
Fake Science: como se proteger da fraude científica disfarçada de verdade
A fraude científica, popularmente conhecida como “Fake Science”, se tornou um grande problema nas últimas décadas. Aliás, ela já envolveu milhares de “estudos” publicados em revistas científicas, removidas posteriormente por ocultar a verdade.
Um dos culpados são os “papers mills”: empresas que cobram para publicar revistas “científicas” fraudulentas ou falsas que se assemelham a pesquisas acadêmicas. Além disso, os “paper mills” também vendem autoria de pesquisas científicas.
Por exemplo, em maio de 2024, o ecologista Michael Bertram descobriu que sua identidade foi usada por outro pesquisador para produzir dezenas de artigos de “Fake Science” na revista Science. A Elsevier, editora responsável pela Science, abriu uma investigação que se tornou um escândalo na comunidade científica.
A investigação retirou 22 artigos científicos fraudulentos e descobriu que todos os detalhes de nomes falsos dos revisores acadêmicos foram submetidos por um brasileiro.
No entanto, não foi somente a Elsevier que sofreu com a propagação de “Fake Science” – e o movimento não vem apenas do Brasil. A investigação também revelou que um site russo disponibiliza a compra de autoria de artigos acadêmicos prestes a serem publicados.

Gráfico mostra o crescimento de publicações de Fake Science. Imagem: Science/Reprodução
Durante um período de dois anos, os investigadores encontraram cerca de 400 artigos de “Fake Science”. 100 dessas pesquisas foram publicadas em grandes revistas acadêmicas, como a Nature.
As investigações também identificaram que os artigos de “Fake Science” apresentavam enorme viés científico, um dos elementos que tornam a ciência fraudulenta.
Viés, publicação predatória, IA e pseudociência: entenda os elementos da ciência fraudulenta
Além disso, há também a publicação predatória. Geralmente, para publicar uma pesquisa acadêmica, o autor precisa pagar uma taxa à editora da revista.
A indústria de publicações acadêmicas é dominada por cinco empresas, incluindo a Elsevier e a Nature, que controlam mais de 50% do mercado, apesar de haver mais de 16 mil editoras. Para um cientista publicar um estudo na Nature, ele precisa pagar US$ 10 mil. No entanto, uma alternativa mais barata é a publicação predatória. Mas o preço tem suas consequências.
A publicação predatória, além de ser um modelo de negócios fraudulento, prioriza o lucro em vez da ética e qualidade da pesquisa. As taxas menores não oferecem a revisão acadêmica por pares e os serviços editoriais necessários.

Um estudo de 2024 para mostrar resultados de diferentes experimentos espelhou a mesma imagem de microscópio. Imagem: PubPerr (pesquisa removida)/Reprodução
A publicação predatória, além de explorar a necessidade de pesquisadores publicarem seus trabalhos, também dissemina “Fake Science”.
Além do viés, outras formas de “Fake Science” incluem a pseudociência e a manipulação de dados. Com o crescimento do acesso à inteligência artificial, a ciência enfrenta um problema para combater a “Fake Science”.
Segundo um levantamento da revista Nature, os “paper mills” já exploram modelos de linguagem de grande escala (LLMs) para evitar detecção de plágios e auxiliar na produção em massa de “Fake Science”.
Apesar de ser diferente da “Fake Science”, a pseudociência também contribui para deslegitimar o trabalho científico e contribuir para a desinformação.
Com a IA entrando no jogo, as chances do aumento de publicações de “Fake Science” são enormes. Por isso, o Giz Brasil preparou algumas dicas para evitar que você caia em conversa fiada, ou “Fake Science”, e também identifique pseudociências.
Como se proteger da “Fake Science”
1. Fique atento a afirmações sensacionalistas ou exageradas
Esta dica serve tanto para a pseudociência quanto para a “Fake Science”. O que é bom demais para ser verdade é, quase sempre, mentira. Curas milagrosas, remédios sem testes farmacológicos e outras soluções revolucionárias para problemas complexos merecem ceticismo.
A ciência verdadeira envolve resultados multifacetados e reconhece as limitações. Além disso, a linguagem é importante.
Descobertas científicas legítimas tendem a usar uma linguagem cautelosa. Por exemplo, “os resultados indicam” e “pesquisas posteriores são necessárias”. Desse modo, suspeite de quaisquer declarações absolutas.
2. Verifique a fonte
Como falamos acima, os “paper mills” e as publicações predatórias possuem reputações contestáveis. Se você é um leitor casual de pesquisas acadêmicas, busque trabalhos em periódicos com credibilidade.
O portal SciCheck foi fundado em 2015 para combater informações científicas falsas feitas para influenciar o público politicamente.
Também é importante checar as afiliações dos autores das pesquisas. Autores sem credenciais ou afiliações comprovadas estão diretamente ligados à “Fake Science”.
Além disso, verifique o financiamento da pesquisa. No passado, grandes empresas de tabaco financiavam pesquisas alegando que fumar não faz mal à saúde.
3. Busque pelo consenso científico
A ciência se cria com o tempo, ao contrário da pseudociência, que não depende de estudos sistemáticos em condições controladas. Por outro lado, a “Fake Science” se baseia em um ou dois estudos, geralmente financiados por “paper mills” em publicações predatórias.
Portanto, é necessário buscar mais evidências e um consenso entre cientistas do mesmo campo. Se uma pesquisa contradiz o entendimento científico sem evidências fortes o suficiente e citando múltiplas fontes, cuidado.
4. Atenção à metodologia e aos dados
Uma das melhores maneiras de descobrir viés em uma pesquisa científica é analisar os dados do estudo. Frequentemente, pesquisas de “Fake Science” usam dados fraudulentos. Busque por inconsistências, focando na metodologia e nos dados do estudo.
A ciência fraudulenta apresenta dados inconsistentes e improbabilidades estatísticas. Além disso, pesquisas de “paper mills” costumam ocultar detalhes sobre a metodologia, dificultando a reprodução dos resultados.
Se não dá para reproduzir, não é ciência.
5. Ferramentas e recursos úteis
Ao redor do mundo, surgem iniciativas para combater a “Fake Science”. E não estamos falando de investigações das grandes publishers, mas, sim, de ações da comunidade acadêmica.
Um exemplo é o Retraction Watch, site que monitora a remoção de artigos científicos e reporta casos envolvendo “paper mills”. Outras iniciativas incluem fóruns e comunidades online que se dedicam a combater “Fake Science”.
Essas comunidades possuem listas dos principais periódicos que publicam “Fake Science” e trabalham para expor casos fraudulentos.
6. Fogo contra fogo
Assim como a “Fake Science” usa a IA para aumentar o número de publicações fraudulentas, a inteligência artificial pode ser uma arma para combater a “Fake Science”.
Em janeiro deste ano, programadores criaram o GPTZero, um software que usa IA para detectar informações falsas em artigos científicos. No entanto, combater conteúdos gerados por IA é um desafio extremamente complicado.
Portanto, a última dica é: cultive o pensamento crítico. Não aceite informações sem questionar as fontes, evidências e, sobretudo, a possibilidade de viés.
Tenha a mente aberta, mas seja cético. Considere a possibilidade de aceitar informações novas, mas mantenha um nível saudável de ceticismo até a evidência se tornar convincente.
Por fim, entenda como funciona o processo científico: a ciência evolui com o tempo, novas evidências surgem e alteram os fatos.