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Este estranho DNA sintético de oito letras nos ajuda a imaginar possíveis formas de vida extraterrestres

O DNA convencional é composto dos pares de bases A, C, G e T habituais, mas um sistema genético recém-criado vem com oito, dobrando o número comum

Escola de Medicina da Universidade de Indiana

O DNA convencional é composto dos pares de bases A, C, G e T habituais, mas um sistema genético recém-criado vem com oito, dobrando assim o número de letras normalmente encontradas em moléculas autorreplicativas. Curiosamente, o novo sistema, apelidado de “hachimoji”, poderia ser parecido com os blocos construtores da vida extraterrestre.

Uma nova pesquisa publicada recentemente na revista Science traz a descrição em detalhes do hachimoji, que significa “oito letras” em japonês. Além dos quatro pares de bases convencionais, esse sistema genético tem quatro blocos construtores extras, drasticamente aumentando a densidade da informação em comparação com o DNA regular. Os cientistas por trás do trabalho, liderados por Steven Benner, da Fundação para a Evolução Molecular Aplicada em Alachua, na Flórida, disseram que o novo sistema pode ser robusto o suficiente para sustentar a vida, ou seja, para dar suporte aos processos necessários para a autorreplicação darwiniana.

GIF: Escola de Medicina da Universidade de Indiana/Gizmodo

Só para deixar claro, o hachimoji não é um organismo independente e autossustentável. Pelo contrário, ele é um modelo de uma estrutura genética alternativa necessária para sustentar vida autorreplicativa. Na Terra, o RNA e o DNA desempenham essa função exclusivamente, mas isso não quer dizer que outras variações não existam em outras partes do cosmos. De fato, não resta dúvidas de que os astrobiólogos estarão interessados nessa pesquisa, pois ela demonstra outro mecanismo possível do qual a vida poderia surgir, evoluir e se complexificar.

Os autores do estudo não estão alegando que os hachimojis existem em outros lugares do Universo, mas “podemos imaginar processos paralelos”, disse Andrew Ellington, coautor do novo estudo e biólogo sintético da Universidade do Texas em Austin, em um comunicado. Benner então acrescentou: “Ao analisar cuidadosamente os papéis de forma, tamanho e estrutura no DNA hachimoji, este trabalho expande nossa compreensão dos tipos de moléculas que podem armazenar informações em vida extraterrestre em mundos alienígenas.”

Em RNA e DNA normais, combinações de quatro pares de bases permitem o armazenamento e transmissão de informação genética. Esses quatro blocos de construção de DNA, ou nucleotídeos, consistem em adenina, citosina, guanina e timina, ou mais simplesmente A, C, G e T. No RNA, o T é substituído por U, que é uracila. As bases codificam para aminoácidos, os blocos construtores fundamentais das proteínas.

Pesquisas anteriores conseguiram criar DNA sintético com quatro letras alternativas no total e um sistema com dois pares de bases adicionais, para um total de seis, mas esta é a primeira vez que os cientistas vão até oito.

As quatro novas letras, P, B, Z e S, aproximaram as estruturas e a funcionalidade do DNA comum, segundo o novo estudo; P e B são purínicos em funcionamento, e Z e S são pirimidínicos em funcionamento.

Nos testes, o sistema genético se mostrou capaz de armazenar e transferir informações, imitando efetivamente o comportamento molecular do DNA normal de quatro letras. É importante ressaltar que os hachimojis também atenderam às exigências de Schrödinger, que define um sistema darwiniano de evolução molecular (e, sim, esse é o mesmo Erwin Schrödinger cujo gato quântico hipotético estava vivo e morto). Schrödinger descreveu quatro requisitos da evolução: armazenamento de informações, transmissão, integridade estrutural e uma forma ou estrutura física discernível, porém maleável.

“O DNA de hachimoji pode fazer tudo o que o DNA faz para sustentar a vida”, apontou um comunicado de imprensa emitido pela Fundação para a Evolução Molecular Aplicada. “Ele forma pares de forma previsível, e regras predizem sua estabilidade. O DNA de hachimoji pode ser copiado para fazer RNA de hachimoji, capaz de direcionar a síntese de proteínas. O RNA de hachimoji pode ter um fenótipo selecionável (estrutura física), neste experimento um brilho verde-fluorescente.”

Lori Glaze, diretora interina da Divisão de Ciências Planetárias da NASA, ficou animada com a pesquisa, dizendo: “A detecção da vida é um objetivo cada vez mais importante das missões científicas planetárias da NASA, e este novo trabalho nos ajudará a desenvolver instrumentos e experimentos eficazes que expandirão o escopo do que procuramos”, de acordo com um comunicado de imprensa da agência.

“A pesquisa é significativa porque o DNA sempre foi considerado único. Por exemplo, o DNA é o único material para o qual temos a capacidade de projetar sequências com estabilidade previsível”, disse ao Gizmodo Floyd Romesberg, geneticista do Scripps Institute e coautor do estudo envolvendo o DNA sintético com seis pares de bases. “E o que Steve (Benner) mostrou é que suas novas quatro letras também satisfazem todos os aspectos dessa estabilidade previsível. Embora tenha havido indícios de que outras coisas além das quatro letras naturais do DNA possam ter essa propriedade, esse trabalho, pela primeira vez, demonstra isso verdadeiramente.”

Romesberg, que não esteve envolvido com o novo estudo, disse que uma aplicação importante de um alfabeto de oito letras é controlar a associação molecular, ou seja, a capacidade de programar a configuração dos nucleotídeos. Um alfabeto de oito letras, disse ele, é inerentemente mais específico do que um alfabeto de quatro letras.

“Mas isso é inútil se a estabilidade do alfabeto de oito letras não for previsível ou programável”, disse Romesberg. “Como Steve mostrou isso, isso abre todos os tipos de novas aplicações, que eu tenho certeza que seu laboratório e outros em breve desenvolverão.”

De fato, o novo estudo, além de suas implicações astrobiológicas, poderia ter um impacto no mundo real também. Os autores dizem que suas descobertas podem resultar em melhores equipamentos de diagnóstico, de monitoramento ambiental (como a detecção de vírus perigosos), alternativas ao armazenamento de informações, proteínas com aminoácidos adicionais e novos medicamentos inovadores.

[Science]

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