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Fungo que já matou milhares de pessoas agora também é resistente a diversos medicamentos

Pela primeira vez, os pesquisadores afirmam ter descoberto cepas multirresistentes do fungo Candida auris em um ambiente natural.

Uma cepa de Candida auris sendo cultivada em uma placa de Petri em um laboratório do CDC. Crédito: Shawn Lockhart (AP)

Uma assustadora levedura que está matando pessoas em hospitais também pode sobreviver muito bem fora deles, de acordo com um novo estudo divulgado na terça-feira (16). Pela primeira vez, os pesquisadores afirmam ter descoberto cepas multirresistentes do fungo Candida auris em um ambiente natural, nos remotos pântanos da Índia. As descobertas indicam que esse tipo de ambiente pode ser o lar nativo da levedura, ao mesmo tempo que fornece evidências de que o aumento das temperaturas devido às mudanças climáticas recentemente tornou o fungo perigoso para os humanos, como alguns cientistas teorizaram.

O C. auris foi descoberto pela primeira vez em 2009 por médicos no Japão, que o isolaram da infecção de ouvido de um paciente (os primeiros casos conhecidos datam de meados da década de 1990, no entanto). Desde então, a levedura foi encontrada em mais de uma dúzia de países, incluindo o Brasil. Ela pode causar infecções potencialmente fatais, especialmente em pacientes hospitalizados e que já estão debilitados. Mas o que torna a levedura especialmente assustadora é que muitas vezes ela é resistente a vários medicamentos antifúngicos ao mesmo tempo, tornando essas infecções difíceis de tratar e frequentemente fatais.

O fungo também sobrevive fora do corpo humano, então, uma vez estabelecido em algum lugar, é incrivelmente difícil removê-lo do meio ambiente. Como se isso não bastasse, o C. auris não pode ser identificado facilmente por meio de testes convencionais, o que pode atrasar o atendimento e aumentar o risco de morte.

Houve apenas cerca de 1.600 casos de infecção por esse fungos identificados nos Estados Unidos desde 2009, mas ele é considerado uma das ameaças germinativas emergentes mais sérias que enfrentamos hoje. No Brasil, o primeiro caso foi notificado pela Anvisa em dezembro do ano passado.

O novo estudo, publicado na mBio na terça-feira, parece fornecer as primeiras pistas reais sobre esse fungo misterioso.

Pesquisadores na Índia e no Canadá procuraram nichos ambientais da Índia amplamente isolados de humanos que poderiam ser habitáveis ​​para a levedura, com base em sua biologia conhecida e de espécies relacionadas. Eles coletaram amostras de solo e água dos pântanos costeiros das Ilhas Andaman, um arquipélago não muito longe do continente.

Em dois dos oito locais que eles pesquisaram – um pântano salgado e uma praia arenosa – eles encontraram o fungo. A equipe encontrou cepas de C. auris que eram suscetíveis e resistentes a antifúngicos, e elas tinham uma grande semelhança genética com cepas coletadas de pacientes na Índia.

No geral, o artigo sobre o C. auris sugere que “antes de seu reconhecimento como um patógeno humano, ele existia como um fungo ambiental”, escreveram os autores.

Em comparação com outras espécies de Candida, o C. auris é conhecido por se desenvolver especialmente bem em temperaturas mais quentes. Isso fez alguns pesquisadores se perguntarem se as mudanças climáticas desempenharam um papel em seu surgimento como um germe humano. A teoria argumenta que as alterações no clima em seu ambiente natural levaram a levedura a se adaptar ligeiramente e a se tornar ainda mais tolerante a temperaturas mais altas – o tipo exato de temperatura que tornaria os humanos e outros mamíferos um lar confortável, uma vez que a levedura começasse a entrar em contato regularmente conosco.

As novas descobertas parecem adicionar mais peso a essa teoria. Além de mostrar que esses fungos podem e vivem fora das pessoas, a equipe identificou diferenças sutis entre as amostras que encontraram. Uma cepa de levedura do pântano salgado mais remoto demorou mais para crescer sob temperaturas mais quentes do que as encontradas na praia arenosa e em outro pântano salgado; essa cepa também foi a única suscetível a antifúngicos comuns e menos relacionada às variantes vistas em humanos.

Enquanto isso, as outras cepas eram todas resistentes a antifúngicos e mais adaptadas ao calor. As variantes encontradas na praia, que é frequentada por pessoas, podem ter sido reintroduzidas no ambiente por humanos, o que poderia explicar por que estavam mais relacionadas às cepas encontradas nos pacientes.

É possível que os pesquisadores tenham essencialmente coletado retratos da jornada evolutiva da levedura, antes e depois que as mudanças climáticas começaram a alterar sua biologia e elas infectaram pessoas pela primeira vez. Em um comentário complementar escrito por alguns dos pesquisadores que propuseram esta teoria pela primeira vez — Arturo Casadevall da Johns Hopkins, Dimitrios Kontoyiannis do MD Anderson Cancer Center da Universidade do Texas e Vincent Robert do Westerdijk Fungal Biodiversity Institute na Holanda –, eles concordaram com essas conclusões.

“Esta descoberta marcante é crucial para a compreensão da epidemiologia, ecologia e surgimento do C. auris como um patógeno humano”, escreveram eles.

Em um comunicado divulgado pela American Society For Microbiology, que publica a mBio, a autora principal Anuradha Chowdhary, uma micobiologista médica da Universidade de Delhi, na Índia, disse: “Este estudo é o primeiro passo para entender como esse patógeno sobrevive nas zonas úmidas, mas este é apenas um nicho.”

As descobertas ainda se limitam a um estudo, portanto, por si só, não provam que as mudanças climáticas introduziram esse pesadelo mais recente em nossas vidas, conforme apontado pelos próprios autores. E ainda há muito a ser estudado sobre como e de onde o C. auris saiu da natureza para entrar em nossos hospitais, sem falar na questão principal: há algo que possa ser feito para impedir sua disseminação?

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