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Experimento fascinante busca recriar a marcha de um dos primeiros animais a caminhar na Terra, há 300 milhões de anos

Usando simulações de computador e um robô, pesquisadores recriaram a provável caminhada de um animal de 300 milhões de anos, considerado um dos primeiros caminhantes terrestres do planeta. • Este pássaro do período Cretáceo era bem parecido com as aves modernas • Asteroide que matou os dinossauros também mexeu com a evolução dos tubarões Centenas de milhões […]

Kamilo Melo e Tomislav Horvat/EPFL Lausanne

Usando simulações de computador e um robô, pesquisadores recriaram a provável caminhada de um animal de 300 milhões de anos, considerado um dos primeiros caminhantes terrestres do planeta.

• Este pássaro do período Cretáceo era bem parecido com as aves modernas
• Asteroide que matou os dinossauros também mexeu com a evolução dos tubarões

Centenas de milhões de anos atrás, os animais aquáticos começaram a fazer a transição para a terra. Mas como caminhavam os primeiros vertebrados quadrúpedes do mundo? A pergunta parece simples o suficiente, mas ninguém estava por perto para assistir a esse desenvolvimento evolucionário, e as análises de fósseis apenas sugerem como foi o processo.

OroBOT executando uma de suas marchas. GIF: Kamilo Melo (EPFL Lausanne), Tomislav Horvat (EPFL Lausanne)/Gizmodo

Não sabemos, por exemplo, se esses primeiros caminhantes, conhecidos como tetrápodes, eram capazes de ficar de pé sobre suas pernas ou se seus movimentos eram coordenados, equilibrados e energeticamente eficientes. Seria bom saber isso porque os primeiros animais a andar eventualmente evoluíram para répteis e mamíferos. Estilos de caminhada habilidosos e sofisticados — em comparação com técnicas básicas de locomoção, como rolar, se arrastar para a frente, deslizar ou saltitar — provavelmente facilitaram essa importante transição evolutiva.

Para ter uma ideia de como esses pioneiros terrestres andavam por aí, uma equipe de pesquisa liderada por John Nyakatura, da Universidade Humboldt de Berlim, e Kamilo Melo, da Escola Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça, voltou suas atenções para simulações de computador e robôs. Seu novo e fascinante artigo, publicado nesta quarta-feira (16) na Nature, mostra que os primeiros caminhantes haviam adotado um modo de andar avançado mais cedo do que os cientistas esperavam.

Reconstrução cinemática do Orobates. GIF: Jonas Lauströer (Universidade de Ciências Aplicadas de Hamburgo), Amir Andikfar (Universidade de Ciências Aplicadas de Hamburgo), John Nyakatura (Universidade Humboldt de Berlim)/Gizmodo

O modelo para o experimento foi um tetrápode de quatro pernas e 88,9 cm de comprimento, conhecido como Orobates pabsti. Essa antiga criatura parecida com um lagarto é um animal primitivo situado entre anfíbios e répteis na árvore genealógica evolutiva, um “amniote de tronco”.

“O Orobates é um candidato ideal para entender como os vertebrados terrestres evoluíram, porque representa a linhagem que leva aos amniotas modernos — ou seja, animais que se tornaram amplamente independentes da água à medida que se desenvolveram dentro de ovos postos em terra”, disse Nyakatura em um comunicado.

Além disso, os fósseis de Orobates são extremamente importantes para compreender a evolução dos vertebrados; essas criaturas são um primo muito próximo do último ancestral comum de mamíferos, répteis (incluindo todos os dinossauros e pterossauros extintos) e aves. Por fim, o Orobates deixou para trás um excelente registro fóssil de seu tempo na Terra, junto com trilhas fossilizadas de suas pegadas — uma situação que permitiu aos pesquisadores matar duas bolas em uma tacada só e conduzir uma análise física quantitativa dessa criatura extinta.

Na verdade, o primeiro passo do processo foi criar um modelo digital do esqueleto do Orobates. Os raios X dos fósseis ofereceram um começo importante, mas, para descobrir como eles movimentavam seus corpos no tempo e no espaço e ter uma noção de suas capacidades biomecânicas, os pesquisadores procuraram criaturas vivas semelhantes, incluindo caimões (um pequeno crocodilo), salamandras, iguanas e escíncidos.

Tal como os Orobates, esses animais remanescentes são quadrúpedes que se esparramam, com braços e pernas que se estendem de lado, em vez de diretamente para baixo — pense em como um crocodilo fica numa posição esparramada, diferentemente de um elefante, com os seus membros na posição de colunas.

Usando raios X e medidas de força, os cientistas documentaram a forma como esses animais sustentam seus corpos na vertical, como suas espinhas dorsais se movem e até que ponto eles podem dobrar seus cotovelos e joelhos enquanto andam. Esses dados foram então usados para alimentar uma simulação cinemática por computador do provável estilo de caminhada dos Orobates.

Visão de cima do OroBOT executando uma boa marcha marcada (mostrada em velocidade de 2x). GIF: Tomislav Horvat (EPFL Lausanne), Kamilo Melo (EPFL Lausanne)/Gizmodo

Não contentes em parar por aí, os pesquisadores usaram um robô, apelidado de OroBOT, para confirmar ou rejeitar as sugestões do computador. Com um robô trabalhando no mundo físico, os pesquisadores foram mais capazes de calcular a física envolvida — ou seja, a energia real transferida — nos vários estilos de caminhada propostos pela simulação.

“Nosso modelo robótico nos permitiu testar nossas hipóteses sobre a dinâmica de locomoção do animal”, disse Melo em um comunicado. “Ele leva em consideração a física do mundo real de sua caminhada.”

O OroBOT testou centenas de estilos de caminhada diferentes para determinar os mais prováveis usados — e não usados — pelos Orobates. Em um outro ato de diligência prévia, os pesquisadores correlacionaram os estilos de caminhada com pegadas fossilizadas feitas pela espécie. Se a marcha não combinava com as pegadas, era dada uma pontuação mais baixa. Os pesquisadores até criaram um site interativo em que o público e os cientistas podem explorar os possíveis estilos de caminhada usados.

Possível caminhada com elevação corporal e flexão moderadas da coluna vertebral. GIF: John Nyakatura (Universidade Humboldt de Berlim), Jonas Lauströer (Universidade de Ciências Aplicadas de Hamburgo), Amir Andikfar (Universidade de Ciências Aplicadas de Hamburgo)/Gizmodo

A marcha mais provável utilizada pelos Orobates, de acordo com essa pesquisa, era um estilo muito semelhante ao utilizado pelos caimões. Esse antigo animal se movia com uma marcha atlética e conseguia se manter levemente erguido sobre si mesmo — algo que as salamandras e os escíncidos não conseguem fazer. Isso acabou por ser um estilo de caminhada mais avançado do que o que se suspeitava.

“Nossas métricas indicam que os Orobates exibiam uma locomoção mais avançada do que se supôs anteriormente para tetrápodes anteriores, o que sugere que a locomoção terrestre avançada precedeu a diversificação dos amniotas modernos”, escreveram os pesquisadores no estudo.

Empolgados, os pesquisadores disseram que sua nova metodologia multifacetada pode ser usada para estudar outras transições evolutivas importantes, como a origem do voo ou a caminhada galopante de mamíferos.

“Este é um estudo notável que usa tamanha variedade de abordagens que é difícil encontrar falhas”, disse Emily M. Standen, professora assistente na Universidade de Ottawa e especialista em biomecânica animal primitiva e fisiologia comparativa, em entrevista ao Gizmodo. “Ao integrar a anatomia e trilhas fósseis com uma ampla gama de animais de postura esparramada e, em seguida, aplicar as ferramentas de engenharia e modelagem computacional para ajustar os dados, os autores pegaram uma enorme quantidade de informações e a colocaram em conjunto para criar uma descrição muito realista e difícil de refutar de como um animal antigo pode ter caminhado.”

Standen achou interessante saber que um andar erguido parece ter precedido o surgimento e a diversificação de amniotas modernos e seus sucessores.

“Como o desempenho locomotivo é frequentemente selecionado para um contexto evolutivo adaptativo, esses dados sugerem que as vantagens de uma caminhada vertical — velocidade, eficiência e agilidade — podem ter contribuído para a diversificação de amniotas (modernos)”, disse. “É empolgante pensar nisso.”

Standen ficou impressionada com essa descoberta, mas foi a metodologia usada pelos pesquisadores que mais a impactou. Ela disse que o trabalho representa o que a ciência deve ser: mente aberta, interdisciplinar, amplamente focada e acessível.

“Este é realmente um grande esforço de qualidade e precisão incríveis”, disse ela. “Sem mencionar que eles disponibilizaram essas ferramentas online para que outros possam adicionar informações e aprimorar os resultados. Parece inacreditável, e lembra aqueles comerciais de televisão que vendiam algo incrível e depois continuavam acrescentando outros ‘presentes’ sem nenhum custo adicional.” Ela ainda brincou: “A única coisa que falta neste artigo é um conjunto de 12 facas.”

[Nature]

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