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Após multa de R$ 38,2 milhões, Ecad é obrigado a mudar forma como arrecada direitos autorais

Você deve se lembrar do Ecad: aquele órgão que arrecada direitos autorais de músicos, que tentou cobrar blogs por colocarem vídeos do YouTube em seus posts, e que esteve envolvido em várias suspeitas de irregularidades e em duas CPIs. Desta vez, o Ecad e as seis associações de músicos que o integram foram condenados pelo […]

Você deve se lembrar do Ecad: aquele órgão que arrecada direitos autorais de músicos, que tentou cobrar blogs por colocarem vídeos do YouTube em seus posts, e que esteve envolvido em várias suspeitas de irregularidades e em duas CPIs.

Desta vez, o Ecad e as seis associações de músicos que o integram foram condenados pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), órgão que monitora abusos de poder econômico: eles terão que pagar um total de R$ 38,2 milhões por formação de cartel.

Por lei, o Ecad detém o monopólio em arrecadar direitos autorais. O problema é que o órgão não é fiscalizado, e as associações que formam o Ecad não concorrem entre si. O conselheiro relator do caso, Elvino Carvalho de Mendonça, diz: “Entendo que o Ecad se sentou com as associações para fixar preços. Entendo pela prática de cartel.”

Mudanças

Tanto na internet como em outros lugares, o Ecad não cobra por quantidade de músicas tocadas: ou é pela receita bruta, ou por área do local (como bares e lojas) ou até mesmo por número de quartos (hotéis e motéis).

Então, para estimular a concorrência, o Cade exige que sejam criadas outras formas de arrecadação, desta vez baseadas nas músicas que são tocadas – em vez de cobrar valores ou percentuais fixos. Ou seja, acaba a tabela de preços – as associações precisam negociar com os clientes – e a assembleia do Ecad não pode mais discutir preços.

O que isso significa na prática? Basicamente, que você não deve receber uma visita do Ecad em seu aniversário ou festa de casamento, ou caso você tenha um bar ou academia. A negociação será feita direto com a associação que representa os músicos: o Ecad não deve mais interferir de forma direta na cobrança.

Isto também significa regras mais flexíveis para sites de streaming de música, empresas de Internet, emissoras de TV e outras. Pouco a pouco, parece que os exageros do Ecad estão sendo coibidos.

O caso

Em 2010, a disputa foi levada ao Cade pela Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA), que considerava abusiva a taxa cobrada das emissoras. A taxa não tinha relação com a quantidade de música usada, nem mesmo com o tipo de programação – canais de música pagam a mesma porcentagem que canais de notícias, por exemplo.

O Ecad tentou se defender, dizendo que o modelo atual é necessário para garantir “a geração de cultura no país”: a negociação música por música dificultaria o pagamento a artistas menos conhecidos. O poder das empresas de TV por assinatura também dificultaria as negociações. A defesa até disse que a ABTA estava representando o desejo da Rede Globo em reduzir gastos com o Ecad.

O Ministério Público Federal já havia estudado o caso e preferiu arquivá-lo, argumentando que é “impossível” haver concorrência entre as associações do Ecad, pois isso entraria em conflito com a Lei de Direitos Autorais. A lei determina que os preços devem ser estipulados por todos em comum, segundo o MPF.

Mas não adiantou: o Ecad levou a multa máxima de R$ 6,4 milhões, enquanto cada uma das seis associações foi multada em R$ 5,3 milhões. A multa será cobrada da taxa de administração que o Ecad recolhe das associações, sem impactar o valor repassado para os autores. O valor da multa irá para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD), que destina recursos a projetos de defesa do consumidor e meio ambiente.

O Ecad tem seis meses para se adaptar às novas regras, prorrogável para mais seis meses. A entidade já avisou que vai recorrer – agora na Justiça, já que a decisão do Cade é final.

O Ecad

O Ecad (Escritório Central de Arrecadação) é um órgão privado, fundado em 1976 para arrecadar os direitos autorais de músicas “em execução pública” no Brasil, seja ela nacional ou estrangeira. A entidade é conhecida pelos fiscais que, munidos de bloco e caneta, anotam o que toca nos shows para saber o que deve ser cobrado. O Ecad também monitora as rádios e estabelecimentos comerciais.

Em 2012, o Ecad tentou cobrar uma taxa mensal de blogs que embedam vídeos com músicas. Para justificar a medida, a entidade diz que os sites são retransmissores, pois “o uso de músicas em blogs se trata de uma nova execução” pública. Depois que o Google divulgou nota pública repudiando a prática, o Ecad voltou atrás e desistiu da cobrança.

Pouco tempo depois, saiu o resultado da segunda CPI sobre a entidade: senadores acusaram o Ecad e suas associações de fraude, cobranças excessivas e não-repasse aos músicos. A CPI terminou com o pedido de indiciamento de 15 pessoas.

À época, o Ecad publicou nota dizendo que “cerca de 40 artistas apoiam… o trabalho do Ecad” (só?), e que a nova mira seriam as emissoras de TV – que teriam os maiores índices de inadimplência no órgão. De fato, correm na Justiça várias ações contra o Ecad: nesta quinta, será julgada uma delas no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que tem como autora a TV Globo.

O Ecad não é fiscalizado, e já foi acusado de envolvimento em práticas bem questionáveis: apropriação de ganhos judiciais, pagamentos abaixo do devido e até falsificação de assinaturas. Até músicos famosos já se pronunciaram e se uniram contra o Ecad. Mas parece que o poder do órgão está, felizmente, diminuindo. [Folha e Teletime]

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