Esperma nada como um ‘giro de peão’, aponta cientista brasileiro

Em um novo artigo pesquisadores parecem mostrar que as células de esperma não se locomovem simplesmente abanando a cauda para frente e para trás, como é comumente acreditado.
Espermatozoide nadando
Crédito: Polymaths Lab

Um grupo internacional de cientistas diz que suas mais recentes pesquisas irão alterar o entendimento das mais antigas descobertas científicas já feitas sobre o esperma humano. Em um novo artigo publicado na última sexta-feira (31), pesquisadores parecem mostrar que as células de esperma não se locomovem simplesmente abanando a cauda para frente e para trás, como é comumente acreditado.

Em vez disso, os espermatozóides realizam uma rotina complexa de movimentos tridimensionais de enrolar e girar que só os fazem parecer que estão chicoteando suas caudas quando vistos através de um microscópio típico.

Em 1677, Anton Van Leeuwenhoek pegou seu recém inventado microscópio composto e decidiu examinar seu próprio sêmen. Quando o fez, foi o primeiro a ver um mundo repleto de espermatozóides, que ele denominou de “cápsulas animais”. Ele descreveu esses espermatozóides “mexendo-se como uma cobra ou como uma enguia nadando na água”.

Os cientistas da época de Van Leeuwenhoek fizeram muitas suposições sobre o esperma que se revelaram erradas. Primeiro, muitos teorizavam que o esperma realmente continha a versão em miniatura totalmente formada de uma pessoa, com a mãe e seu óvulo servindo apenas como um meio de alimentar essa mini-pessoa em um bebê. Mas as descrições iniciais de Van Leeuwenhoek de como os espermatozóides se moviam resistiram ao teste do tempo.

Hermes Gadelha, um brasileiro que é matemático e professor da Universidade de Bristol, no Reino Unido, juntou a sua equipe para trabalhar com pesquisadores no México e estudar os movimentos do esperma em 3D.

Eles desenvolveram uma câmera capaz de tirar fotos em nível microscópico a mais de 55.000 quadros por segundo. Eles também criaram um ambiente fluido com baixo atrito para o esperma nadar.

Esta nova técnica de imagem permitiu efetivamente aos pesquisadores escanear as células de esperma para cima e para baixo enquanto nadavam. A partir destas varreduras, Gadelha e sua equipe utilizaram fórmulas matemáticas complexas para criar um modelo de seu movimento.

“O esperma humano pode chegar entre 20 a 30 batidas de natação em menos de um segundo. Portanto, precisávamos de uma câmera que fosse tão rápida que o esperma não tivesse a chance de se mover antes que a próxima foto fosse tirada”, disse Gadelha.

No final, eles determinaram que Van Leeuwenhoek tinha visto ilusão de ótica do movimento do esperma. Em um plano 2D, o movimento de uma célula espermática parece em grande parte simétrico, com a cauda voltada para frente e para trás à medida que avança.

Mas a equipe concluiu que as células de esperma estão de fato girando suas caudas assimetricamente em uma direção, ao mesmo tempo em que giram suas cabeças ao mesmo tempo. A cauda e a cabeça se equilibram, impulsionando o esperma para frente. Gadelha compara os movimentos complicados dos espermatozóides a um giro de peão.

As descobertas da equipe foram publicadas na Science Advances.

Outros cientistas haviam notado que os movimentos observados no esperma humano não faziam muito sentido sob a suposição de que eles só se moviam como enguias, de acordo com os pesquisadores.

Outros também haviam mostrado que as cabeças de esperma de muitos animais, inclusive humanos, rolam à medida que se movimentam. Mas Gadelha disse que sua pesquisa é a primeira a conciliar essas observações e demonstrar claramente o balé do esperma.

No entanto, segundo Donner Babcock, um biofísico aposentado que estudou o movimento do esperma, as conclusões da equipe podem ser plausíveis, mas ainda estão longe de serem comprovadas.

“Eu diria que a afirmação deles de uma ligação entre o rolamento da cabeça do esperma e o movimento do flagelo [rabo] é muito forte”, disse Babcock, que não estava ligado ao novo estudo. Uma maneira de ajudar a resolver a questão, disse ele, seria anexar um rastreador a uma célula de esperma, depois seguir os movimentos do rastreador enquanto o esperma nada.

Gadelha credita os saltos na matemática e na ciência ao longo dos séculos desde a época de Van Leeuwenhoek para tornar possível a nova pesquisa, incluindo a tecnologia de microscópio pioneira de seus colegas no México. Ele observa que a natureza humana provavelmente nos leva a interpretar mal o que nossos olhos percebem.

“Muitas vezes acreditamos no que vemos. E isso é um problema, porque o que vemos sempre será limitado à precisão dos instrumentos que usamos para ver”, disse ele.

Revelar a verdadeira natureza do movimento dos espermatozóides provavelmente terá implicações médicas importantes. Um indicador da qualidade do esperma é sua motilidade, também conhecida como sua capacidade de mover-se rapidamente por conta própria. Portanto, saber como o esperma realmente se move deve nos ajudar a entender melhor por que algumas pessoas têm dificuldades com fertilidade. A equipe espera que suas técnicas possam ser usadas para observar outros recantos do mundo microscópico, incluindo o movimento das células de esperma de outras espécies.

Para Gadelha, há também um elemento existencial em suas pesquisas.

“O movimento do esperma sustenta a razão pela qual estamos aqui hoje. Estou aqui falando com vocês porque um esperma encontrou o óvulo”, disse ele. “E neste nível básico, se não entendemos como isso funciona, então como podemos esperar resolver todos os problemas mais sérios, inclusive a infertilidade?”

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