O gelo da Groenlândia já não consegue mais lidar com verões quentes

Uma equipe de cientistas adverte que a combinação de um padrão climático naturalmente recorrente e o aumento das temperaturas está provocando um derretimento drástico no manto de gelo da Groenlândia, problema que os pesquisadores comparam aos recentes eventos globais de branqueamento de corais, que foram impulsionados pelo impacto do El Niño e da mudança climática. […]
NASA

Uma equipe de cientistas adverte que a combinação de um padrão climático naturalmente recorrente e o aumento das temperaturas está provocando um derretimento drástico no manto de gelo da Groenlândia, problema que os pesquisadores comparam aos recentes eventos globais de branqueamento de corais, que foram impulsionados pelo impacto do El Niño e da mudança climática.

A pesquisa, publicada na segunda-feira (21) no periódico Proceedings of the National Academies of Sciences, examinou o manto de gelo da Groenlândia de 2003 a 2016, usando dados coletados pelo satélite GRACE (Gravity Recovery and Climate Experiment), da NASA, e por uma rede de estações de GPS.

Ao longo de uma década, os cientistas documentaram uma aceleração de quatro vezes na massa de gelo perdida na Groenlândia, de 102 bilhões de toneladas por ano em 2003 para 393 bilhões de toneladas por ano em 2013. Então, de repente, algo fez com que a Groenlândia desse uma pausa. As perdas de gelo quase pararam por 12 a 18 meses, antes de voltarem a acelerar.

Segundo os pesquisadores, esse algo foi a Oscilação do Atlântico Norte (NAO, na sigla em inglês) — um ciclo atmosférico natural que influencia o clima em uma ampla região à medida que oscila entre positiva e negativa. As fases positivas da NAO trazem temperaturas mais frias do que a média para a Groenlândia, enquanto as fases negativas estão associadas a verões mais quentes e menos nevascas, particularmente no oeste da Groenlândia. De 2003 a 2013, a NAO virou cada vez mais negativa, uma tendência que os pesquisadores encontraram mapeada intimamente com uma aceleração na quantidade de água de degelo que flui do sudoeste da Groenlândia. Em seguida, a NAO foi breve e drasticamente positiva, coincidindo com a pausa na perda de gelo, antes de mergulhar novamente no negativo.

Isso é importante por algumas razões. Em primeiro lugar, a sensibilidade da Groenlândia à NAO realça a vulnerabilidade do gelo a uma ligeira elevação da temperatura do ar, uma descoberta com claras implicações no momento em que o Ártico está se aquecendo incrivelmente rápido.

Mas, além disso, a pesquisa mostra como um ciclo que ocorre naturalmente combinado com o aquecimento causado pelo homem está provocando grandes perdas de gelo atualmente.

“Essas oscilações têm acontecido desde sempre”, disse o autor principal Michael Bevis, da Universidade Estadual de Ohio, em um comunicado. “Então, por que só agora elas estão causando este derretimento enorme? É porque a atmosfera é, na sua base, mais quente. O aquecimento transitório impulsionado pela Oscilação do Atlântico Norte estava montando em cima de um aquecimento global mais constante.

Os pesquisadores fazem a analogia com a forma como os efeitos do El Niño —uma oscilação climática natural em que águas mais quentes do que a média no Pacífico equatorial influenciam o clima em todo o mundo — se acumularam sobre o aquecimento global nos oceanos, com consequências desastrosas para os recifes de corais do planeta. Os eventos globais de branqueamento de corais em 1998, 2010 e 2016 coincidiram todos com os anos do El Niño, mas, como os cientistas de recifes de corais disseram repetidamente, esses eventos também trazem impressões digitais da mudança climática.

O El Niño simplesmente não tinha o poder de cozinhar recifes em todo o mundo sem o aumento da temperatura global. O mesmo pode ser verdade agora para os anos de NAO negativas e os pulsos de gelo derretem na superfície da Groenlândia.

Esse não é o primeiro estudo recente a destacar a situação precária do gelo do nosso planeta. Um outro publicado na revista Nature em dezembro de 2018 mostrou que as taxas de derretimento na superfície da Groenlândia aumentaram nos últimos anos e advertiu que uma “resposta não linear” ao aumento da temperatura do ar no verão fará com que o derretimento acelere ainda mais no futuro. Se todo o gelo da Groenlândia derreter — um cenário que soa extremo, mas que pode ter acontecido em um passado não muito distante —, os níveis do mar global subiriam quase 7,6 metros.

As geleiras de montanhas também estão desaparecendo. No oeste dos Estados Unidos e no Canadá, esses pedaços de gelo pequenos mas significativos em termos regionais estão derretendo quatro vezes mais rápido do que uma década atrás, segundo um estudo publicado na semana passada no periódico Geophysical Research Letters. Então, no fundo do mundo, temos o mais impressionante — quase 61 metros de elevação do nível do mar global trancados nas frígidas terras baldias da Antártida Oriental, esperando pelo derretimento. Um estudo publicado na semana passada na Nature sugeriu que mesmo essa fortaleza congelada está começando a enfraquecer.

Ainda temos tempo para evitar que um cenário de derretimento dos pesadelos se desenrole, mas a constante batida de tambores de estudos que mostram as paisagens geladas da Terra no limbo nos lembra que o relógio está correndo.

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