Transplantes de cocô podem ajudar nos tratamentos contra câncer, revela estudo

Com a ajuda de injeções de fezes, pacientes responderam melhor a tratamentos que ajudaram a estabilizar ou reduzir os tumores.
Thierry Zoccolan (Getty Images)
Imagem: Thierry Zoccolan (Getty Images)

Transplantes fecais já servem como objeto de estudo para o tratamento de infecções de cólon e diabetes Tipo 2, mas agora também podem ajudar o corpo a combater o câncer. É o que sugere uma nova pesquisa financiada pelo governo dos EUA. Em um pequeno ensaio clínico, alguns pacientes com câncer avançado que receberam os transplantes começaram a responder a tratamentos que estabilizaram ou reduziram seus tumores. Os resultados foram publicados na revista Science na última quinta-feira (4).

O objetivo de um transplante fecal é usar as fezes de um doador para reiniciar o microbioma intestinal de uma pessoa, que abriga as bactérias que vivem ao longo do nosso trato digestivo. O microbioma intestinal ajuda o corpo a regular tudo, desde o metabolismo até o funcionamento adequado do sistema imunológico, e acredita-se que um microbioma desequilibrado causa ou aumenta o risco de muitos problemas de saúde, como diabetes, doenças inflamatórias intestinais e certas infecções. Semeando seu trato digestivo com a bactéria das fezes de um doador, parece ser possível desenvolver um microbioma intestinal mais saudável.

Atualmente, o transplante de microbiota fecal (FMT, na sigla em inglês) é considerado um tratamento eficaz apenas para infecções gastrointestinais recorrentes causadas por Clostridioides difficile, que podem ser fatais. No entanto, existem ensaios em andamento testando seu uso para outras condições. Este novo estudo foi conduzido por pesquisadores do Hillman Cancer Center da University of Pittsburgh Medical Center, bem como cientistas do National Cancer Institute. Eles olharam para a FMT como uma espécie de reforço para outro tratamento emergente: a imunoterapia contra o câncer.

A imunoterapia usa drogas para amplificar a capacidade do sistema imunológico em encontrar e matar células cancerosas. Essas drogas incluem inibidores do ponto de controle imunológico, que removem o limitador natural que alguns tipos de câncer usam para evitar a detecção pelas células T. Embora os inibidores do ponto de controle imunológico tenham mostrado grande promessa no tratamento de formas avançadas de câncer, os tumores de algumas pessoas continuam a resistir à supressão pelo sistema imunológico, mesmo após o tratamento. Alguns pesquisadores teorizaram que redefinir o microbioma intestinal desses pacientes também tornará esses tumores vulneráveis ​​à imunoterapia.

“As terapias do câncer muitas vezes dependem da estimulação de respostas imunes antitumorais, aumentando a possibilidade de que a microbiota intestinal possa influenciar as respostas do hospedeiro à terapêutica do câncer por meio do sistema imunológico”, disse por e-mail Giorgio Trinchieri, autor do estudo e chefe do Laboratório de Imunologia Integrativa do Câncer no Centro do NCI para a Pesquisa do Câncer.

Os pesquisadores da UPMC trataram 15 pacientes com melanoma avançado, a forma mais letal de câncer de pele, que anteriormente não respondiam ao tratamento com inibidores do ponto de controle imunológico. Eles receberam transplantes de outros pacientes com melanoma avançado que responderam à terapia (frequentemente, os pacientes recebem primeiro uma dose de antibióticos para ajudar a limpar o microbioma existente, mas não neste estudo). As fezes do doador foram examinadas em busca de quaisquer germes potencialmente perigosos – uma precaução que se tornou padrão após várias doenças e uma morte ligada a transplantes fecais com bactérias resistentes a medicamentos em 2019.

Posteriormente, seis dos 15 pacientes começaram a responder ao tratamento. Em um paciente, seus tumores continuaram a diminuir por mais de dois anos e aumentando, enquanto outros quatro tiveram o câncer estabilizado, sem sinais de progressão da doença por pelo menos mais de um ano. Um sexto paciente pareceu responder completamente à imunoterapia, mas morreu logo após o tratamento de complicações de uma cirurgia não relacionada.

“Nesses pacientes, o tumor estava progredindo rapidamente e a expectativa de vida era curta. A doença estável e a redução do tumor representariam uma melhoria significativa na sobrevida e qualidade de vida dos pacientes e podem resultar em sobrevida a longo prazo. Em alguns casos, até cura”, observou Trinchieri.

Tanto o microbioma intestinal quanto o sistema imunológico desses pacientes também mostraram sinais de alteração favorável após o transplante, permitindo uma melhor resposta à terapia. E os próprios transplantes foram bem tolerados, embora a imunoterapia provavelmente tenha causado efeitos colaterais menores em alguns pacientes, incluindo fadiga.

Segundo Trinchieri, o estudo é um dos primeiros a mostrar que alterar o microbioma intestinal pode melhorar a resposta de uma pessoa à imunoterapia. E apesar de ser apenas um estudo de prova de conceito, ele também demonstra o potencial de direcionar o microbioma em geral para o tratamento do câncer.

Apesar desse potencial, mais trabalho precisa ser feito com grupos maiores de pacientes antes que os transplantes de cocô possam se tornar um padrão de tratamento para casos difíceis de câncer. A pesquisa começou a identificar os tipos de bactérias com maior probabilidade de melhorar a resposta da imunoterapia, bem como os pacientes com mais chances de se beneficiar de um transplante. Eles também estão monitorando os pacientes que responderam à FMT, enquanto usam seu cocô doado para outros estudos.

No futuro, essa técnica de transplante, que hoje requer uma colonoscopia, pode não ter o método mais convidativo. Em vez disso, Trinchieri afirma que talvez possamos sobreviver usando apenas uma pílula que contenha a bactéria. Felizmente, alguns estudos já estão explorando essa possibilidade, bem como usar FMT para outros tipos de câncer.

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