_Ciência

Novo estudo confirma a sua pior suspeita sobre alimentos ultraprocessados

Estudo revela que dietas à base de alimentos ultraprocessados causam aumento de peso e gordura corporal, além de fazer com que as pessoas comam mais e mais rápido

Crédito: Scott Olson/Getty Images

Um teste realizado pelo governo norte-americano pode confirmar o maior medo de qualquer pessoa cuja dieta começa e termina no corredor de comida congelada. O estudo sugere que pessoas que se alimentam principalmente de comida ultraprocessada ingerem mais calorias e ganham mais peso do que aquelas que preferem alimentos não processados – mesmo que as duas dietas contenham a mesma quantidade de gorduras, carboidratos e outros nutrientes.

Muitas evidências circunstanciais (e senso comum) nos levam a pensar que dietas ricas em alimentos ultraprocessados podem ser prejudiciais à saúde e propensas a causar um ganho de peso. Mas, segundo o autor responsável pelo estudo, Kevin Hall, cientista do National Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases, não há provas muito concretas de uma relação direta de causa e efeito. Isso tem sido um problema há muito tempo no mundo da nutrição, já que é difícil (e caro) estudar as dietas das pessoas isoladamente.

“Há um velho ditado que diz que correlação não significa necessariamente causa. Por exemplo, poderia ser que pessoas que ingerem alimentos ultraprocessados não são saudáveis por outros motivos. Ou elas podem ter condições econômicas mais precárias que pessoas que seguem uma dieta mais balanceada. Então, não tem como saber se os alimentos ultraprocessados seriam apenas um espectador inocente”, afirmou Hall ao Gizmodo.

Para ajudar a solucionar essas controvérsias, Hall e sua equipe recrutaram 20 voluntários saudáveis para passarem um mês no National Institute of Health’s Metabolic Clinical Research Unit para um teste aleatório e controlado – aparentemente o primeiro desse tipo a ser conduzido. Os participantes não precisaram pagar pela acomodação, mas havia uma condição. Por duas semanas, eles teriam que comer uma dieta que consistia em alimentos ultraprocessados e, nas outras duas semanas, as refeições seriam apenas com alimentos não processados.

Uma das refeições com alimentos ultraprocessados que os voluntários receberam durante o estudo. Crédito: Hall, et al /Cell Metabolism

Existem debates sobre o que exatamente se qualifica como um alimento ultraprocessado. Mas, Hall e sua equipe decidiram seguir o padrão estabelecido pelas Nações Unidas, que leva em consideração os diferentes tipos de processos de industrialização pelos quais um alimento ou ingrediente passa antes de chegar ao nosso prato. Um exemplo de café da manhã ultraprocessado, ressaltado pelos autores, pode incluir panquecas, salsichas e hash browns (um tipo de batata frita tipicamente norte-americana), enquanto um café da manhã predominantemente não processado conteria frutas, como mirtilo, sementes cruas e aveia.

“Alimentos processados são como pornografia – é difícil de definir, mas você reconhece quando vê”, observou Hall.

Durante o experimento, especialistas criaram refeições para cada dieta para que tivessem quantidades iguais de calorias, macronutrientes como gorduras e açúcares, sódio e fibras. Os participantes poderiam comer o quanto quisessem. Contando com os petiscos disponíveis, cada indivíduo tinha a opção de ingerir até o dobro de calorias diárias necessárias para manterem seu peso atual, com base em um exame realizado previamente.

Os resultados finais obtidos pela equipe foram impressionantes. Na dieta ultraprocessada, os voluntários ingeriram, em média, 500 calorias a mais por dia, ganharam gordura corporal e cerca de 450 gramas em duas semanas. Já na dieta não processada, eles perderam gordura corporal e perderam os mesmos 450 gramas.

Os resultados foram publicados na quinta-feira (16) na Cell Metabolism.

Embora os resultados possam parecer óbvios, Hall afirma que ainda não está claro por que a dieta com alimentos ultraprocessados geram um efeito tão discrepante na saúde das pessoas. Nos últimos anos, muitos especialistas têm acreditado na simples e intuitiva ideia de que, visto que esses alimentos tendem a ser ricos em gorduras, açúcares e sódio, esses três nutrientes são os principais responsáveis pelo aumento do peso e problemas como obesidade e distúrbios metabólicos. Mas, considerando a metodologia do estudo, essa explicação parece não fazer muito sentido.

“Eu imaginei que se a dieta não processada tivesse a mesma quantidade desses nutrientes – gorduras, açúcares e sódio, não haveria muita diferença, mas eu estava enganado”, afirmou Hall.

O objetivo do estudo não era ir muito além de testar o papel específico que esses nutrientes exerciam no aumento de calorias ingeridas. E a pequena amostra do estudo significa que os resultados devem ser analisados com cuidado, pelo menos até novas pesquisas confirmá-los. No entanto, Hall afirma que há indícios interessantes de por que os alimentos ultraprocessados geram uma vontade de devorá-los.

“Quando as pessoas estavam seguindo a dieta ultraprocessada, os níveis de PYY, um hormônio supressor do apetite secretado pelo intestino, aumentaram. Já durante a dieta não processada, outro hormônio chamado “ghrelin”, responsável por induzir a fome, diminuiu”, explica Hall.

Até o momento, porém, ainda não está claro quais são os ingredientes específicos ou componentes químicos comumente encontrados em alimentos ultraprocessados ​​que poderiam estar causando essa mudança hormonal que leva as pessoas a comerem mais.

Outra diferença potencialmente grande que os pesquisadores perceberam foi que as pessoas ingeriram os alimentos ultrprocessados muito mais rápido que os não processados. Essa velocidade maior na hora de comer poderia ter dado menos tempo para o corpo sinalizar que já estava cheio. A facilidade em ingerir alimentos ultraprocessados também pode ter ajudado, considerando que eles são muito mais macios e fáceis de mastigar, em média, quando comparados aos não processados.

Em contraste, um fator comumente suspeito de por que os alimentos ultraprocessados causam ganha de peso que não influenciou nesse caso foi o gosto. Os voluntários afirmaram que gostavam das duas dietas igualmente.

“Isso também atrapalha essa explicação”, observou Hall. “Mas é uma boa notícia, por outro lado. Isso indica que se você pode mudar sua dieta ultraprocessada para uma não processada, não significa que você necessariamente vai gostar menos dela”.

É claro que nossa natureza humana teimosa consegue tornar qualquer mudança de estilo de vida um desafio. Existem diversas razões que tornam essa mudança para uma dieta mais saudável objetivamente difícil para algumas pessoas. Muitas que vivem em áreas mais pobres, por exemplo, não podem facilmente ir a lojas repletas de frutas e vegetais, mas são cercadas de restaurantes fast-food e máquinas de venda automáticas.

Mas para aqueles que são capazes de mudar seus hábitos alimentares drasticamente, Hall afirma que há um lado positivo em suas descobertas.

“Há muito debate na comunidade científica, e pública também, sobre a eficiência de dietas low-carb e low-fat na perda de peso. Mas um coisa com a qual essas pessoas em diferentes lados das guerras de dietas tendem a concordar é que devemos comer menos comida ultraprocessada”, afirmou Hall. “É intrigante especular que talvez algumas das histórias de sucesso que as pessoas atribuem a dietas low-carb ou low-fat podem, na verdade, ser devido à redução da quantidade de alimentos ultraprocessados na dieta – é pelo menos uma hipótese intrigante a continuar sendo estudada”.

Sair da versão mobile