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A controvérsia das franquias na internet fixa nos EUA tem boas lições para o Brasil

Uma operadora nos EUA aumentou a franquia mensal para 1 TB, mas isso só aconteceu devido a dois fatores: regulação e concorrência.

A operadora Comcast domina 26% do mercado americano de banda larga fixa, e começou a testar limites mensais de 300 GB em algumas regiões dos EUA. Uma reportagem mostrou que isso fez as reclamações com a FCC (equivalente americana à Anatel) envolvendo franquias saltarem em nove vezes.

A empresa resolveu lidar com a reação negativa aumentando a franquia mensal para 1 TB, mas isso só aconteceu devido a dois fatores: regulação e concorrência. Este caso pode servir de referência para o Brasil, por diversos motivos.

>>> Por que somos contra as franquias no serviço de banda larga fixa
>>> A franquia na internet fixa dos EUA mostra os problemas que teremos no Brasil

Apesar de os EUA terem dezenas de provedores de internet fixa, eles nem sempre competem entre si. Por exemplo, neste mapa que o Consumerist preparou em 2014, fica claro que diversas áreas de Minneapolis e St. Paul estão basicamente restritas à Comcast:

A Charter está presente na cidade, mas só compete com a Comcast em áreas bem pequenas (em vermelho). Este problema se repete em outras cidades, como Boston e Los Angeles.

Mais concorrência

Isso deve mudar em breve. A Charter (que detém 6% da banda larga fixa) vai comprar a Time Warner Cable (com 15% desse mercado), mas a aquisição precisa ser aprovada pelas autoridades reguladoras.

Uma das condições é que a Charter/TWC avance em novos mercados para aumentar a concorrência. Este mapa do ExtremeTech mostra como a TWC raramente atua nas mesmas cidades que a Comcast, algo que pode mudar em breve.

A outra condição é que ela não poderá impor franquias de dados por sete anos. Ou seja, tendo a opção entre a Charter (sem franquia) e a Comcast (com franquia), os clientes provavelmente iriam migrar em massa.

Por isso, um analista diz ao Washington Post que a nova medida da Comcast não é por bondade: “se eles não fizessem isto, os clientes irritados acabariam deixando a empresa, indo para uma concorrente”. Daí o limite mensal de 1 TB, que menos de 1% dos clientes estouram na Comcast.

No entanto, quem quiser internet ilimitada agora terá que pagar mais US$ 50 por mês; antes, isso custava entre US$ 30 e US$ 35. (Também é possível pagar US$ 10 por cada 50 GB adicionais.)

Problemas das franquias

Ainda assim, as franquias mensais são controversas. A própria Comcast diz que mais e mais clientes estouravam o limite antigo de 300 GB com o passar dos anos: em 2013, eram 2% dos clientes; em 2015, eram 8%. À medida que tecnologias como streaming em 4K e realidade virtual se tornam mais populares, a demanda por dados – e o volume de clientes estourando a franquia – vai aumentar.

A Comcast também é conhecida por superestimar o consumo de dados dos clientes. Reclamações feitas à FCC mostram que a operadora já começa a contagem com 1 GB a 2 GB no início do mês; disse que um cliente consumiu 271 GB, quando o roteador com FreeBSD marcava apenas 147 GB; e acompanhou o consumo do cliente errado devido a um erro de digitação – ele tirou o modem da tomada, ficou só na internet móvel, e a Comcast disse que ele consumiu 6 GB nesse período.

E temos o problema fundamental: a Comcast já reconheceu que o objetivo das franquias não é evitar congestão na rede – elas são uma decisão de negócios, não de engenharia.

Ela quer uma compensação pelos custos de levar internet aos clientes, mas segundo a CCG Consulting, esses custos são basicamente fixos (grifos nossos):

Como os provedores compram acesso à internet? Elas fazem isso com dois componentes de custo – transporte e largura de banda.

O transporte é o custo de levar a largura de banda de um dos principais POPs [pontos em que um provedor se conecta a outros] até um mercado. Pelo tamanho da Comcast, ou ela tem presença física direta em cada grande POP, ou ela tem acordos com alguma operadora local. Devido ao seu tamanho, eu tenho que imaginar que o custo por megabit da Comcast com transporte é menor do que qualquer outra empresa na indústria – talvez com exceção da AT&T, que é uma das proprietárias da estrutura de internet.

… para a Comcast, este custo por cliente tem que ser minúsculo. E o custo é fixo. Depois de comprar o transporte para um mercado, não importa quanta banda você insere através do tubo. Portanto, este custo não aumenta devido ao uso dos clientes.

O outro custo é comprar a conectividade de fato com a internet… Geralmente, quanto mais você compra, mais barato fica. Mais uma vez, imaginamos que a Comcast paga muito pouco em relação aos meus clientes devido ao seu enorme tamanho…

A coisa interessante sobre esta estrutura de preços é que o provedor paga o mesmo, todos os dias do mês, quer os clientes estejam usando dados ou não. O custo para a Comcast não mudaria se um cliente, ou mesmo todos os clientes em uma cidade, usassem mais dados, desde que esse uso não ultrapasse a velocidade contratada pelo provedor.

Em termos de contabilização de custos, isto significa que a largura de banda de internet também pode ser considerada como um custo fixo. Não há nada que qualquer cliente, ou mesmo um grupo grande de clientes, pode fazer para mudar o custo da largura de banda da Comcast.

E no Brasil?

Este caso pode servir de guia para a discussão das franquias no Brasil. Nós precisamos ampliar a infraestrutura e a concorrência na internet fixa, especialmente em cidades pequenas onde só há uma operadora.

Além disso, precisamos saber o real impacto financeiro nas operadoras se as franquias não forem implementadas. E a Anatel deveria ser capaz de proibir franquias de determinadas operadoras, ou em determinadas cidades – no momento, há apenas a resolução nº 614/2013, que prevê limites de consumo.

Acima de tudo, a Anatel deveria tomar uma posição ativa nesse debate, em vez de apenas dizer que elas são permitidas e deixá-las acontecer. As franquias na internet fixa brasileira serão discutidas pelo conselho diretor da agência, e estão suspensas por tempo indeterminado no país.

[Comcast – Washington PostArs Technica]

Foto por reynermedia/Flickr

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