Estudo busca “impressões digitais” do Zika brasileiro no cérebro

Variante brasileira do Zika vírus teria a capacidade de afetar o sistema nervoso de forma diferente da cepa africana. Entenda
Imagem: Marcos Santos/USP Imagens

Um estudo publicado na revista americana Molecular Neurobiology sugere que as infecções pela linhagem brasileira do Zika vírus podem afetar a comunicação, o crescimento e até mesmo a sobrevivência de células cerebrais. As análises encontraram alterações moleculares causadas pelo vírus que sugerem uma relação com distúrbios neurológicos, falhas no neurodesenvolvimento e malformações do sistema nervoso. O trabalho é fruto de uma parceria entre o Laboratório de Neuroproteômica da Universidade Estadual de Campinas (LNP-UNICAMP) com o Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ICB-UFRJ) e o Instituto D’Or de Pesquisa e Educação (IDOR).

Para alcançar esses resultados, o estudo envolveu dois tipos de ensaio. “Verificamos o impacto das infecções em um modelo bidimensional, onde as células só se dividem e permanecem em um estágio inicial, e em um modelo tridimensional, que simula conexões do sistema nervoso repleto de sinais e estímulos para as células jovens se transformarem em neurônios, por exemplo”, explica Juliana Minardi Nascimento, uma das autoras responsáveis pelo artigo. A bióloga destaca que a análise em dois modelos é importante para esclarecer aspectos relevantes da infecção em momentos diferentes da vida celular. “A ideia do estudo surgiu exatamente destas perguntas: como as células que estão apenas proliferando serão afetadas? O processo é diferente quando elas recebem um gatilho para se diferenciar e formar o sistema nervoso?”, diz Nascimento.

Cada modelo foi dividido em grupos e infectado com uma de três linhagens virais: o vírus causador da Dengue e duas variedades do Zika – a cepa africana e a brasileira. Após um período de exposição aos vírus, as células infectadas passaram por um processo para separar as proteínas presentes em cada amostra e verificar se a presença desses organismos foi capaz de desencadear mudanças na atividade e na composição celular. “Buscamos identificar mudanças proteicas que sempre ocorrem quando há uma certa infecção nesses tipos celulares, o que chamamos de fingerprinting, ou impressão digital”, explica Nascimento.

Segundo Daniel Martins-de-Souza, coordenador do LNP e do estudo, o grande diferencial deste trabalho consiste na análise do efeito que a linhagem brasileira do Zika vírus pode desencadear no desenvolvimento do sistema nervoso central. “A comparação desses três vírus nos mostrou que o impacto do Zika brasileiro nas células neurais é tão diferente dos daquele causado pela linhagem africana que o perfil das células infectadas com a Dengue ficou mais parecido com aquelas expostas ao Zika africano do que com as que foram infectadas com o Zika brasileiro”, explica o pesquisador.

A infecção por Zika vírus se mostrou capaz de alterar a produção de proteínas importantes para a formação, a sobrevivência e a comunicação das células infectadas desde o começo de seu desenvolvimento, o que, quando projetado em um sistema vivo, mostra potencial para prejudicar seriamente a formação do sistema nervoso. “No modelo bidimensional, vimos que as células infectadas pelo Zika entendem que algo vai dar errado, param o ciclo celular e não proliferam mais”, explica a pesquisadora. “Além disso, a reparação de danos ao DNA, a reserva de energia e o posicionamento das células no cérebro também são prejudicadas. Em conjunto, essas mudanças mostram que o Zika vírus pode impedir que as células neurais imaturas proliferem e pode até levá-las a morte”, continua.

O texto destaca que essas modificações podem ser decisivas principalmente para o desenvolvimento fetal, já que, ao infectar uma pessoa grávida, o Zika tem a capacidade de atravessar as proteções do útero e atingir o feto em crescimento – e essa característica está ligada principalmente à linhagem brasileira do vírus. “Se, ao ser infectado, o cérebro fetal não consegue se desenvolver e as células neurais não proliferam e diferenciam corretamente, isso pode levar a malformações no sistema nervoso da criança”, explica Juliana Nascimento. A autora conta ainda que outras doenças neurológicas, como a síndrome de Guillain-Barré, também podem ser desencadeadas como consequência dessas infecções, uma vez que são relacionadas a variações semelhantes nas células neurais.

Segundo Daniel Martins-de-Souza, esses resultados preliminares têm potencial para favorecer a compreensão, a prevenção e o tratamento dessas doenças. “A longo prazo, as proteínas e vias que estamos descrevendo pela primeira vez podem passar a ser alvos para medicamentos ou até modulações que pudessem vir a prevenir a microcefalia e outras malformações neurológicas em mães infectadas por Zika”, diz. “Estamos levantando muitas hipóteses, mas precisamos fazer vários estudos para comprovar essas hipóteses. A gente já sabe bastante sobre a morfologia macroscópica do cérebro microcefálico, mas a gente ainda sabe pouco sobre essa infecção com a linhagem do Zika vírus brasileiro e como ela pode levar à microcefalia”, finaliza o pesquisador.

Texto publicado originalmente na Agência Bori

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