As maiores questões que pairam sobre a Libra, criptomoeda do Facebook que deve começar a circular no ano que vem

A Libra, nova criptomoeda do Facebook, é uma novidade importante, mas ainda há muitas questões a serem respondidas. Depois de cerca de dois anos de trabalho na sede do Facebook, em Menlo Park, a moeda digital Libra foi revelada ao mundo em uma campanha publicitária que se passa na histórica casa da moeda de São […]
Foto: Getty

A Libra, nova criptomoeda do Facebook, é uma novidade importante, mas ainda há muitas questões a serem respondidas.

Depois de cerca de dois anos de trabalho na sede do Facebook, em Menlo Park, a moeda digital Libra foi revelada ao mundo em uma campanha publicitária que se passa na histórica casa da moeda de São Francisco, um edifício de 150 anos que costumava abrigar um terço das reservas de ouro americanas.

Mark Zuckerberg está oficialmente entrando no ramo de moedas.

O funcionamento básico é simples: coloque dinheiro, receba Libra, mande para outras pessoas ou gaste, faça saques a qualquer momento. O Facebook espera que desenvolvedores e pessoas que não têm conta em bancos possam usá-la com facilidade. Nós só veremos se tudo realmente funciona de acordo com o planejado no ano que vem.

O Facebook está trabalhando com 27 empresas parceiras. A Calibra, uma subsidiária do Facebook, lançará uma carteira Libra no Messenger, no WhatsApp e em um aplicativo independente em 2020.

Vamos tentar descobrir as respostas para algumas dessas grandes questões: quem será o público-alvo da Libra, o que a diferencia das opções atuais, o que isso significa para todos os grandes parceiros envolvidos, o que os reguladores farão e como ficam as questões de privacidade?

1. Quem é o público-alvo?

As empresas envolvidas — Facebook, Uber, Spotify, Visa e algumas dezenas de outros gigantes multinacionais que pagaram uma taxa de entrada de US$ 10 milhões — são tão grandes que, em última análise, devem estar levando em consideração o mundo inteiro.

Apesar disso, devemos ficar de olho na Índia. As duas metas declaradas imediatas do Facebook com a Libra são oferecer um sistema para os “sem banco” e possibilitar transferências de dinheiro com taxas baixas ou isentas em todo o mundo.

Os alvos mais óbvios para o novo empreendimento do Facebook são a Índia e países parecidos. O gigante da mídia social do Vale do Silício já tem uma grande importância na maior democracia do mundo: 200 milhões de indianos usam o WhatsApp — e podemos chamar o aplicativo de mensagens de segundo império global do Facebook. Uma carteira Libra será integrada ao WhatsApp — assim como no Messenger, além de ter seu próprio aplicativo independente.

A Índia lidera o mundo em remessas internacionais, segundo o Banco Mundial. Indianos espalhados pelo mundo enviaram US$ 80 bilhões de volta ao país em 2018. O Facebook vê uma oportunidade de fornecer transferências internacionais com taxas baixas ou isentas em países que veem uma grande quantidade de dinheiro atravessar fronteiras, especialmente com uma grande população de indivíduos sem banco que geralmente pagam tarifas exorbitantes.

“Para muitas pessoas no mundo todo, até mesmo serviços básicos financeiros ainda estão fora de alcance: quase metade dos adultos no mundo não possuem uma conta ativa em banco, sendo que esses números são maiores em países em desenvolvimento e ainda piores para mulheres. O custo dessa exclusão é alto – por exemplo, cerca de 70% dos pequenos negócios em países em desenvolvimento não conseguem ter acesso a crédito, e US$25 bilhões são perdidos todos os anos por migrantes em taxas para remessas de dinheiro.”

2. Qual a diferença da Libra para o PayPal, a Venmo ou a Western Union?

Se você quiser enviar dinheiro online agora, você tem várias opções. A oferta da Libra — que, devemos enfatizar, ainda precisa ser vista na prática — visa superar as opções existentes ao enviar dinheiro para qualquer lugar do mundo com taxas baixas ou nulas. Isso pode ser importante para empresas, pessoas com famílias espalhadas em outros países ou pessoas sem conta em banco que atualmente precisam pagar taxas exorbitantes para movimentar dinheiro.

A Libra pretende ser uma opção melhor do que a Western Union ou a Venmo (de propriedade do PayPal), oferecendo taxas baixas ou isentas. O objetivo, diz o Facebook, é “deixar você enviar Libra para praticamente qualquer pessoa com um smartphone, de maneira tão fácil e instantânea quanto você pode enviar uma mensagem de texto, e a custos baixos.”

O PayPal é parceiro da Libra e pode atualizar facilmente seus próprios aplicativos para oferecer a moeda digital quando ela for lançada, no ano que vem. Como o PayPal cobra taxas razoavelmente padronizadas, ele estará competindo consigo mesmo, de certa forma.

O PayPal e seus concorrentes atuais enviam euros ou dólares. Uma Libra, ao contrário, será baseada por um conjunto de moedas reais, mas será distinta delas e não estará exatamente atrelada a uma única moeda.

O valor inicial exato da moeda e a “cesta” de moedas que ela refletirá ainda não foram divulgadas, mas o objetivo final é fornecer uma moeda estável, fácil de entender e fácil de converter, que possa fazer o trabalho do dinheiro em qualquer país e além das fronteiras.

A Libra também é diferente pois ela não está sob responsabilidade de uma única empresa. Ele está espalhada entre um grupo de parceiros e, diz o Facebook, eventualmente será descentralizada para que qualquer um possa participar.

Como exatamente tudo isso vai funcionar é outra questão que continua em aberto, por motivos que abordaremos abaixo.

3. O que os parceiros ganharão?

Sejamos sinceros: 28 corporações multibilionárias — um grupo que chegará a 100 no ano que vem, segundo o Facebook — não se reúnem apenas por diversão. Então, por que tantas grandes empresas embarcaram neste projeto?

Os lucros funcionam assim: uma pessoa pagará US$ 1 para comprar Libra e usar como achar melhor. Esses US$ 1 ficarão em uma conta bancária, chamada de reserva — o que significa que a Libra, diferentemente de outras criptomoedas, será respaldada por um ativo real. Essa conta bancária renderá juros, que vão pagar os parceiros e investidores — juntos, conhecidos como Libra Association — que estão construindo a infraestrutura na qual a moeda digital viverá.

A ideia é que qualquer empresa possa se tornar um membro fundador da Libra, desde que atenda a alguns requisitos, incluindo US$ 1 bilhão de valor de mercado, 20 milhões de usuários por ano ou, de forma mais simples, um líder mundialmente reconhecido e enorme. É possível, então, que um Google ou uma Apple possam, teoricamente, embarcar.

O próprio Facebook vê muitas oportunidades em cima disso, particularmente no mercado publicitário, de onde vem a maior parte de seu dinheiro, e na construção de serviços sobre a plataforma Libra, como oferta de empréstimos.

Todas as maneiras pelas quais a Libra vai — ou não — gerar dinheiro continuam sendo uma das grandes questões não respondidas aqui.

4. Por que blockchain?

O WeChat é um aplicativo de popularidade mediana no Ocidente, mas na Ásia e entre os chineses que vivem em outros países, ele é um fenômeno. É um aplicativo de dinheiro, um aplicativo de bate-papo, um aplicativo de mídia social e uma ferramenta no tecno-autoritarismo de Pequim. Gigantes da tecnologia dos EUA há algum tempo buscam ansiosamente por ter a popularidade, a funcionalidade e a lucratividade do WeChat. O Facebook, com seu arsenal de aplicativos de massa, está em posição de construir um “super app” para o resto do mundo.

Existem algumas diferenças fundamentais. Vamos deixar de lado alguns pontos importantes — por exemplo, é certo que o Facebook não opera sob as rígidas leis de censura e vigilância da China — para falar sobre blockchain.

O blockchain é uma das palavras mais chatas que tanto agrada o Vale do Silício. Lamento informar, mas ele é mais do que apenas um truque de marketing. Ele é real e pode ser verdadeiramente útil. De acordo com os planos anunciados pelo Facebook, a Libra usará blockchain de uma forma que, em teoria, faz algum sentido real. Digo, em teoria, porque teremos que esperar para ver como as coisas serão na realidade.

A razão mais básica é que é uma tecnologia que permite controle descentralizado — mas o quão descentralizado será este controle é uma questão conjuntural e, no longo prazo, algo ainda em debate.

O primeiro projeto blockchain do Facebook é governado pela Libra Association, uma entidade sem fins lucrativos com sede em Genebra, na qual o Facebook não pode ter mais de 1% de poder de voto. O acesso aberto permite que qualquer pessoa participe sendo um usuário, desenvolvendo aplicativos para a Libra ou criando uma empresa a partir dele.

O Facebook diz que o blockchain Libra tem como objetivo ser “sem necessidade de permissão” (permitionless), de modo que qualquer possa se envolver na governança, manutenção e controle do sistema. Mas vai começar com necessidade de permissão, e não há realmente um roteiro para o objetivo final declarado de um blockchain permitionless — apenas a meta está lá.

O problema, afirma o Facebook, é que não há “solução comprovada que possa fornecer a escala, a estabilidade e a segurança necessárias para suportar bilhões de pessoas e transações em todo o mundo por meio de uma rede permitionless. Uma das diretrizes da associação será trabalhar com a comunidade para pesquisar e implementar essa transição, que começará dentro de cinco anos após o lançamento do blockchain Libra e do ecossistema”.

Jerry Brito, diretor executivo da organização de pesquisa de criptomoeda CoinCenter, expôs a potencial armadilha do incentivo perverso:

“Mesmo presumindo que a Libra resolva a governança da Reserva no blockchain (um grande desafio técnico)”, tuitou Brito, “a Reserva ainda vai precisar do nome de alguém nas contas bancárias. (Ainda não temos moedas do banco central). Presumivelmente, esta é a Associação. Talvez me falte a imaginação, mas não vejo como o controle da Reserva poderia ser descentralizado”.

E o fato é que o Facebook nunca deu a ninguém uma razão para confiar em suas promessas. Entramos em contato com o Facebook e atualizaremos, caso eles nos respondam.

5. O que os reguladores financeiros farão?

Esta pode ser a questão mais importante — e nós não temos uma resposta ainda. O que sabemos é que a Libra, sem dúvida, estará sujeita ao escrutínio dos reguladores em Washington D.C e de outros países ao redor do mundo.

A Europa tem liderado globalmente a regulamentação de tecnologia e privacidade. Por isso, vale a pena observar de perto a reação de Bruxelas. Reguladores franceses e alemães já se manifestaram sobre o novo projeto do Facebook, com preocupações centradas em privacidade, lavagem de dinheiro e financiamento de terrorismo.

Além disso, não temos certeza do que ou quando esperar dos reguladores que só agora começaram a analisar o projeto. O Facebook tomou medidas exclusivas para garantir que a Libra seja mais difícil para o crimes que o bitcoin, impondo regras de identidade aos usuários e cobrando uma pequena taxa sobre transações para impedir ataques de spam e de negação de serviço.

Também é provável que este novo grande projeto atraia a atenção daqueles que já estão pedindo que o Facebook seja dividido. No entanto, o Facebook criou a Libra de tal forma que a gigante da mídia social será apenas uma das muitas entidades responsáveis.

Mas estamos ainda no começo do projeto Libra e das investigações antitruste federais. Não está claro o que virá a seguir.

6. Como o anonimato será possível?

Facebook e privacidade. Que dupla, né?

Todo mundo tem dúvidas sobre como a privacidade funcionaria em uma moeda digital criada pelo Facebook. Como tudo que você leu até agora sobre a Libra, a empresa falou muito de metas, e não em fatos concretos — só saberemos isso quando a moeda for lançada. O que temos até agora é como o Facebook disse como irá funcionar.

A principal fonte de receita do Facebook é a publicidade. A empresa diz que não usará dados de pagamentos da Libra para segmentação de anúncios.

“É descentralizado — o que significa que funciona com diferentes organizações em vez de só uma, tornado o sistema mais justo no geral”, disse Zuckerberg em um post nesta terça-feira (18). “Está disponível para qualquer pessoa com conexão à internet, além de ter baixas taxas e custos. E é protegido por criptografia que ajuda a manter seu dinheiro seguro. Essa é uma parte importante de nossa visão de uma plataforma social focada na privacidade, na qual você pode interagir de todas as maneiras que deseja de forma privada, das mensagens até pagamentos seguros”.

Uma das características definidoras das criptomoedas é anonimato e pseudoanonimato. A Libra tem uma abordagem diferente. As especificidades ainda não foram anunciadas e talvez nem foram determinadas, mas o Facebook diz que usará “os mesmos processos de verificação e processos antifraude usados por bancos e cartões de crédito, e teremos sistemas automatizados que monitorarão proativamente a atividade para detectar e evitar comportamentos fraudulentos.” Isso significa que você provavelmente terá que mostrar uma identificação emitida pelo governo local para usar a Libra. Isso pode ou não contribuir para um produto melhor, mas certamente contribuirá para o tratamento mais amigável dos reguladores que analisarem a nova moeda.

Mas será suficiente? O Facebook tem sido mais lucrativo do que nunca, mas também enfrenta uma série de investigações relacionadas à privacidade e processos antitruste nos Estados Unidos e na Europa. A companhia teve vazamentos de várias formas e tamanhos no último ano, desde o escândalo da Cambridge Analytica até uma violação que impactou 50 milhões de contas.

Há uma monte de questões abertas, mas podemos ter certeza de pelo menos uma coisa. Enquanto o governo dos EUA avança com sua investigação antitruste sobre as gigantes do Vale do Silício, a Libra deverá ser assunto de muito debate.

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