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O detector de matéria escura mais sensível já feito trouxe seus primeiros resultados

Eles não apresentaram matéria escura, mas o detector XENON1T funcionou da maneira como os físicos esperavam

Cerca de 85% da matéria que cientistas detectaram no universo vêm de algo que não conseguimos sentir ou ver. É, aparentemente, uma enorme quantidade de massa cuja gravidade dobra a luz de outras estrelas e faz as galáxias girarem estranhamente. E os cientistas querem, muito, muito saber o que essa tal matéria escura é.

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Mas como se detecta algo que não podemos ver ou sentir? Se a matéria escura é uma partícula minúscula, como tantas teorias preveem, então a solução são cubas gigantes de xenônio líquido, um elemento que, normalmente, é um gás em temperatura ambiente, enterrado fundo em poços de minas ou em montanhas. E a maior cuba em funcionamento, um experimento chamado XENON1T, enterrado embaixo de uma montanha em Gran Sasso, na Itália, acabou de lançar seus primeiros resultados. Ainda não há sinais de matéria escura, mas ainda não tem ninguém perdendo a esperança.

“Acho que o mais empolgante é o fato de que o detector funciona como esperamos”, contou Laura Baudis, professora do Instituto de Física da Universidade de Zurique, em entrevista ao Gizmodo.

Mas por que cubas de xenônio líquido? No momento, físicos têm razões convincentes para acreditar que a matéria escura deve ser um tipo de partícula que só interage muito fracamente com o núcleo de átomos de matérias normais. Eles esperam que essas partículas atinjam os núcleos de xenônio líquido, produzindo partículas de luz ou derrubando um elétron. O tempo entre o sinal de fóton inicial da colisão e outro sinal de fóton de um elétron liberado migrando para fora do experimento determina onde na câmara a matéria escura teria colidido. Tubos fotomultiplicadores amplificam o sinal e aparecem como um ponto acima de algum fundo em um gráfico.

O pessoal do XENON1T não está muito preocupado com a falta de detecção ainda — seus resultados, publicados nesta sexta-feira (19) no servidor de pré-impressão de física do arXiv, foram baseados apenas no equivalente a um mês de dados. Se você colocar um grande vaso em seu quintal e esperar um meteoro acertá-lo, você não diria que “meteoros não existem” só porque você não pegou um em um mês. Especialmente se, no caso da matéria escura, os meteoros passassem através do vaso e a única maneira de detectar que você havia pego um fosse por meio de um ponto de luz deixado em uma câmera.

Isso é basicamente o que esses tipos de experimentos físicos fazem. Uma vez que os cientistas tenham provado que não há matéria escura na massa detectável pela sensibilidade operacional do experimento (que normalmente leva alguns anos), eles vão para detectores mais sensíveis (leia-se maiores). Experimentos maiores aumentam as chances de, de fato, detectar-se algo, e isso significa mais xenônio.

“Toda vez que executamos nosso detector por mais tempo ou o aumentamos, estamos explorando mais do espaço de parâmetro”, disse Christopher Tunnell, do Kavli Institute for Cosmological Physics, da Universidade de Chicago, em entrevista ao Gizmodo. “Você consegue dizer se a matéria é isso ou aquilo.”

Você provavelmente está se perguntando: se esses detectores são tão sensíveis, como é que eles sabem que detectaram matéria escura e não outra coisa? Porta-voz do XENON1T da Universidade da Califórnia em San Diego, Kaixuan Ni me explicou que a radiação pode vir de qualquer canto e causar um sinal no detector. Portanto, o XENON1T está enterrado bem fundo no subsolo, para manter fora partículas dispersas do espaço. Os cientistas também descobrem com o que átomos naturais de elementos radioativos podem se parecer no detector, para que possam cortar quaisquer desses sinais durante a análise de dados. O XENON1T também é protegido por água, e seus mais recentes resultados só incluem dados do meio do detector, usando as camadas externas de xenônio como defesa adicional.

Essa é há muito tempo a maneira como os físicos têm lentamente descartado as possíveis propriedades que as partículas de matéria escura tenham tido. XENON1T significa XÉNON 1 tonelada, porque contém uma tonelada (bom, na verdade um pouco mais que três toneladas) de xenônio líquido. Costumava-se chamar de XENON100, e, antes disso, XENON10. Detectores concorrentes estão procurando por partículas de matéria escura de maneiras semelhantes —  o experimento Large Underground Xenon (LUX) finalizou sua busca por matéria escura sem uma partícula sequer para mostrar no verão passado e, atualmente, está se aprimorando para “LZ”. Tem também o PandaX (mais uma vez, uma cuba de xenônio) e outros que usam outro gás nobre, o argônio. Esses gases nobres são usados porque eles liberam luz e elétrons quando são esmagados, de acordo com um artigo na Symmetry Magazine.

O tanque d’água do XENON1T (Imagem: the XENON collaboration)

O pessoal do experimento LUX/LZ e outros de fora da comunidade da física têm prestado bastante atenção na concorrência. O XENON1T é o primeiro a sair na mais nova iteração desses experimentos. “Essa é a próxima geração deixando a infância, de certa forma”, disse Bob Jacobsen, físico da Universidade da Califórnia em Berkeley e que trabalha no LUX e no LZ, em entrevista ao Gizmodo. “Eles não estão apenas mostrando que os tubos fotomultiplicadores funcionam, mas, sim, fazendo física de verdade.” E, embora não fale em nome do LZ, Jacbson disse que a pressão está, definitivamente, acontecendo agora. “Todos estão focados em construir o próximo experimento. É difícil vencer alguém cujo detector é três, quatro vezes maior que o seu.”

Outros acharam que os novos resultados não são um salto tão grande. Kathryn Zurek, física teórica do Lawrence Berkeley National Laboratory, na Califórnia, me disse que os resultados do XENON1T superaram apenas por muito pouco os do LUX no ano passado, que descartaram partículas de matéria escura dentro de um certo alcance de massa. Ela apontou que esses detectores de matérias negras de baixa interação estão agora em “modo de produção”, trabalhando lentamente em busca de indícios de partículas.

Mas, como com os experimentos “concorrentes” ATLAS e CMS, no Grande Colisor de Hádrons, que descobriram em conjunto o bóson de Higgs, é importante ter uma verificação independente no caso de uma descoberta. “Precisamos de dois experimentos”, disse Ni. “Se o XENON1T descobre sinais de matéria escura, então o LZ pode confirmar isso.”

O detector XENON1T (Imagem: the XENON collaboration)

Conforme esses experimentos crescem, as pessoas estão começando a sentir a pressão do que pode acontecer se fracassarmos em descobrir matéria escura. “Não dá para fazer isso para sempre”, disse Tunnell. “Você se pergunta se talvez a matéria escura é diferente do que o que você espera que seja.” Em outras palavras, não uma partícula de interação fraca. Os cientistas ainda não estão nesse nível, disse Baudis, e eles estão trabalhando para construir o detector de matéria escura definitivo, chamado DARWIN. Mas uma vez que esses experimentos fiquem sensíveis o bastante que partículas minúsculas emanando do sol e do espaço sideral chamadas “neutrinos” comecem a aparecer no detector, talvez então seja a hora de jogar a toalha. “Se não tivermos visto nenhuma matéria escura até lá, então haveria neutrinos demais”, ela disse. Não é um atalho, disse Zurek, mas seria necessário muito mais xenônio para buscar uma simples interação de partícula de matéria escura em um mar de neutrinos.

“Então a pergunta que será feita após a construção do LZ será: vamos construir outra geração de experimentos?”, questionou Zurek. “Agora, estamos falando sobre quantidades de xenônio conseguindo ser uma fração não-trivial do fornecimento do mundo.”

Nesse caso, os cientistas precisariam caçar matéria escura de maneiras diferentes. Isso é algo que os cientistas já estão discutindo, segundo Zurek.

Mas ainda não estamos lá. As atuais cubas de xenônio estão caçando naquela “área boa” onde a matéria escura de fraca interação pode se comunicar com nossos experimentos via partículas que conhecemos e podemos detectar. Então, por enquanto, a busca continua. “Nós simplesmente não temos como saber até procurar”, disse Baudis.

Imagem do topo: Christopher Tunnell/the XENON collaboration

[arXiv]

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