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Como eu deixei a Disney rastrear cada movimento meu

Desde 2013, parque da empresa conta com pulseiras que te acompanham pelas atrações e tornam tudo mais conveniente

Em uma viagem recente ao Disney World, eu tive uma experiência incomum. Eu fui numa atração. Ela quebrou. Nós fomos evacuados, e, alguns minutos depois, eu tirei uma foto com o meu telefone. Era um barco vazio descendo a Splash Mountain, tirada no momento em que eu estava descendo a escada de emergência. Foi estranho.

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A tecnologia mudou a experiência Disney, e não necessariamente de uma forma ruim. Hoje em dia, você pode conseguir algo chamado MagicBand, uma pulseira com rádio que vai abrir o seu quarto de hotel nos resorts Disney, deixar você entrar nos parques, acelerar sua entrada nas atrações e até pagar pelo seu café da manhã na Gaston’s Tavern. Ela também está se comunicando com antenas escondidas através do parque para contar à Disney o que você está fazendo e onde você está indo.

Uma foto do meu passeio divertido na Splash Mountain

A Disney introduziu pela primeira vez a tecnologia em 2013 e recentemente a atualizou, mas eu encontrei pela primeira vez a pulseira nas minhas férias. Eu ainda não consegui parar de pensar nela. A própria noção de usar uma pulseira rastreadora me apavora (já é estranho o bastante você ter que fornecer suas digitais na entrada da Disney World, assim como outros parques temáticos, hoje em dia). Eu percebi que isso é algo para o qual eu me inscrevi — a Disney ainda permite que você entre no parque com entradas de papel e evite a MagicBand se você quiser —, mas eu cheguei ao parque sem a noção da extensão com que a Disney iria rastrear cada movimento meu. É meio como se inscrever no Facebook para entrar em contato com amigos distantes, apenas para perceber anos depois que a rede social está sugando sua atividade online para vender propaganda. Você concordou com essa transação. Mesmo assim, você provavelmente não entendeu todos os detalhes escondidos nas linhas pequenas.

Muitas lojas hoje em dia já rastreiam seus compradores usando antenas com sinais de rádio que se comunicam com os smartphones dos compradores através de aplicativos com permissão para serviços de localização. O Google Maps, por sua vez, identifica a sua localização sempre que você usa o serviço. Parques de diversão e navios de cruzeiro estão cada vez mais incorporando tecnologia vestível para facilitar a diversão e ficarem cientes das atividades dos hóspedes. Não é a mesma coisa que dizer que o rastreamento constante é divertido. É uma realidade terrível que nós temos dificuldade em compreender no mundo aqui fora. Dentro do jardim murado de um parque de diversões, no entanto, é algo que escolhemos.

Quando eu cheguei em casa de uma breve estadia no lugar mais mágico da Terra, eu entrei em contato com a Disney, assim como um notório hacker, para descobrir como exatamente o parque rastreia seus hóspedes.

Dissecando a MagicBand

Curioso sobre como a MagicBand funciona, eu fiz o que qualquer nerd responsável faria e a destrinchei com um estilete. O interior da pulseira é relativamente simples. Usando tecnologia RFID, as pulseiras cobertas de silicone, que parecem Fitbits mais robustas, enviam sinais de rádio. Dentro, existem duas antenas, uma para sinal de rádio de curta distância e uma para longa distância.

A antena de curta distância é a que entra em ação quando você coloca a sua MagicBand contra um ponto de ativação. Depois do toque, a pulseira apresenta um show de luzes, e LEDs giram em volta do logo do Mickey e ficam verdes. A antena de longo alcance é, por falta de um termo melhor, uma antena sempre ligada. Ela está mandando sinais para antenas para que a Disney possa coletar (de alguma forma de maneira anônima) dados sobre os visitantes do parque.

A minha Disney MagicBand (Imagem: Adam Clark Estes)

Eu não me lembro de assinar um documento que explicasse o rastreamento de longa distância da MagicBand, especificamente os rádios de longa distância que rastreiam cada movimento meu. Tem algum texto legal nos termos e condições do parque e uma parte obscura no FAQ da Disney sobre tecnologia que menciona que as pulseiras “dão informação que nos ajuda a melhorar a experiência geral dos nossos parques”.

A ideia faz muito sentido do lado dos negócios. A companhia ativamente recruta matemáticos para examinarem os padrões relacionados a tudo, de consumo de comida a agendas dos personagens fantasiados que vagam pelo parque. Se a Disney sabe onde os visitantes estão, a Disney pode ativamente dar mais recursos aos lugares onde eles se reúnem. Mas é um pouco desconcertante a Disney não me falar onde os rádios que detectam as pulseiras estão espalhados pelo parque. Mas eu sei que existem pelo menos alguns dentro da Magic Mountain.

“Para assegurar que as fotos estejam apropriadamente associadas com a conta de visitante correta, existem alguns pontos dentro da atração que leem a MagicBand”, o porta-voz da Disney me explicou. “Nesse caso, a sua MagicBand foi lida pelo sistema depois que você entrou no passeio, e, apesar de você ter sido evacuado, ainda assim uma foto foi tirada e associada à sua conta.”

Isso é assustador, mas, francamente, as MagicBands são muito convenientes. Você pode agendar quando vai usar seu FastPass para as atrações com semanas de antecedência à visita ao parque e então aparecer e colocar a pulseira no Touch Point e furar a fila. Você pode comprar bonecos de pelúcia do Mickey com um toque da MagicBand e um código PIN. Você pode ter seu retrato tirado na frente do castelo da Cinderela e então usar sua pulseira mágica para mandar a foto para o seu aplicativo MyMagic+.

Minha Disney MagicBand inclui meu nome (Imagem: Adam Clark Estes)

É claro, você não precisa baixar o aplicativo de smartphone da Disney se você estiver disposto a explorar o parque à maneira antiga. Desde que a Disney lançou a tecnologia em 2013, no entanto, as MagicBands se tornaram presentes em cerca de metade dos visitantes da Disney. Aqueles que estão em hotéis da Disney ganham uma MagicBand quando fazem o check-in. Sinceramente, eu achei que a MagicBand era a única forma de andar pelo parque antes de fazer uma pesquisa.

“Privacidade em mente”

A Disney atualizou a pulseira no ano passado com o lançamento da MagicBand 2. Um novo design permitiu aos visitantes remover um parafuso e remover o medalhão cheio de circuitos, que pode ser acoplado a um chaveiro. Eu até li que a Disney pensou em instalar o dispositivo naquelas tiaras de orelha do Mickey, o que é ao mesmo tempo desconcertante e engraçado. Eu quero comprar souvenirs para os meus filhos com um dispositivo de rastreamento acoplado? Alguém iria querer isso? Talvez alguns pais queiram isso. Eu vi algumas crianças com coleiras no parque.

“A MagicBand foi originalmente construída com privacidade em mente”, me contou o vice-presidente sênior MacPhee, sobre o dispositivo desenvolvido para rastrear cada movimento seu, depois de eu explicar minha surpresa na Splash Mountain. “Não existe conexão com você enquanto indivíduo.”

Eu tive problemas com essa resposta feita para as relações públicas. “Construído com privacidade em mente” quase soa como uma piada nessa era pós-Snowden. Operar em um mundo conectado onde tudo pode ser hackeado, afirmações vagas sobre privacidade raramente nos deixam tranquilos sem detalhes mais substanciosos.

Os executivos da Disney não puderam me apontar alguém que pudesse falar dos aspectos mais técnicos da MagicBand. Ou me dar mais informação sobre como exatamente eles estão protegendo a privacidade dos visitantes. Ou que tecnologia a Disney usa para tornar as informações pessoais dos visitantes anônimas através das ondas no ar.

Eu ainda não sei exatamente como e onde o Disney World rastreia eu e os milhões de outros visitantes que visitam o parque todo ano. O que eu sei é que as MagicBands podem ser hackeadas.

Hackeando a magia

Já que a Disney não me disse muito sobre como a pulseira funciona, eu fui até alguns hackers que podiam me dizer isso. Até onde eu sei, as pulseiras da disney não foram hackeadas em uma escala destrutiva. Quando a MagicBand começou a ser distribuída para os visitantes da Disney, no entanto, um hacker caseiro chamado Luke Berndt usou um Raspberry Pi e um pouco de código para entrar na MagicBand para poder fazer um monte de tarefas. Graças a outro hacker que conseguiu os arquivos FCC da tecnologia MagicBand, Berndt fez várias coisas divertidas, como fazer uma das pulseiras acender as luzes da sua casa. Ele também disse que o hack poderia permitir à MagicBand funcionar com pequenas fechaduras ou mandar comandos para serviços de internet.

“A pulseira tem dois rádios, um deles é um RFID padrão!”, Berndt disse em um post de blog, mostrando a antena de curto alcance. “Isso torna as coisas bem mais fáceis.”

O interior da minha Disney Magic Band (Imagem: Adam Clark Estes)

O segundo rádio de longa distância, na verdade, é o mais interessante do ponto de vista hacker. Por mais que Berndt tenha conseguido hackear o rádio de curto alcance para criar suas próprias funções para a MagicBand, como acender as luzes, a antena de longa distância é muito mais poderosa. Documentos no site da Federal Communication Commission (FCC) revelam que a antena de longa distância da MagicBand manda um sinal de 2.4 Ghz, parecido com o seu teclado ou mouse sem fio. Isso pode permitir ao dispositivo se comunicar com receptores a até 30 metros de distância. De acordo com o pesquisador de segurança e hacker Samy Kamkar, a tecnologia poderia ser usada para muito mais coisas.

“O chip que estão usando tecnicamente não é um Bluetooth Low Energy, mas está na mesma modulação de energia”, Kamkar me disse. “Ele é capaz de detectar alguns sinais de Bluetooth . Tecnicamente, é capaz de saber se você está usando uma Fitbit. Se ele está fazendo isso ou não, eu não faço ideia.”

Essa capacidade se aplicaria a qualquer dispositivo ativado por Bluetooth, Kamkar disse, como um smartphone ou Apple Watch. Mais uma vez, a Disney diz que criptografa e anonimiza todos os dados coletados através do sistema MagicBand, então você não deveria necessariamente se preocupar sobre ser espionado nos parques. As antenas de longo alcance tecnicamente poderiam rastrear você quando não estiver no parque, no entanto. Não que você tenha muito motivo para usar a pulseira fora do parque no momento.

“Por elas serem remotas, isso também significa que você pode colocar sensores fora da Disney. Podem existir sensores em lojas que correlacionam o fato de você ter visitado a loja”, disse Kamkar. “Se eu estivesse desenvolvendo esse dispositivo, esse provavelmente seria o próximo passo.”

Sempre observando

Agora que eu ao menos entendo o escopo da tecnologia da MagicBand, posso me sentir mais confortável em usá-la. Afinal de contas, era não saber nada que me assustava a princípio. A próxima vez que eu visitar um parque da Disney, eu ainda estarei usando a MagicBand, ciente do fato de ela estar mandando sinais com cada passo que eu dou.

Ainda assim, eu não diria que estou completamente à vontade. As respostas vagas da Disney, minha autópsia da MagicBand e os comentários de Kamkar conseguiram desmistificar algumas das funções da MagicBand para mim, mas ainda estou dividido. O que eu estou dando em troca da conveniência de usar essa pulseira cheia de luzes para entrar em passeios e experiências mágicas? É mais do que a informação que eu comprei três cachorros-quentes ou como eu gastei cinco minutos posando para fotos com um homem fantasiado de rato?

A Disney World supostamente é uma terra de fantasia, onde tudo vem sem esforço e o mundo de fora não importa. A Disney quer que você ache que essas MagicBands com acesso total funcionam como mágica, quando realmente o sistema é só um monte de fios, antenas, bases de dados e algoritmos. Conectar dispositivos como esses é o futuro, um futuro que requer que as pessoas sacrifiquem privacidade por conveniência. Eu penso sobre essa troca constantemente, cada vez que eu dou uma olhada no Facebook, uso o Gmail ou ofereço minha localização no Google Maps.

Nós já escolhemos viver sob certo grau de vigilância constante. Hoje em dia, quase tudo o que você faz online ou fora da internet envolve negócios coletando dados pessoais e os negociando para conseguir lucro. A Disney não é diferente. Se você tiver sorte, a coleta de dados pode também levar a uma experiência melhor e mais personalizada. Se você estiver sendo realista, você concorda em ser vigiado para aproveitar esse luxo.

A Disney não é exatamente especial nesse sentido. É o estado de vigilância mais mágico da Terra, no entanto.

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