As drogas inteligentes funcionam?

Existe todo um mercado de drogas que prometem aumentar o desempenho e a cognição. O quanto disso é verdade? Consultamos especialistas para saber.
LIgações neurais de um cérebro. Ilustração por Angelica Alzona/Gizmodo
Ilustração por Angelica Alzona/Gizmodo

Se você deseja fazer seu cérebro funcionar melhor, você tem muitas opções. Você pode começar a dormir melhor, investir em um espremedor de suco, passar um tempo em uma academia decente. Ou, se você estiver com pressa, pode tomar um monte de pílulas.

A anfetamina vem ligando as pessoas há anos, assim como a ritalina e medicamentos mais novos, cada qual com seu próprio conjunto especial de efeitos colaterais. Todos esses medicamentos precisam de receita médica, o que limita um pouco o acesso a eles. Mas, nos últimos anos, alimentada pelo fervor de comunidades online obcecadas por auto aperfeiçoamento e por um mundo econômico que incentiva um cérebro em atenção permanente, toda uma nova classe de nootrópicos tem chamado mais a atenção: alguns desses nootrópicos, como a classe de drogas conhecida como racetams, podem ser comprados sem receita.

A questão que paira sobre todos esses medicamentos – com ou sem receita – é: eles realmente funcionam? E se eles funcionam, para que (e para quem) eles funcionam? Para o Giz Pergunta desta semana, contatamos vários especialistas para descobrir.

Nicole Vincent

Professora Sênior em Inovação Transdisciplinar na Universidade de Tecnologia de Sydney e Bolsista Honorária de Filosofia na Universidade Macquarie.

As drogas inteligentes funcionam, e muitas pessoas as usam. Não quero dizer aquelas que você compra em uma loja online que afirma estar sediada no Vale do Silício, com nomes notáveis como Startup HD ou Turbo Snort. Não desperdice seu dinheiro. Esqueça as falsas “pilhas nootrópicas” ou outras que usam palavras como “nootrópica”, “aprimoramento cognitivo”, “droga inteligente” e assim por diante. Há pouca ou nenhuma evidência de que algum desses produtos funcione. São esquemas de ganhar dinheiro. Nenhum estudo científico sólido e replicável suporta suas alegações.

Quando digo que as drogas inteligentes funcionam, estou falando sobre substâncias como: modafinil, metilfenidato, dextroanfetamina e pseudoefedrina (um pouco menos comum), assim como paracetamol, codeína e vários outros medicamentos que normalmente se pense como tratamentos para doenças e distúrbios.

Mas há uma coisa extremamente importante que precisamos lembrar: não há medicação que, quando tomada, o torne inteligente. O que os chamados “medicamentos inteligentes” fazem é permitir que as pessoas façam coisas. Grosso modo, drogas inteligentes são substâncias que, quando usadas, nos permitem fazer coisas valiosas que, de outra forma, não poderíamos fazer.

Em particular, o que as pessoas parecem mais interessadas, quando falam de drogas inteligentes, são coisas como a capacidade de permanecer acordado e focado por mais tempo, ou de trabalhar com mais rapidez e eficiência. Quando a capacidade de fazer essas coisas é vista como um marcador de inteligência – ou quando o uso dessa habilidade leva à aquisição de coisas ou qualidades que são vistas como marcadores de inteligência -, chamamos esses medicamentos de “drogas inteligentes”.

Entre os mais comuns estão os estimulantes usados ​​no SNC (sistema nervoso central) são metilfenidato (também conhecido como Ritalina), dextroanfetamina (que, combinada com levoanfetamina, usa o nome de marca Adderall), lisdexamfetamina (também conhecido como Vyvanse) e modafinil (também conhecido como Provigil, embora os genéricos sejam Modalert, Modavigil, Alertec e outros). Todos esses estimulantes do SNC podem realmente ser classificados como drogas inteligentes. Eles trabalham, no sentido de que podem permitir que as pessoas façam algumas das coisas descritas acima. Mas fazer essas coisas vale a pena?

Na década em que trabalhei no tópico de aprimoramento cognitivo, houve um aumento muito proeminente do interesse do público pelo conhecimento e uso de drogas inteligentes. Estamos em um ponto da história humana em que raramente estamos desconectados de outras pessoas e, portanto, de suas demandas em nosso tempo. E o fato de muitos de nós poderem trabalhar de qualquer lugar, a qualquer hora que quisermos, significa que acabamos trabalhando em qualquer lugar, o tempo todo. Todos competimos por empregos e/ou contratos e/ou bolsas de estudo e/ou pós-graduação na faculdade, não apenas com outras pessoas em nossa área com habilidades semelhantes, mas potencialmente com todos em todo o planeta em busca de oportunidades semelhantes.

Nesse novo contexto, quem não poderia se beneficiar dos efeitos das drogas inteligentes? Só podemos esperar que essa tendência aumente o interesse e o uso de medicamentos estimulantes do SNC (Sistema Nervoso Central). Afinal, seja pela escassez natural ou pelo fato de os estados modernos operarem como economias de mercado capitalistas, todos vivemos em sociedades competitivas interconectadas e, portanto, provavelmente todos podemos nos beneficiar de ter uma vantagem sobre os outros. Além disso, sabemos que pelo menos alguns de nossos colegas e concorrentes em potencial estão usando esses medicamentos para obter uma vantagem.

Essa é a dura realidade de como um grupo específico de medicamentos passou a ser conhecido como “drogas inteligentes”. Porque as sociedades meritocráticas (ou, se preferir, competitivas) transformaram nossos corpos, cérebros e as preciosas horas de nossas vidas em armas. Precisamos de mais tempo no dia para estar disponível para o trabalho, e precisamos ter a capacidade de fazer melhor uso do pouco e precioso tempo que temos, se quisermos permanecer competitivos e sobreviver. Vou deixar que você decida se isso realmente significa que elas devem ser consideradas drogas inteligentes.

Meu segundo argumento é que, se você concorda que o que faz de algo uma verdadeira droga inteligente é ela permitir que você faça o tipo de coisa que mencionei acima – por exemplo, ficar acordado por mais tempo, permanecer alerta, aproveitar seu trabalho ignorando as distrações, memorizar e se lembrar melhor das coisas – honestamente, não entendo por que uma série de outros medicamentos e não medicamentos também não estão nesta lista.

Todos nós somos usuários habituais de drogas inteligentes que não percebemos o que estão diante de nossos narizes e passamos nosso tempo procurando algo mais novo, de preferência com as palavras “nootrópicos” ou “Aprimorador cognitivo” ou “drogas inteligentes” estampadas na embalagem. No entanto, esses não são os medicamentos que você está procurando. Se diz “nootrópico” no pacote, provavelmente é um esquema de ganhar dinheiro. Os que você deseja, provavelmente você já está usando, e eu suspeito que muito (cafeína, por exemplo). Os que você ainda não está usando, no entanto, porque são ilegais de conseguir sem receita médica, ou porque têm um efeito colateral médico assustador, são outra questão.

Se você acha que pode ter TDAH (déficit de atenção), gaste algum tempo aprendendo sobre a condição, seus sintomas, tratamentos em potencial e seus potenciais efeitos colaterais.

Em seguida, consulte o melhor psiquiatra que você pode encontrar e, juntamente com ele, descubra se você realmente tem uma condição chamada TDAH e, portanto, se você realmente se beneficia do tratamento com medicamentos controlados. Você pode, é claro, descobrir que realmente já está funcionando no seu auge e que não se beneficiaria desses remédios.

Como alternativa, você pode descobrir que, se você tratar seu ambiente (por exemplo, seu local de trabalho ou escola) como uma constante, nesse ambiente você parecerá disfuncional e, para se ajustar a esse ambiente, precisará de um diagnóstico de TDAH e de uma receita médica para esses medicamentos. A questão em aberto para mim, no entanto, é se você precisa ficar em ambientes que exigem que você se drogue para funcionar dentro deles.

“Esqueça as falsas ‘pilhas nootrópicas’, ou outras que usam com palavras como ‘nootrópico’, ‘aprimoramento cognitivo’, ‘droga inteligente’ e assim por diante. Há pouca ou nenhuma evidência de que algum desses produtos funcione. São esquemas de ganhar dinheiro. Não há estudos científicos replicados e sólidos que sustentem suas alegações. ”

Veljko Dubljevic

Professor Assistente de Filosofia e Estudos Religiosos, Universidade Estadual da Carolina do Norte e autor de Neuroethics, Justice and Autonomy: Public Reason in the Cognitive Enhancement Debate

Drogas como metilfenidato (Ritalina), modafinil (Provigil) e anfetamina (Adderall) funcionam, no sentido de serem tratamentos aprovados pela FDA (órgão dos EUA análogo à Anvisa) que ajudam populações específicas.

Mas se elas funcionam para pessoas que estão totalmente descansadas e que querem um impulso no seu trabalho ou nas notas das provas – certamente não é o caso.

O modafinil, por exemplo – que os militares começaram a prescrever aos pilotos em vez de anfetamina, que pode ser perigosamente viciante – funciona para o objetivo a que se destina. Os pilotos, que podem ter missões com duração de 30 horas, são mantidos acordados com sucesso. Quem está cansado e toma um comprimido de modafinil poderá trabalhar mais, com menos erros e menos efeitos de fadiga. Mais trabalho é feito, certamente. Mas o modafinil não tornou ninguém mais inteligente, nem melhorou o desempenho de base de ninguém.

A anfetamina é aprovada para o tratamento do TDAH e, desde os anos 90, substituiu o metilfenidato como o principal medicamento prescrito para esse distúrbio. Acredito que essa mudança tenha sido motivada pela sensação subjetiva de ser melhor em fazer algo que a anfetamina gera, assim como por suas propriedades viciantes. Eu acho que temos uma epidemia que está na sombra da epidemia de opióides – especificamente, as populações de estudantes são cada vez mais viciadas em estimulantes. Embora eles possam ajudar um aluno a fazer uma prova, o uso a longo prazo pode ser uma péssima idéia e, na verdade, reduzirá a eficácia. E há um risco profundo de dependência.

Quanto aos nootrópicos vendidos sem receita, é muito difícil generalizar. A questão é que a maioria deles são suplementos, o que significa que a FDA não está regulando eles, pois a FDA perdeu essa batalha nos anos 90. Isso significa que é difícil dizer se algum suplemento está fazendo alguma coisa, porque o que está escrito no rótulo pode não estar realmente lá. Não sabemos se eles estão realmente funcionando de alguma forma. O termo “nootrópico” implica que eles estão melhorando o desempenho padrão, mas duvido muito disso. Eles podem ajudar na manutenção, como café. Mais uma vez, o uso a longo prazo pode levar à tolerância e a uma situação em que você precisa que a substância atue na linha padrão.

“A questão é que a maioria deles são suplementos, o que significa que o FDA não os está regulamentando … Não sabemos se eles estão realmente funcionando de alguma forma.”

Pieter Cohen

Professor Associado de Medicina, Cambridge Health Alliance

É importante entender que existem duas rotas pelas quais os medicamentos aparecem no mercado dos EUA. Um caminho é depois que os estudos clínicos comprovaram sua eficácia e segurança, seguidos pela aprovação da FDA. A segunda rota é diretamente para os consumidores através de suplementos, sem necessidade de testes em humanos. Quando os medicamentos são vendidos diretamente aos consumidores como suplementos, as quantidades no rótulo são geralmente imprecisas. Pior ainda, não há necessidade de realizar estudos em humanos para demonstrar que o medicamento funciona ou é seguro antes de estar disponível para venda. Isso deixa o consumidor à mercê da empresa de suplementos.

O que descobrimos em nossa pesquisa é que os suplementos para melhorar o cérebro podem conter medicamentos ativos em doses imprevisíveis. Não há como garantir que o suplemento contenha o que está listado no rótulo nem que seja seguro consumir; portanto, recomendo evitar todos os suplementos de aprimoramento cerebral até termos certeza de que os frascos contêm apenas o que está listado no rótulo e haja alguma evidência de sua segurança.

“…os suplementos para melhorar o cérebro podem conter medicamentos ativos em doses imprevisíveis. Não há como garantir que o suplemento contenha o que está listado no rótulo”.

Barry Gordon

Professor de Neurociência Cognitiva Terapêutica, Professor de Neurologia e Ciência Cognitiva da Universidade Johns Hopkins e Escola de Medicina e Editor-Chefe da Cognitive and Behavioral Neurology

Se por “inteligente” se entende um aumento real da vigilância e/ou inteligência, os chamados nootrópicos de venda livre nunca foram comprovadamente confiáveis ​​para o trabalho, nem é muito plausível que eles realmente funcionem.

Ser “inteligente” é o resultado de muitas funções mentais finamente sincronizadas, orquestradas de maneiras diferentes para enfrentar diferentes desafios mentais.

E mesmo funções mentais relativamente elementares não tem uma correspondência direta com os mecanismos cerebrais que podem ser responsáveis ​​por eles. (Na medida em que tais correspondências sejam um pouco conhecidas ou suspeitas). Portanto, mesmo que fosse possível ajustar um mecanismo cerebral específico, o sistema geral pode não funcionar melhor e sim de maneira pior. Imagine como uma analogia grosseira tentar acelerar a CPU em um computador, sem aumentar a velocidade do acesso à memória.

“Ser ‘inteligente’ é o resultado de muitas funções mentais finamente sincronizadas, orquestradas de maneiras diferentes para enfrentar diferentes desafios mentais”.

Amy Arnsten

Professora de Neurociência e Psicologia da Universidade de Yale

É muito difícil realmente aprimorar a cognição. O funcionamento cognitivo requer um padrão intrincado e preciso de atividade neural, geralmente envolvendo o córtex pré-frontal recentemente desenvolvido.

É um desafio melhorar esse processo e fácil estragar tudo. Medicamentos sem receita, como o Prevagen, são basicamente um truque para ganhar dinheiro.

Compostos como Adderall e Ritalina podem realmente ajudar a melhorar a função pré-frontal em muitas pessoas, se a dose for correta. Esses medicamentos aumentam a liberação de dopamina e noradrenalina no córtex pré-frontal, que são essenciais para a função pré-frontal. O mesmo pode ser dito da cafeína, que leva ao aumento da acetilcolina, um neuromodulador que também é necessário para a função pré-frontal. Mas muita cafeína ou estimulante na verdade piora a função – o córtex pré-frontal precisa da quantidade certa de dopamina, noradrenalina e acetilcolina – em excesso apenas prejudica.

“Muita cafeína ou estimulante na verdade piora a função – o córtex pré-frontal precisa da quantidade certa de dopamina, noradrenalina e acetilcolina – em excesso apenas prejudica”.

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