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Experimento procura matéria escura, acha outra coisa, e cientistas tentam descobrir o que é

Um sinal misterioso apareceu em um experimento extremamente sensível que estava buscando evidências de matéria escura. E depois de mais de um ano tentando se convencer que tinham visto apenas ruído, os cientistas acham que podem ter encontrado algo novo. Nesta quarta-feira (17), os cientistas por trás do experimento de matéria escura XENON1T relataram o […]

Foto do experimento XENON1T. À esquerda, uma construção circular alta, provavelmente um tanque. À direita, uma construção de três andares com paredes de vidro. Dentro dela, vários equipamentos metálicos cilíndricos e canos. Cada andar tem mais ou menos o dobro da altura de uma pessoa.

O experimento XENON, de três andares, e seu edifício de serviços (dê uma olhada nos seres humanos no canto inferior direito para ter uma ideia do tamanho do negócio). Foto: XENON collaboration

Um sinal misterioso apareceu em um experimento extremamente sensível que estava buscando evidências de matéria escura. E depois de mais de um ano tentando se convencer que tinham visto apenas ruído, os cientistas acham que podem ter encontrado algo novo.

Nesta quarta-feira (17), os cientistas por trás do experimento de matéria escura XENON1T relataram o resultado de uma busca em seus dados. Eles buscavam por partículas que interagiram com os elétrons em seu meio de detecção. Os pesquisadores descobriram evidências de um excesso, isto é, mais interações com o detector do que o Modelo Padrão da física de partículas previa. Eles ainda não sabem o que causa o sinal. Pode ser um evento raro, mas trivial, ou pode ser evidência de algum outro fenômeno físico desconhecido.

“Estávamos quebrando a cabeça para pensar no que poderia ser”, diz Laura Baudis, astrofísica de partículas da Universidade de Zurique. Ela explicou que Michelle Galloway, também pesquisadora da instituição, ficou acordada até altas horas da noite para trabalhar com Evan Shockley, estudante de graduação da Universidade de Chicago, e Jingqiang Ye, estudante da Universidade da Califórnia em San Diego, na conclusão da análise.

Um excesso inesperado

O XENON1T é um experimento que contém 3,2 toneladas métricas do elemento xenônio. Ele está enterrado nas profundezas de uma montanha no Laboratório Nacional INFN de Gran Sasso, na Itália, que coletou dados de 2016 a 2018.

O experimento funciona da seguinte forma: ele espera partículas que mal interagem com a matéria causem uma ligeira batida nos núcleos do xenônio ou em seus elétrons, liberando minúsculos flashes de luz detectados por sensores nas paredes do experimento.

Os cientistas da XENON collaboration querem usá-lo para descobrir a verdadeira identidade da matéria escura, o material misterioso cuja gravidade parece servir como andaime do universo, mas que nossas teorias da física de partículas não conseguem explicar. Até agora, os dados do experimento não revelaram novos fenômenos físicos.

Mas os dados do XENON1T coletados de fevereiro de 2017 a fevereiro de 2018 revelaram um inesperado excesso de interações de baixa energia com os elétrons do xenônio. Em vez dos esperados 232 eventos, foram observados 285, de acordo com o artigo publicado hoje no site do XENON1T.

As possíveis causas

Os físicos levantaram hipóteses para várias fontes potenciais do excesso, testando suas ideias contra os dados. Eles chegaram às três fontes mais prováveis.

Talvez uma partícula teórica não observada chamada áxion tenha atingido o detector depois de viajar do sol.

Talvez uma propriedade da partícula neutrino, chamada momento magnético, seja mais alta do que o previsto anteriormente.

Ou talvez eles simplesmente tenham visto um processo radioativo de fundo não contabilizado, o decaimento do isótopo de hidrogênio chamado trítio. Apenas alguns átomos de trítio espalhados nas duas toneladas de xenônio ultra-puro poderiam ter produzido o sinal.

Áxions são uma partícula teorizada de baixa massa destinada a resolver um problema de física chamado problema da CP forte, que pergunta por que as partículas subatômicas chamadas quarks seguem as mesmas leis da física quando você as substitui pelas correspondentes com a carga oposta, já que não haveria razão para isso.

Se existissem áxions, os cientistas preveem que o Sol os produziria em seu âmago, e poderíamos detectá-los da Terra. Os áxions também seriam um dos responsáveis para explicar pelo menos um pouco da matéria escura.

Ao passar pelo detector, os áxions solares se pareceriam mais com os sinais que os pesquisadores observaram, com uma significância de 3,5 sigma, o que significa que há uma chance de 99,98% de que o sinal observado não tenha sido causado por processos físicos típicos.

No entanto, ao introduzir o decaimento de trítio como outro processo em segundo plano, a significância diminui para 2 sigma, ou uma chance de 95% de que as interações físicas típicas mais o trítio em decomposição não tenham causado o sinal, disse Baudis.

Mais dados poderiam facilmente eliminar tal flutuação, como já ocorreu no passado. Os físicos de partículas buscam uma significância de 5 sigma para proclamar que uma descoberta foi feita.

Muita calma nessa hora

Outros físicos ficaram impressionados com a quantidade de trabalho e reflexão que a análise exigiu ​​e com a extrema sensibilidade do detector. Mesmo assim, pediram cautela com as interpretações dos resultados.

“Eles fizeram um trabalho tremendamente bom em entender o que estava em segundo plano”, diz Bob Jacobsen, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, que não esteve envolvido com este trabalho. Mas ele ressaltou que simplesmente não há muitos dados para analisar aqui. “São apenas pistas realmente interessantes.”

Javier Redondo, físico da Universidade de Zaragoza, na Espanha, diz que o sinal parecia exatamente como se áxions solares estivessem passando pelo XENON1T. No entanto, ele disse, se partículas hipotéticas de áxion produzidas pelo Sol criarem esse sinal, isso implica uma interação mais forte entre eles e os elétrons do que a teoria prevê hoje.

“Mesmo o nosso Sol não concordaria com os melhores modelos e experimentos teóricos, assim como agora”, comenta. As propriedades do áxion solar implícitas no experimento XENON1T precisariam que o Sol fosse mais quente do que os astrônomos preveem e produzisse muito mais neutrinos do que os astrônomos observam.

Ele disse que, para que a análise o convencesse de eram os áxions solares que estavam causando o excesso, ele gostaria de ver uma prova irrefutável — áxions solares aparecendo em experimentos dedicados chamados helioscópios solares magnéticos, por exemplo. Talvez alguma outra partícula desconhecida esteja causando o sinal, diz ele.

A busca continua

Descobrir a verdadeira causa do sinal exigirá mais trabalho. Um conjunto de experimentos semelhantes, como o experimento LZ no Sanford Underground Research Facility, em Dakota do Sul (EUA), e o PandaX, que fica no Laboratório Subterrâneo de Jinping, em Sichuan, China, provavelmente seguirão com suas próprias análises para ver se encontram o mesmo sinal.

O experimento XENON1T receberá em breve uma atualização para se tornar XENONnT — agora com ainda mais xenônio líquido. Depois disso, os físicos poderão repetir essa análise. O XENONnT e os helioscópios solares magnéticos devem ser capazes de detectar e explicar esse sinal mais facilmente — se ele realmente estiver lá, é claro. “Há muitos questões”, diz Baudis.

Assim é o caminho da física. Às vezes, os sinais mais interessantes estão nos extremos da sensibilidade de um experimento e não ocorrem com frequência suficiente para os físicos declararem uma descoberta. Embora todos esperemos que esses sinais se transformem em alguma característica inexplicável do universo, às vezes eles são apenas o decaimento comum de alguns átomos radioativos irritantes. No momento, os físicos não sabem o que estão vendo. Tudo o que eles podem dizer é que isso tudo definitivamente é interessante.

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