Escolher uma prótese é tão diferente assim de escolher um par de óculos?
Eu acredito que a tecnologia evoluiu o suficiente para permitir que fôssemos sinceros ao dizermos que o consumidor de uma prótese é o mesmo consumidor comprando um iPod ou um par de óculos ou um sofá para a sua casa. O que você mais quer é opções.
Obviamente, o papel de uma prótese é bem mais íntimo que o de um sofá, e ficar provando diferentes próteses é muito mais trabalhoso do que simplesmente ficar escolhendo óculos, mas as ideias não são tão diferentes assim. Da década de 30 até a de 70, o Serviço de Saúde Nacional do Reino Unido receitava apenas uma “opção” de óculos – considerado antes apenas “utensílios médicos” – e o padrão era uma armação de plástico com uma coloração rósea pra lá de horrível, uma tentativa de fazê-la no “tom da pele”, o que era problemático já na sua descrição: tom de pele de quem, mais exatamente?
O SSN acreditava que as pessoas quereriam discrição na sua correção visual – a humilhação social que se atribuía ao ato de usar óculos significava que ninguém iria querer que os seus óculos se destacassem dos demais. Assim, apenas uma armação de óculos era feita para todo mundo. Hoje, isto soa ridículo.
Enquanto isso, ninguém fez uma perna que sirva para qualquer ocasião – eu preciso trocar de perna quando eu quero usar salto alto; eu preciso trocar de perna quando eu quero usar salto alto de diferentes alturas; eu preciso trocar de perna quando quero nadar, fazer aula de boxe na academia ou correr na pista. Ao todo, eu tenho 12 pares (apesar de muitas estarem guardadas em museus).
Até esta múltipla funcionalidade ser feita com uma única prótese, você vai querer ter a melhor qualidade de vida possível sobre a sua ótica. Para algumas pessoas, nadar nunca será importante, nem usar um par de saltos altos, ou ter um membro prostético com uma cosmética que realmente imite o de um humano. Mas, para outros, estas coisas podem vir a ser muito importantes. Para algumas pessoas, como eu, algumas destas coisas são importantes apenas às vezes.
No meu arsenal funcional diário, eu giro mais ou menos entre o que chamo de pernas “Robocop” (Pernas VSP Re-Flex feitas pela Ossur) e as minhas pernas cosméticas bastante semelhantes às de verdade (feitas pela Dorset Orthopaedic).
Como se já não fôssemos cientes do triste estado do sistema de saúde dos EUA, de onde sou, a falta de oportunidades e escolhas prostéticas para a maior parte das pessoas se deve à limitadíssima cobertura das empresas de plano de saúde. Para falar a verdade, desde os meus dias de adolescente eu caço toda e qualquer oportunidade de ser cobaia, trocando o uso do meu corpo como campo de teste para novas tecnologias pelo privilégio de poder usá-las. Não tem um único par das minhas pernas cobertas pelo meu plano; nenhuma delas é considerada “medicamente necessária”.
O que é considerado medicamente necessário para o padrão de seguro dos EUA é qualquer coisa que permita que você vá da cama até o banheiro. Não estou de sacanagem. Nenhum outro aspecto da vida diária além de usar um banheiro é considerado “necessário”, o que significa que a prótese básica dada à maioria dos amputados – uma vara com um pé emborrachado de perna, ou uma vara com um gancho na extremidade para um braço – não mudou fundamentalmente em nada desde a Segunda Guerra Mundial.
As minhas pernas Ossur foram feitas a partir de fibra de carbono entrelaçada. Elas possuem suspensão para absorver impacto, molas e um pé com dedos separados para eu poder andar sobre terreno desnivelado com um pouco mais de equilíbrio, e basicamente não há nada de humano nesta perna. Eu não me importo muito com este aspecto. Estou bastante contente com esta incrível construção do jeito que ela é: uma boa prótese que permite que eu me desloque pra lá e pra cá muito bem. Eu abracei a estética sci-fi da fibra de carbono preta, o WD-40 cintilando na suspensão, e até me acho malandra usando estas pernas. Elas são a versão de pernas prostéticas de uma jaqueta de motoqueiro. No entanto, eu estou bastante ciente de que há alguns veteranos de guerra – a maioria mulheres, mas alguns homens também – voltando agora das guerras no Iraque e no Afeganistão que não ficariam muito contentes em ficar parecendo com um Exterminador do Futuro e o seu desejo de consumidor por opções deveria ser respeitado.
As minhas pernas Dorset foram projetadas mais para estilo do que utilidade. Muito mais leves que as VSPs, o esqueleto ou estrutura interna é feito a partir de um tubo oco personalizado de fibra de carbono e, assim como as minhas pernas esportivas, os encaixes foram feitos para casar com os meus membros residuais exatamente para que eu possa usar a prótese o dia inteiro sem desconforto. O carbono é usado porque possui tremenda força e pesa bem pouco, aproximadamente 300 gramas. A estrutura é recoberta por uma espuma de poliuretano que então é esculpida tanto da maneira como eu quiser quanto pela imaginação estética do protesista Bob Watts, que me pergunta como eu quero que elas se pareçam (o meu último par ficou com um músculo da panturrilha superflexível; serve como lembrete para eu levar o resto do meu corpo para a academia). Por último, a prótese é forrada com um revestimento cosmético de silicone feito sob medida de 2mm de espessura. O revestimento é uma obra de arte verdadeiramente impressionante: uma manga de silicone vulcanizada e protegida por Kevlar é feita a partir de muitas camadas finas de silicones de diferentes cores que combinem exatamente com o meu tom de pele ao esquadrinhar quase 500 tonalidades de cor de silicone. Você não encontrará colorações padrão bege-rosa aqui. A Dorset até mesmo mapeará pelos ou apenas folículos de cabelo (eu prefiro as minhas pernas bem lisinhas, muito obrigado), capilares, veias, verrugas e sim, tatuagens. A parte cosmética leva 2 semanas para um técnico fabricar e esculpir. O resultado: incrível.
Quando estou viajando, eu sempre tento vestir as minhas pernas Robocop, mais porque a suspensão faz com que o ato de atravessar os longos corredores dos aeroportos fique mais confortável. Eu também posso facilmente erguer as pernas das minhas calças de ioga e arrancá-las facilmente dentro do avião, tornando o voo bem mais tolerável enquanto estou sentada e amarrada dentro de um espaço confinado por algumas horas. Outro perigo de viagem com o qual lido é com os detectores metálicos de segurança dos aeroportos: usar pernas que se pareçam tão perfeitamente humanas, como o par cosmético que eu tenho, não é o ideal porque geralmente as pessoas nos aeroportos ouvem a palavra “prótese” e não registram exatamente o que isto significa. Como ela é repleta de partes de metal, eu ativo os apitos e alarmes e não fica claro pra ninguém o porquê, levando a um interrogatório e inspeção ainda mais extensos e complicados para mim. Qualquer um que já correu para fazer uma conexão no aeroporto Charles de Gaulle sabe muito bem que cada minuto é extremamente importante!
Uma vez eu usei as minhas pernas cosméticas em Portugal e (previsivelmente) ativei o alarme do detector de metal. Eles me colocaram de lado – isto foi logo depois do 11 de setembro – e num híbrido pateticamente atrapalhado entre espanhol e italiano eu tentava desesperadamente “no, no, yo tengo….” e “ho due….”, tentando completar a frase com a raiz latina para “prótese”. Eu disse o que achava ser uma boa aproximação e imediatamente fui levada a um daqueles quartos de revista repletos de cães treinados, porque na verdade eu o tempo todo estava dizendo “me deixem em paz, eu tenho duas prostitutas”.
Nada ávida em repetir a minha experiência de tradução equivocada, eu aprendi a lição e deixei as pernas cosméticas na mala. Eu uso as pernas Robocop e quando ativo os alarmes dos detectores de metal, eu preciso apenas mostrar os meus membros de fibra de carbono à altura do tornozelo e é automático: começamos com as passagens de bastão, o esquadrão antibomba, as passadas de mãos – no aeroporto JFK eles têm uma caixa extra de raios-X com uma bateria para 10 escaneadas pela qual eu preciso passar. Eles praticamente já me conhecem pelo nome.
Ou seja, quando estou viajando, eu faço de tudo para não me parecer como as demais pessoas – o que é um pouquinho diferente do que o Serviço de Saúde Nacional do Reino Unido teria previsto lá em 1950. [imagem por Nick Knight]
Aimee Mullins é uma atleta, porta-voz, atriz e modelo que conhecemos na TEDMED. Ela também será editora convidada da nossa semana temática Esta Vida Ciborgue. Leia a biografia dela aqui.