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Desastre do imposto sobre combustíveis da França mostra que não podemos salvar a Terra ferrando os mais pobres

A França se transformou em um caldeirão borbulhante de agitação no último mês, com o chamado movimento dos coletes amarelos bloqueando estradas e saindo às ruas para protestar contra um imposto sobre o combustível. Os protestos da semana passada se tornaram violentos e, diante de uma crise, o governo de Emmanuel Macron anunciou na terça-feira […]

Getty Images

A França se transformou em um caldeirão borbulhante de agitação no último mês, com o chamado movimento dos coletes amarelos bloqueando estradas e saindo às ruas para protestar contra um imposto sobre o combustível. Os protestos da semana passada se tornaram violentos e, diante de uma crise, o governo de Emmanuel Macron anunciou na terça-feira que adiaria por seis meses o imposto.

O imposto visava combater a mudança climática e reduzir a poluição causada pelo carbono. Embora fosse provável que tivesse efeito, ele teria feito isso à custa das classes baixa e média rurais da França.

A revolta em massa contra o imposto não significa que esses grupos se oponham à ação climática, mas, sim, que Macron precisa incluí-los nas discussões sobre a melhor maneira de lidar com a mudança climática como parte de uma transição justa, algo com que o mundo em geral está lutando para conseguir lidar com as emissões de carbono.

Mais de 280 mil manifestantes vestiram coletes de segurança amarelos que os motoristas são obrigados a manter em seus carros e foram para as ruas de toda a França no último fim de semana. Os protestos surgiram organicamente por meio do Facebook e de outras plataformas de redes sociais e atravessam a divisão ideológica.

Seu foco tem sido, em grande parte, sobre a injustiça do imposto de combustível proposto por Macron, que teria aumentado os preços em € 0,029 por litro na gasolina sem chumbo e € 0,065 por litro no diesel. O aumento dos preços do petróleo fez com que os preços dos combustíveis aumentassem ainda mais, e esse era um dos piores momentos para propor tal imposto.

O governo francês passou anos promovendo o diesel, e o imposto teria aumentado ainda mais os gastos de muita gente que já luta para pagar as contas de combustível dos veículos que foram incentivados a comprar.

O dinheiro arrecadado também teria sido usado para combater o déficit nacional, agravado em parte pelas políticas do governo Macron, como a retirada de partes de um imposto sobre a riqueza. Em suma, o imposto sobre a gasolina foi uma solução tecnocrática sem qualquer eleitorado real, e os benefícios foram mal explicados, deixando-o aberto a críticas e protestos. Os coletes amarelos têm uma ampla base de apoio, com uma pesquisa recente mostrando que 72% do público francês simpatiza com a causa.

No entanto, a luta contra o imposto não é uma luta contra a política climática. “Não somos contra a ecologia, pelo contrário”, disse Benoît Julou, porta-voz do movimento dos coletes amarelos, em um programa da emissora France 3 na semana passada. Em vez disso, a luta mostra que qualquer medida que considere apenas os benefícios climáticos e seja feita de cima para baixo está fadada ao fracasso.

“Os governos precisam comunicar claramente por que a mudança é necessária em todos os setores da economia para limitar o aquecimento global e como planejam amortecer as implicações sociais e econômicas potencialmente negativas”, disse Alexander Reitzenstein, consultor de políticas do think tank europeu Third Generation Environmentalism (E3G), em entrevista ao Earther. “O governo francês não apresentou um plano confiável para compensar as famílias particularmente pobres. As famílias pobres são frequentemente as mais afetadas pelos preços mais elevados dos combustíveis, pelas contas mais altas de eletricidade ou pelos custos maiores para manter as casas aquecidas.”

Reitzenstein faz parte de um grupo cada vez maior de pesquisadores, legisladores e defensores de uma transição justa quando se trata de mudanças climáticas. Simplificando, essa é uma forma de garantir que as pessoas que trabalham na indústria de combustíveis fósseis ou em outras indústrias dependentes de combustíveis fósseis, bem como comunidades de baixa renda e desfavorecidas em geral, não fiquem de braços cruzados enquanto o mundo tenta controlar as emissões de carbono. Uma transição justa garante que criemos um mundo em que as pessoas queiram viver e em que as necessidades de todos sejam consideradas.

A Espanha recentemente ofereceu uma indenização para os mineiros de carvão, já que planeja encerrar a indústria até o final do ano. Uma transição justa é também um princípio central do Green New Deal proposto pela congressista eleita Alexandria Ocasio-Cortez, nos Estados Unidos. E é também tema das negociações sobre o clima deste ano na Polônia.

Reitzenstein, que está nas conversas, disse que os protestos franceses têm sido um “tópico quente” entre as salas de conferências e de reunião, com os delegados lutando com a necessidade de abordar a mudança climática da maneira mais justa possível.

Ivetta Gerasimchuk, pesquisadora do Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável, apontou as políticas da Indonésia que acabaram com os subsídios aos combustíveis em 2015 como um exemplo efetivo de como poderia ser a política de transporte.

“O presidente Joko Widodo incluiu a reforma dos subsídios em sua campanha eleitoral, explicando todos os benefícios que essas economias orçamentárias podem proporcionar”, disse Gerasimchuk ao Earther, observando que isso ocorreu em uma época de preços baixos de combustível. “Por meio dessa reforma, a Indonésia economizou US$ 15,6 bilhões e investiu em aumentos de orçamento para áreas-chave, incluindo transporte e outras infraestruturas e transferências para a aldeia.”

Isso ilustra alguns dos princípios essenciais que Gerasimchuk disse fazerem parte de políticas climáticas justas, incluindo a comunicação clara dos benefícios, o envolvimento com as comunidades e a construção de um amplo apoio.

Macron poderia encarar isso como uma via para construir um novo imposto sobre a gasolina, mas, em última análise, seu governo precisa realmente ouvir as pessoas nas ruas. E essas vozes estão falando mais alto sobre as questões estruturais mais amplas na França, muitas das quais são encontradas em todo o mundo desenvolvido, associadas a políticas neoliberais que levaram a desigualdade a uns dos níveis mais altos da história moderna.

A crescente disparidade também significa que os 10% mais ricos do mundo emitem 50% da poluição por carbono, chamando a atenção para quem deve pagar mais para lidar com a mudança climática.

“Uma transição justa e uma política climática ambiciosa são duas faces da mesma moeda, não há escolha de fazer apenas a transição ou a ambição climática”, disse Reitzenstein.

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