O suíço Yves “Jetman” Rossy vem acumulando conquistas radicais ao longo dos anos. Ele atravessou o Canal da Mancha, o Grand Canyon, e voou ao lado de um bombardeiro B-17 com uma asa a jato – e nada mais – amarrada em suas costas. Ele é louco da melhor maneira possível.
Nós conversamos com Yves para saber o que está por vir para Jetman, o que ele acha sobre Felix Baumgartner (que saltou da estratosfera), e como é voar com uma asa presa nas costas.
Todos os grifos são nossos.
Gizmodo: Desde o seu primeiro voo em 2006, quais mudanças você fez na asa, e qual versão você está usando para voar?
Jetman: Em 2006 era uma asa rígida, mas dobrável, e apenas 2 motores. Dessa forma, eu só conseguia manter voo paralelo e contínuo. Depois disso, eu usei uma asa muito mais simples, menor, mais compacta, então é mais leve porque eu não tenho todo o sistema dobrável. E eu tenho quatro motores. Então essas são as principais diferenças.
E ela é mais próxima de uma asa delta. Eu tenho winglets [pontas dobradas de uma asa] maiores, o que a deixa muito mais estável do que antes, uma vez que a primeira asa foi feita para coincidir com uma estrutura inflável, não rígida, de modo que ela é mais espessa. Por isso, ela não voa tão bem como essa. A nova asa é o resultado de um estudo aerodinâmico num túnel de vento. A primeira foi o resultado de feeling.
Gizmodo: Você usa um túnel de vento quando testa as asas, não?
Jetman: Essa foi a única vez que eu usei um túnel de vento, com a asa que usei para atravessar o Canal da Mancha. Nós não temos nenhuma base de dados de uma estrutura flexível, nem da fisiologia humana, então é impossível simular isso. Se eu quero aumentar o desempenho, primeiro é preciso saber o que temos.
Então eu entrei no túnel de vento e nós medimos tudo – sem mover a asa, apenas o meu corpo, com os movimentos que eu faço no ar para guiar, voar, e nós medimos tudo. O resultado foi que eu estava instável no eixo de rotação, instável no eixo de inclinação, e apenas estável no ângulo de movimento horizontal. Então os engenheiros do túnel de vento me disseram: essa coisa não deveria voar.
Mas eu sou uma estrutura adaptável, e é por isso que eu voei. Como a asa era bem instável, nós desenvolvemos algo com os engenheiros que é mais estável, menos complicado, sem a asa dobrável, e esse é o resultado. O estudo foi feito em 2008 e o primeiro protótipo, um planador, foi usado para eu voar só em 2009.
Gizmodo: Antes de um voo, como é seu treinamento?
Jetman: Eu tento manter a forma. O trem de pouso são as minhas pernas, então eu treino minhas pernas fazendo corrida, natação e ciclismo. Eu tento fazer atividades como esqui, que não é apenas levantar peso: você se adapta à neve, aos elementos, ao meio ambiente, de modo que isso também é um treinamento. E pouco antes de voar, eu faço um bom aquecimento de tudo: pernas, braços, costas, pescoço, sabe? Assim, eu fico realmente pronto para a ação, e como eu preciso carregar cerca de 35 kg nas costas durante a aterrissagem, se acontecer alguma coisa não será um grande choque para o meu físico, para as minhas pernas e ossos.
Gizmodo: Então todo o sistema pesa cerca de 35 kg?
Jetman: Sim, na aterrissagem. Quando eu vou para o ar, no início, ele tem cerca de 60 kg. A diferença é o combustível e o líquido para fumaça. A fumaça é uma mistura de parafina e diesel, e fica no escape do motor; quando chega a cerca de 700 graus, ela cria uma fumaça branca agradável.
Gizmodo: Você ainda pilota aviões convencionais?
Jetman: Sim, especialmente biplanos. Costumo pilotar um Vickers. Ele é um biplano bem pequeno, dá para fazer acrobacias nele, e é muito bom deixar a cabeça de fora – ela não fica dentro de uma bolha, dentro de uma cabine de piloto. Você tem uma percepção muito melhor se está frio, se está calor, você consegue sentir o cheiro das árvores ao pilotar em baixa altitude, e assim por diante.
Gizmodo: Existe uma era particular de aviões que você goste? Tipo, eu gosto de velhos aviões bombardeiros da Segunda Guerra Mundial.
Jetman: Eu também adoro aviões da Segunda Guerra Mundial, mas eu era um piloto de caça, e ainda estou pilotando um Hawker Hunter. Mas um Hunter é apenas subsônico. Quando você está em máquinas como o Mirage, a uma velocidade de 1.000 km/h em baixa altitude nos Alpes, próximo às montanhas, você sente um poder completamente surreal.
Esta é uma sensação muito boa porque, em poucos segundos, você vai da base até o topo do Matterhorn, uma rocha enorme. Eu fui duas vezes ao topo do Matterhorn, o que requer 7 a 8 horas de escalada – e você ainda tem que descer. Em poucos segundos, você está no topo com um desses aviões. Quando você tem essa sensação, a energia em você é completamente surreal, e isso é bom. Dá a você uma dimensão a mais, não é mais plano. Isso é fantástico e bem, eu amo os caças a jato.
Gizmodo: No tempo em que você vem usando a asa, qual foi o momento que mais assustou você?
Jetman: Eu tive momentos assustadores [no início] quando a asa não funcionou muito bem, na aterrissagem, debaixo dos meus paraquedas, ventos ruins, pousos quase forçados. Eu poderia estar em uma cadeira de rodas depois de uma aterrissagem brusca, mas por sorte, eu tinha um bom anjo da guarda. Eu também me arrisquei muito quando ficava muito confiante, mas encontrava uma situação ruim: ou a asa ficava instável, ou girava; eu tive que soltar as asas [e descer de paraquedas] cerca de 20 vezes durante a fase de desenvolvimento.
É especialmente pior quando você não está muito confiante. Você pensa: “ops, estou instável”, e como eu tenho um altímetro audível, ele alerta que estou em uma altitude mínima: “beep beep beep beep”. E eu caio. Tudo bem, estou instável? Não posso abrir meu paraquedas, então eu solto as asas. E dá certo.
Mas quando você está se tornando confiante no ar, e acontece algo assim de novo, e você ouve “beep beep beep beep”, você pensa: se eu for um pouco mais longe, consigo recuperar o controle. Mas se não der, você fica num nível muito baixo para fazer qualquer outra coisa, e precisa abrir o paraquedas em uma situação completamente instável, o que é extremamente perigoso: o risco de as cordas prenderem nos seus pés, ou no seu pescoço, é muito alto. E isso aconteceu uma vez. Felizmente eu ainda estou vivo. Eu não passei muitas vezes por esse tipo de situação, mas já tive que fazer pausas para me acalmar novamente.
Gizmodo: Qual velocidade você consegue atingir com a configuração que você tem agora?
Jetman: A velocidade de cruzeiro é de uns 100 nós; isso dá 180 – 190 km/h. E o máximo é de 300 km/h, em descida, com impulso completo, e antes de um loop. Eu não tenho qualquer medidor de velocidade, exceto o meu feeling, mas conseguimos colocar alguma medida para saber a quantos G eu chego. Consigo ir até 3Gs. Com uma miniplataforma dentro das asas, eu sei qual a velocidade, mas você sente tudo, então para que instrumentos? Você coloca sua mão para fora da janela do carro, e dá para fechar os olhos e dizer a qualquer momento se você está indo devagar ou rápido, apenas com a pressão do ar. E eu estou no ar, então eu não preciso de instrumentos.
Gizmodo: E qual a altitude máxima que você consegue atingir?
Jetman: A maior altitude que já atingi foi um pouco mais de 4.000 m. Provavelmente eu poderia ir mais alto, mas esse é o recorde com esse tipo de asa.
Esse é o próximo passo que espero atingir com motores maiores. Com um voo sustentado vertical, para cima, eu gostaria de subir o mais alto possível, teoricamente até a estratosfera. Mas isso é apenas teoria, então vamos ver se, na prática, na realidade, isso é possível. Mas eu não arrisco nada ao tentar porque eu tenho dois paraquedas nas minhas costas, eu terei oxigênio, e mesmo sem motores eu consigo planar, então é chegar lá sem combustível e olhar para o altímetro. Esse é um dos próximos projetos.
Gizmodo: Então esse é o próximo projeto?
Jetman: Um dos próximos, são muitos.
Gizmodo: Quais são alguns dos outros?
Jetman: Começar do chão, mas não de um terreno plano – e sim de um penhasco. Por que um penhasco? Porque é seguro: você plana a 130 km/h e acelera na rampa, então se voar, não há problema. Se você tiver um problema, solte as asas e abra o paraquedas – você está alto o bastante.
Não sei se você já experimentou um parapente ou asa delta, mas quando você sai do chão, você corre e de repente sente que está deixando a Terra. E esse é um momento mágico, totalmente natural para o ser humano. E eu gostaria de sentir isso com as minhas asas nas costas.
Gizmodo: Depois que Felix Baumgartner saltou da estratosfera, isso é algo que você pensa em fazer? Não necessariamente replicar, mas você também pode ir a jato até a estratosfera e, em seguida,…
Jetman: Cair? Você desce de um jeito ou de outro.
Gizmodo: Então como é que você desce com seu jetpack? Você tem que soltá-lo?
Jetman: Não, ele plana muito bem sem motores. Então, sim, isso é um bom desafio, ir para a estratosfera. Mas não ir para baixo, e sim para cima? Vai ser difícil chegar tão alto quanto [Baumgartner], porque nem mesmo os mísseis fazem isso – e eu nem sou um míssil. Mas sim, o mais alto possível, em direção à estratosfera.
Gizmodo: Você assistiu o salto dele?
Jetman: Sim, fantástico. Sabe, paraquedistas das antigas estão com inveja porque sim, isso é um avanço fantástico. Dessa altura não é fácil, mas, eu acho que sim, estamos com inveja desse cara.