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A bolha estourou: Justiça bloqueia TelexFree, e participantes do esquema entram em desespero

O Ministério da Justiça abriu hoje um processo administrativo contra a TelexFree, por indícios de formação de pirâmide financeira. A empresa está impedida de vender seus produtos ou cadastrar novos divulgadores desde o dia 18. O Ministério Público do Acre entrou com uma medida cautelar e o pedido foi deferido pela Justiça. A suspeita, de […]

O Ministério da Justiça abriu hoje um processo administrativo contra a TelexFree, por indícios de formação de pirâmide financeira. A empresa está impedida de vender seus produtos ou cadastrar novos divulgadores desde o dia 18. O Ministério Público do Acre entrou com uma medida cautelar e o pedido foi deferido pela Justiça. A suspeita, de acordo com o MP/AC, é de que o sistema não deverá se sustentar por muito tempo. Segundo o órgão, um divulgador disse que já são 70 mil pessoas na rede, o que pode significar que ela não terá mais para onde crescer daqui a alguns meses. E, segundo diversas pessoas que ouvimos nos últimos dias, o cenário é desolador para quem investiu muito na empresa.

“O divulgador que possui a maior rede da Telexfree no Acre revelou ao MP/AC que, no Estado, deve haver cerca de 70 mil pessoas cadastradas. Na hipótese de cada pessoa cadastrada ter aderido ao menor plano (10 contas VoIP), serão 700 mil contas para serem vendidas no Acre. Segundo o IBGE, em 2012, o Acre possuía 758,78 mil habitantes.”

Ou seja, pelo menos 10% do estado do Acre está envolvido no TelexFree. E isso não é nada bom. Nosso leitor Joab Lima, que mora lá, confirma que a rede está disseminada no estado. Ele diz que há cidades em que lojistas estão passando por dificuldades porque muita gente deixou de gastar no comércio local para investir em TelexFree. Além disso, muitos recorrem a financiamentos, inclusive linhas de crédito destinadas a agropecuária, para entrar na empresa. Nós últimos dias, o G1 reportou até mesmo protestos em defesa da empresa, não só no Acre, mas também em Vitória (ES). Entre os manifestantes, histórias de pessoas que venderam o carro ou saíram do emprego, tudo para entrar de cabeça na TelexFree. Algumas bem tristes, inclusive.

Outro vendedor, que entrou na TelexFree em janeiro, relatou ao Gizmodo Brasil que os saques foram bloqueados no começo de junho, ainda antes da liminar. A empresa alegou para os divulgadores que precisava fazer uma adequação fiscal a pedido da Receita Federal. A única forma de conseguir dinheiro era vendendo ou transferindo os créditos do sistema (em dólar) para terceiros.

As primeiras desconfianças sobre a TelexFree começaram a repercutir no início do ano, quando vários ministérios públicos estaduais passaram a investigar a empresa. A empresa vende um produto, o 99TelexFree, serviço de VoIP, mas o faz através de redes de divulgadores, que também recebem uma quantia semanal por postar anúncios em sites. Os revendedores ganham várias as bonificações por chamar novos participantes para sua rede, principal atrativo do suposta estratégia de marketing multinível. Os benefícios são tantos que o VoIP acaba relegado a segundo plano – mesmo nas apresentações da própria TelexFree.

VoIP é o de menos

A jornalista Manuela Barem, editora do site YouPix (e antiga editora do blog Jezebel, um produto da F451, que publica o Gizmodo no Brasil) participou de uma das reuniões de apresentação da TelexFree em Campo Grande (MS). Ela conta que, na hora de falar sobre VoIP, o apresentador gasta menos de cinco minutos. O resto da apresentação de mais de meia hora é dedicado a explicar todas as vantagens de criar uma rede de divulgadores. Ou tentar explicar. “É tanta coisa que nem eu entendo direito. Tem que saber muita Matemática, né?”, diz o apresentador.

Mas ele fez questão de deixar claro que é muito dinheiro, inclusive contando bolos de notas na frente de todos os presentes e dizendo que um colega seu da plateia tinha ganhado R$ 100 mil. O tom de felicidade e encanto só muda quando o apresentador, usando um terno de mangas largas, fala de recrutadores que não conseguem trazer mais gente para a empresa. Para trabalhar com TelexFree, tem que ser bom vendedor. “Vamos supor que você colocou dois caras. Se alguém desistir, tem uma falha no sistema.” E a TelexFree definitivamente não gosta de falhas em seu sistema.

Mas e os anúncios? É uma forma de trabalho, não? O problema é que isso não faz muito sentido. “Você pagaria para alguém divulgar um produto seu em um local em que ninguém ia ver?”, questiona outro vendedor com experiência em marketing multinível, entrevistado pelo Gizmodo Brasil, e que prefere não ter seu nome revelado. Os sites em que estes anúncios são feitos são da própria TelexFree, de acordo com outro vendedor, muitos deles automáticos, como o TelexFast ou o ADfast.

As linhas VoIP também não são um grande atrativo: ele diz que nem os próprios divulgadores utilizam o sistema. “Os únicos que têm necessidade de ter esses pacotes [de VoIP] são os próprios divulgadores, e muitos deles não utilizam. O serviço funciona, mas tem qualidade péssima e é pouco prático. Os divulgadores são obrigados a adquirir pacotes VoIPs para poder crescer sua rede e receber bonificações.”

O marketing que não se sustenta

O que sobra, portanto, é o marketing multinível (MMN). E aqui também há vários problemas. Em entrevista ao Gizmodo Brasil, Roberta Kuruzu, diretora executiva da Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas (ABEVD), vai direto ao ponto: “A confusão entre multinível e pirâmide existe porque fraudes se transvestem de atividades legais.” Ela explica a diferença entre as duas coisas: “Não existe empresa de multinível. O que existe é empresa de venda direta que dá a opção de formar uma rede de vendedores e ganhar a mais com isso.”

Segundo Roberta, o foco de um MMN sério é sempre o produto e nunca o recrutamento de mais pessoas para a rede. O vendedor ganha dinheiro pelos lucros obtidos com os produtos que ele consegue com desconto ou com uma comissão do serviço vendido. Os ganhos com a rede são um extra; o grosso mesmo vem das vendas. O próprio código de ética da ABEVD, já que não existe uma legislação específica no Brasil para marketing multinível, determina que o valor da adesão para se tornar um vendedor não pode ser muito alto e tem que ser devolvido em caso de desistência.

A única semelhança entre o marketing multinível e uma fraude, de acordo com a diretora, é a formação de uma rede. De resto, é tudo diferente: um MMN de verdade tem produtos ou serviços competitivos ou pelo menos que possam ter interesse de algum nicho do mercado. Você mesmo deve conhecer empresas que vendem seus produtos dessa forma. Nesses casos, é o lucro das vendas que vai fazer você ganhar dinheiro, não o recrutamento de mais pessoas. Já uma fraude vai prometer enriquecimento fácil e tentar fazer com que você esqueça que há (ou deveria haver) um produto ou serviço a ser vendido.

Portanto, se a empresa fala pouco do produto e muito da rede e do dinheiro que você vai ganhar com ela, desconfie. O caso TelexFree é exemplar. Por que alguém compraria um VoIP caríssimo e de péssima qualidade? Por que alguém pagaria caro por anúncios em sites sem visitação? Se o produto não tem chance alguma de competir no mercado, de onde vem o dinheiro que banca as bonificações e luxos dos divulgadores? Se você olhar bem, essa conta não fecha. Ou melhor, só fecha se entrar mais gente.

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