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ePrivacy: projeto de lei europeu ameaça tirar os ovos de ouro das empresas de tecnologia

A regulação de proteção de dados da União Europeia já está valendo e coloca alguns limites na coleta de informações dos usuários pelos serviços e empresas de tecnologia. Mas esse talvez seja o menor dos pesadelos para a indústria: um outro projeto de lei tem preocupado organizações, que fazem lobby e campanhas criando uma narrativa […]

A regulação de proteção de dados da União Europeia já está valendo e coloca alguns limites na coleta de informações dos usuários pelos serviços e empresas de tecnologia. Mas esse talvez seja o menor dos pesadelos para a indústria: um outro projeto de lei tem preocupado organizações, que fazem lobby e campanhas criando uma narrativa de que a proibição de coleta de dados em serviços online pode barrar diversas inovações, incluindo os carros autônomos.

• O que é a GDPR, a lei de proteção de dados europeia, e por que ela importa

Se trata da ePrivacy Regulation, projeto que quer proteger a confidencialidade das comunicações eletrônicas. Ele foi aprovado pelo Parlamento Europeu e hoje está sob a análise do Conselho da União Europeia, um grupo de autoridades que representam as 28 nações membro do bloco. De acordo com a reportagem do New York Times, a lei deveria passar a valer já neste mês, mas as negociações desaceleraram após desentendimentos internos.

O que diz o projeto

A ePrivacy Regulation vem para substituir uma diretriz mais ampla e antiga da União Europeia, que cobre telecomunicações tradicionais. Com ela, todos os tipos de comunicação digitais serão contempladas.

Isso inclui desde aplicativos de mensagens, passando por cookies de navegação, dados coletados por diversos aplicativos, até internet das coisas (IoT).

O projeto atual exige que WhatsApp, Facebook Messenger, Skype, iMessage, videogames com sistema de mensagens e qualquer outro serviço eletrônico que permita interações privadas obtenha uma permissão explícita do usuário antes de coletar dados sobre os dispositivos e sobre o conteúdo das comunicações.

Uma das principais diferenças dessa legislação em relação à GDPR é que as companhias seriam obrigadas a oferecer os mesmos serviços de comunicação, mesmo se o usuário não autorizar o compartilhamento de dados e informações com as empresas. Só seria possível coletar dados com permissão expressa dos consumidores.

A legislação ganhou força principalmente depois do caso Cambridge Analytica. Políticos e ativistas favoráveis ao projeto questionam se a economia baseada em dados é de fato favorável para a sociedade ou se é apenas mais um tipo de vigilância que pode ameaçar a democracia.

O cenário apocalíptico da indústria

Não é nenhuma surpresa as companhias fazerem lobby e tentarem impedir o avanço dessa regulação – a economia digital está fortemente baseada na obtenção e processamento de dados. E a estratégia é não pegar leve.

De acordo com o NYT, a Câmara Americana de Comércio para a União Europeia (AmCham EU) diz que a legislação é “excessivamente rigorosa”.

Já a Aliança dos Desenvolvedores (Developers Alliance), grupo comercial que representa Google, Facebook, Intel e diversas outras corporações, diz que o projeto pode custar mais de € 550 bilhões (R$ 2,3 trilhões) em receita anual. Uma pesquisa financiada pelo grupo aponta que o projeto pode reduzir em 30% os lucros dependentes de comunicação eletrônica em todos os setores da União Europeia.

Já a DigitalEurope, outro grupo comercial, diz que as proibições “compromete, seriamente o desenvolvimento da economia digital da Europa”.

A Associação da Indústria de Comunicações e Computadores (CCIA) – que representa Amazon, Google, Netflix e outras – financiou um estudo que afirma que as restrições impostas pela ePrivacy podem cortar a receita de veículos de imprensa digitais e da indústria de publicidade digital, diminuindo o financiamento de capital de risco para computação na nuvem.

A Goldbach Group, rede de venda de publicidade em mídia eletrônica, fez até vídeos que apresentam um cenário apocalíptico:

Alguns grupos afirmam que a exigência de consentimento do usuário e outras provisões podem barrar e dificultar inovações como carros conectados, que transmitem automaticamente informações de segurança para as fabricantes. Eles dizem também que exigir que empresas que oferecem serviços de comunicação permitam que usuários não compartilhem dados pode fazer com que apps ou sites passem a cobrar taxas ou deixar de existir.

Cisco, Facebook, Google, IBM, Microsoft, SAP, empresas de publicidade digital, entre outras organizações fizeram lobbies com parlamentares da Comissão Europeia para discutir o ePrivacy. A informação do NYT vem da base de dados de lobbies criados pela Transparency International EU, um grupo de pesquisa sem fins lucrativos baseados em Bruxelas. Muitas dessas empresas também fizeram lobby contra a GDPR.

O Conselho da União Europeia é parte vital desse processo, já que eles precisam chegar a um consenso sobre os detalhes do projeto antes que ele seja discutido com o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia. A Associação da Indústria de Comunicações chegou a ir até a Bulgária conversar com ministros do governo, já que o país deve assumir a presidência do conselho.

Defensores do projeto afirmam que o Conselho não avançou muito no ePrivacy desde então, mas as autoridades da Bulgária afirmam estar comprometidos com o progresso do projeto.

O que temos a ver com isso

Assim como as regras da GDPR fizeram com que as empresas de tecnologia adotassem uma nova política para o mundo todo, é possível que muitos trechos da ePrivacy respinguem em outros mercados, incluindo o Brasil. Além de sugerir uma uniformização de políticas e termos de uso das empresas de tecnologia, a legislação europeia pode servir como base para regulamentações nacionais, então vale ficar de olho.

[New York Times]

Imagem do topo: Pixabay

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