Em animais, efeitos do canabidiol variam entre sexos e são influenciados por ciclo reprodutivo

Pesquisa da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto avaliou o canabidiol em situações de pânico induzidas em ratos e camundongos. Diferenças dos efeitos entre espécies também foram significativas

Um estudo publicado na revista Behavioural Brain Research revelou diferenças significativas entre os sexos quanto aos efeitos benéficos do canabidiol (CBD). As análises do tratamento com CBD em animais expostos a estímulos que evocam pânico mostraram a influência da fase do ciclo estral das fêmeas nos resultados, indicando que as alterações hormonais podem modular a resposta ao tratamento.

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Paloma Molina Hernandes, pesquisadora do Laboratório de Farmacologia do Comportamento na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP e principal autora do estudo, explica que o ciclo estral é um fenômeno ovariano cíclico necessário para produção de óvulos maduros através de um processo chamado ovulação. O ciclo estral se assemelha ao ciclo menstrual que ocorre em humanos e pode ser dividido em fases, incluindo o proestro (início do ciclo, caracterizado por um declínio acentuado da progesterona e um aumento da produção de estradiol) e o diestro tardio (fase pós-ovulatória, caracterizada por uma queda abrupta dos níveis de progesterona em seu estágio final).

Uma mulher jovem sorrindo em frente a um pôster científico em um ambiente de congresso ou simpósio acadêmico. Ela tem cabelos castanhos longos e cacheados, pele clara e olhos castanhos. Usa um blazer preto sobre uma blusa vinho e um crachá de identificação pendurado em um cordão verde-claro no pescoço.

Paloma Molina Hernandes – Foto: Arquivo Pessoal

Para efeito de comparação, é possível traçar equivalências entre as fases do ciclo estral e menstrual. O proestro, do ciclo estral, apresenta semelhanças com a fase folicular do ciclo menstrual, caracterizada pelo aumento do estradiol. Já o diestro pode ser comparado com a fase lútea tardia, afinal, em ambos os processos, o corpo lúteo (estrutura temporária formada no ovário após a ovulação) regride e há uma alta nos níveis de progesterona, mas com queda em sua fase final.

Hélio Zangrossi Júnior - Foto: Arquivo Pessoal

Hélio Zangrossi Júnior – Foto: Arquivo Pessoal

As fases do ciclo reprodutivo das fêmeas são marcadas por flutuações hormonais que influenciam diversos aspectos do comportamento e da resposta a medicamentos. Muitas mulheres, lembra a pesquisadora, sofrem com sintomas adversos relacionados à ansiedade que se desenvolvem durante a fase lútea tardia (pré-menstrual) do ciclo menstrual, representando um estado psicopatológico com impacto negativo em suas vidas. Desta forma, adianta Paloma, “nossas descobertas em ratas fêmeas sugerem que o CBD merece investigação adicional como tratamento para disforia pré-menstrual (forma mais grave da tensão pré-menstrual)”.

A pesquisa que avaliou as diferenças na resposta ao canabidiol entre machos e fêmeas de ratos e camundongos, considerando a fase do ciclo estral das fêmeas, foi orientada pelo professor Hélio Zangrossi Jr. da FMRP.

Efeito do CBD também difere quanto às espécies

Para avaliar as respostas comportamentais relacionadas ao pânico, os ratos foram expostos a um ambiente com baixa disponibilidade de oxigênio (hipóxia), desencadeando comportamento de fuga, caracterizado pelos saltos. Os resultados mostraram que as fêmeas no diestro apresentaram uma resposta muito mais intensa em comparação aos machos e às fêmeas em proestro. O tratamento com canabidiol não alterou a resposta dos machos e das fêmeas em proestro, mas reduziu o comportamento relacionado ao pânico nas fêmeas em diestro.

Nos testes com camundongos, a hipóxia foi substituída pela exposição a altas concentrações de CO2 para induzir respostas defensivas (saltos) relacionadas ao pânico. Como resultados, observaram que tanto machos quanto fêmeas apresentaram saltos não direcionados, indicando tentativa de fuga semelhante à observada nos ratos. No entanto, diferente dos ratos, não houve influência da fase do ciclo estral na resposta comportamental das fêmeas.

Com relação aos efeitos do CBD, os camundongos fêmeas necessitaram de doses significativamente mais altas para responder ao tratamento em comparação às fêmeas de ratos. Os camundongos machos, por outro lado, não apresentaram resposta ao canabidiol, mesmo em doses elevadas.

A pesquisadora aponta uma possível explicação para essas diferenças no impacto do ciclo estral entre as espécies: “Nas ratas, a concentração de progesterona cerebral varia de forma paralela às flutuações plasmáticas durante o ciclo estral. Em camundongos fêmeas, por outro lado, os níveis de progesterona no cérebro seguem um ritmo circadiano diário dentro do ciclo estral, aparentemente independente das variações na progesterona plasmática”.

A imagem mostra uma folha de cannabis (maconha), com o fundo desfocado mostrando outras folhas semelhantes. A folha em destaque é verde, tem aparência saudável e é composta por sete folíolos serrilhados que se irradiam a partir de um ponto central, característica típica da planta Cannabis sativa.
Camundongos fêmeas necessitaram de doses bem mais altas para responder ao tratamento em comparação às fêmeas de ratos. Já os camundongos machos não apresentaram resposta ao canabidiol mesmo em doses elevadas – Fotomontagem feita pelo Jornal da USP – Foto: Erin Hinterland/Pixabay

Omissão da variável sexual em pesquisas

Paloma diz que a ausência da consideração de variáveis sexuais em estudos científicos é um problema significativo. “Estudos que não levam em conta o sexo dos indivíduos podem resultar em uma compreensão inadequada da fisiopatologia das doenças e em tratamentos menos eficazes.”

Segundo a pesquisadora, historicamente, a maioria dos estudos pré-clínicos e clínicos priorizou indivíduos machos devido ao maior controle de variáveis que influenciam nos resultados, já que as fêmeas apresentam flutuações hormonais significativas. No entanto, a ciência tem avançado na direção de incluir fêmeas nas pesquisas e considerar a influência dos ciclos hormonais nos resultados.

Paloma destaca que, ainda assim, a lacuna de gênero nos estudos biomédicos persiste. Uma revisão de 2016 que analisou 57 ensaios clínicos randomizados constatou que apenas 39% recrutaram homens e mulheres em proporções iguais, e destes apenas 20% examinaram possíveis diferenças relacionadas ao sexo.

Essa negligência pode ter impactos diretos na segurança de medicamentos já que estudos indicam que as mulheres têm maior propensão a sofrer reações adversas a medicamentos já aprovados. “Para corrigir essa deficiência, o National Institutes of Health (NIH) dos EUA implementou políticas em 2014 exigindo o uso equitativo de machos e fêmeas em estudos pré-clínicos e esta diretriz tem sido paulatinamente adotada em várias partes do mundo, inclusive no Brasil ”, relata.

Mais informações: [email protected] e [email protected]

*Estagiário sob orientação de Rita Stella
**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

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