quando Yaida disse a Charbonneau que ele queria trabalhar nesse problema, descobrir se algo chamado “quebra de simetria de réplica” acontecia em vidros com menos de seis dimensões, Charbonneau soube que estariam entrando em águas turbulentas.
“Nós estávamos andando para uma reunião juntos e estávamos falando, Sho disse ‘Eu acho que eu tenho uma ideia sobre como resolver esse problema que você não me falou para trabalhar”. Durante a reunião toda eu fiquei pensando se eu havia entendido errado”, Charbonneau disse ao Gizmodo. “Eu sabia que isso podia criar problemas. Eu não sabia até onde. Eu sabia da reputação do problema mas não conhecia as personalidades. Eu não sabia quem ia ficar feliz, quem seria convencido, e quem iria brigar”.
O problema lida com algo chamado quebra de simetria de réplica em vidro, que de acordo com Yaida é apenas “bem estabelecido em dimensões infinitas”.
“Mas nós temos apenas espaço tridimensional”, ele disse. “Por trinta anos as pessoas imaginaram como isso acontece em materiais de três dimensões”.
Vou assumir que vocês está familiarizado com o debate em volta da quebra de simetria de réplica em sistemas desordenados em menos de seis dimensões. Não? Ok, eu vou explicar.
O debate se desenrola em volta de contas complexas descrevendo o arranjamento de coisas (átomos por exemplo) que são aleatórios mas mantém uma memória de sua configuração inicial. Vidro é no que Charbonneau e Yaida estão especificamente interessados, é meio como um líquido super denso cujas estruturas atômicas aleatórias o mantêm em forma. A dupla queria saber como sua estrutura atômica muda sob influências como a quebra, pressão e temperatura.
Os dois simplificam esses tipos de problemas e abstraem absurdamente eles, olhando para eles de diversas dimensões diferentes. Os matemáticos não estão limitados por três dimensões espaciais (tecnicamente, nem os físicos) e abstrair esses problemas em mais dimensões pode torná-los aplicáveis para coisas não físicas, como algoritmos de computação.
Pesquisadores estudando esses sistemas desordenados de muitas dimensões há tempos têm se perguntado se essa quebra de simetria de réplica acontece abaixo de um número mágico de dimensões, seis. Essencialmente, com certas combinações de variáveis, vamos dizer temperatura e pressão, as partes individuais do sistema, vamos dizer os átomos no vidro, não teriam mais uma configuração mais provável, como geralmente é o caso quando um líquido congela até virar um sólido. Ao invés, o material poderia ter diversas configurações mais prováveis. Se a simetria de réplica quebra no vidro, então os átomos têm diferentes configurações em diferentes partes do vidro. É meio como parar de encher o porta-malas do carro com tijolos do mesmo tamanho e logo em seguida começar a enchê-lo de bagagem de tamanho estranho, existe apenas um arranjamento do primeiro exemplo, mas muitos possíveis para o segundo.
Se for difícil de entender é porque é incrivelmente complexo. Vários dos mais inteligentes físicos e matemáticos para os quais eu mandei o e-mail que trabalhavam em campos adjacentes disseram que não entenderam a matemática (eu também não, inclusive). Um apenas me disse que não estava familiarizado com o problema mas que Yaida é um bom físico.
De qualquer forma a pesquisa de Charbonneau e Yaida encontrou provas que essa quebra de simetria de réplica acontece no vidro do mundo real, aquele de três dimensões. E isso é importante já que pode afetar muitas propriedades dos vidros. Mas a descoberta é controversa. Outros começaram esse cálculo várias décadas atrás e concluíram que a quebra de simetria de réplica provavelmente não aconteceria. Yaia essencialmente revirou um algoritmo de 30 anos de idade e girou suas manivelas de novo, e seus resultados implicaram uma conclusão diferente. O professor emérito Michael Moore da Universidade de Manchester, que tem trabalhado no problema em outro sistema, disse aos dois que eles estavam completamente incorretos.
A controvérsia vem do fato que a solução de Charbonneau e Yaida para vidros normais deve também funcionar para outros sistemas de desordem, como vidros de spin. Vidros de spin não são vidros de verdade, mas metais cujos spin dos átomos (uma propriedade física inata que é igual ou a “cima” ou “baixo”) é todo desordenado. Os cálculos de Yaida e Charbonneau essencialmente diz que a quebra de simetria de réplica acontece em vidros de spin também.
Se isso for verdade, teria muitas implicações para vidros de spin. Vidros de spin são de verdade, mas não têm muitas aplicações úteis. Ao invés, a matemáticas que descrevem eles é incrivelmente útil. Existe um monte de conceitos em computação que podem usar a mesma matemática, incluindo redes neurais artificiais. Pode até ajudar a CIA ou o FBI a quebrarem criptografias. Essa matemática é muito importante.
Moore está dizendo que a matemática de Yaida não mostra conclusivamente que a quebra de simetria de réplica acontece em menos de seis dimensões. “Eu não acho que a pesquisa esteja errada. Ela é apenas muito especulativa”, ele disse ao Gizmodo. Ele e seus colaboradores fizeram um novo artigo sobre vidros de spin que está sendo revisado que ele acha que irá refutar o de Yaida e Charbonneau. “Eu não diria que o nosso é rigoroso também. Mas ele indica que é improvável que esse cenário esteja correto”.
Moore gostaria de ver a matemática ser remexida uma terceira vez, assim como provas mais rigorosos que não envolvem continuar a mexer tanto na matemática para chegar a aproximações melhores e melhores.
Outros pesquisadores têm diferentes sentimentos sobre a matemática de Yaida, mas o sentimento geral parece ser que é uma boa direção para levar o problema. “Eu acho que é mais do que especulativo”, M. Lisa Manning, professora associada da Universidade de Syracuse, disse ao Gizmodo. “Mas ainda existe algum espaço para as coisas mudarem. É o próximo passo correto na minha opinião para identificar a solução. Muitos de nós não esperava que um cálculo de dois ciclos”, ativaria a matemática mais uma vez e, “nos desse esse resultado”. O pesquisador Giorgio Parisi tem trabalhado nesse problema por um longo tempo e concordou com essa constatação. “É um primeiro passo nessa direção, mas precisamos olhar melhor nessa direção”.
Helmut Katzgraber, Professor na Texas A&M University, está trabalhando com Moore em sua pesquisa e tem o mesmo sentimento que seu coautor, que por vim, embora impressionantes, esses cálculos podem mudar drasticamente se forem trabalhados uma terceira vez. Ele acha que o problema tem sido trabalhado de mais. Mas ele mantém a ideia que não existe quebra de simetria de réplica em menos de seis dimensões.
Charbonneau achou que talvez Moore e Katzgraber eram tendenciosos, porque os vidros de spin são diferentes de vidros normais. Talvez a quebra de simetria aconteça de alguma forma que não foi observado ainda. Embora ele ache que a matemática de Yaida sejá bem conclusiva ao mostrar a presença da quebra na simetria, ele sabe que a história ainda não terminou.
“Quando nós mandamos esse trabalho nós pensamos em que tinhamos dado um passo importante”, ele disse. “Mas a discussão provavelmente vai durar alguns meses ou anos antes de um ritmo seguro de entendimento seja alcançado”.
Imagem do topo: Flickr/H.Adam