_Gizmodo

Giz 5 anos: Como a internet mudou o conceito de poder nos últimos cinco anos

Irã, 1979. Protestos contra o Xá Mohammad Reza Pahlavi tomam conta das ruas da capital e uma tecnologia de última geração é usada para incitar os manifestantes: a fita cassete. Com sermões proibidos espalhados por meio das fitas, o Aiatolá Khomeini conquistou os corações e mentes dos iranianos na luta pela deposição da monarquia. Exatamente […]

Irã, 1979. Protestos contra o Xá Mohammad Reza Pahlavi tomam conta das ruas da capital e uma tecnologia de última geração é usada para incitar os manifestantes: a fita cassete. Com sermões proibidos espalhados por meio das fitas, o Aiatolá Khomeini conquistou os corações e mentes dos iranianos na luta pela deposição da monarquia. Exatamente trinta anos depois, a tecnologia voltou a ter papel fundamental na organização e na repressão dos protestos que surgiram no Irã após suspeitas de fraudes nas eleições presidenciais de 2009. E, um ano depois, as redes sociais ajudaram a impulsionar a série de manifestações no Oriente Médio, que ficou conhecida como Primavera Árabe.

“A nova era da informação e as novas mídias fazem parte de um importante novo elemento de poder”, afirma, em entrevista ao Gizmodo Brasil, Joseph Nye, professor da Universidade de Harvard, criador da teoria do “soft power” e um dos responsáveis pelo conceito de neoliberalismo. Segundo Nye, os custos da produção da informação tiveram uma queda drástica, o que acabou afetando a política e os grupos no poder. “Instituições e organizações, incluindo partidos políticos tradicionais, ficaram enfraquecidos. Por outro lado, a capacidade que um grupo de cidadãos tem para se organizar aumentou”, explica Nye, que aponta como resultado deste processo as manifestações no Oriente Médio, no Brasil e também nos Estados Unidos, com movimento Occupy Wall Street.

Com os cidadãos mais conectados, a forma de fazer política nos últimos anos também mudou. O financiamento de campanha por meio da internet foi um sucesso na primeira eleição de Barack Obama, em 2008, e as redes sociais viraram ferramentas poderosas para manter uma conversa mais direta com o eleitor, inclusive nas últimas eleições aqui no Brasil. “A internet e as mídias sociais foram responsáveis por um salto de qualidade nas campanhas”, afirma o professor Robert Shrum, professor da New York University e consultor político do Partido Democrata dos Estados Unidos entre 1972 e 2004.

Mas, ao mesmo tempo que a internet é um novo elemento de poder e o cidadão tem mais força para lutar contra o Estado, este mesmo Estado também usa a internet para vigiar e fiscalizar a vida do cidadão com mais rigor. Informações sigilosas divulgadas pelo Wikileaks contra governos e empresas, por exemplo, podem constranger e derrubar políticos. Por outro lado, agências de inteligência de governos e até empresas monitoram todo tipo de comunicação que é feita pela internet e até por telefone, colocando o conceito de privacidade em xeque.

Tecnologia para revolução

Quando as primeiras informações de que o vendedor Mohamed Bouazizi havia ateado fogo no próprio corpo em protesto contra o governo da Tunísia começaram a circular, uma onda de manifestações tomou conta do país. Além do estopim causado pela autoimolação de Bouazizi, as informações de corrupção entre políticos da Tunísia divulgadas um mês antes também contribuíram para a revolta popular.

Os protestos na Tunísia eram organizados pelas redes sociais e as informações e vídeos eram publicados rapidamente por telefones celulares. A primeira providência tomada pelo então presidente tunisiano, Ben Ali, foi bloquear alguns sites e páginas específicas do Facebook. Não demorou muito para que blogueiros e manifestantes com perfis ativos nas redes sociais começassem a ser detidos, segundo relatório da ONG Repórteres Sem Fronteiras.

Apesar das tentativas do governo da Tunísia de frear o avanço das informação nas redes sociais, os protestos continuavam crescendo e, quatro semanas após o início das manifestações, o então presidente Ben Ali não resistiu e foi deposto após comandar o país com mão de ferro por 24 anos.

A Tunísia foi o primeiro de uma série de países do Oriente Médio a registrar uma revolta popular intensamente organizada e documentada por meio das redes sociais, um movimento que ficou conhecido como Primavera Árabe. Entre esses países estão a Líbia, a Síria, o Iêmen, a Jordânia e o Bahrein. Mas o caso mais emblemático é o do Egito, que já teve dois presidentes depostos desde 2010 por conta dos protestos – Mohammed Morsi (jun/2012 – jul/2013) e Hosni Mubarak (out/1981 – fev/2011).

“Percebemos que a internet consegue mobilizar as pessoas para ‘protestos relâmpagos’ ou manifestações. É o que vimos no Oriente Médio e em países como Brasil, Turquia e até Estados Unidos, durante o Occuppy Wall Street”, afirma o professor Joseph Nye. Ele ressalta, no entanto, que o poder da internet não acabou com o poder tradicional. “Veja o papel do Exército no Egito desde o início das manifestações”, diz.

Apesar de a internet ter papel importante nos protestos recentes registrados ao redor do mundo, é impossível afirmar com certeza que essas manifestações não aconteceriam se as redes sociais não existissem. “A diferença das fitas cassete de Khomeini para o Twitter e as outras tecnologias de hoje é a velocidade de propagação. Mas as mídias sociais são só instrumento, não são o fim em si mesmo. As ideias é que são importantes”, afirma o professor Gunther Rudzit, coordenador do curso de pós-graduação em Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco.

Um novo tipo de campanha

Ao contrário dos protestos ao redor do mundo, é fácil afirmar que a internet e as mídias sociais promoveram uma pequena revolução nas campanhas eleitorais nos últimos cinco anos, especialmente após a primeira campanha presidencial de Barack Obama, em 2008. “Obama estava inventando a política do século 21 enquanto seus adversários ainda estavam em algum lugar nos anos 50”, afirma, em entrevista ao Gizmodo Brasil, Robert Shrum, que já foi consultor político de nomes como Jimmy Carter, Ted Kennedy e Al Gore.

Não é de hoje que a tecnologia pode definir uma eleição. Em 1960, o primeiro debate presidencial televisionado nos Estados Unidos foi crucial para a vitória de John F. Kennedy, que apareceu confiante, com seu visual de playboy hollywoodiano, ao lado de um trêmulo e abatido Richard Nixon.

Hoje, a TV ainda é importante, mas a internet passou a ter papel fundamental na construção da imagem de candidatos, na mobilização de partidários e na arrecadação de fundos de campanha, principalmente durante a campanha à presidência dos Estados Unidos de 2008, em que concorreram Barack Obama e John McCain.

Naquela disputa, o até então pouco conhecido Barack Obama investiu de forma inédita na internet e, ao contrário do modo tradicional de levantar fundos para a campanha, Obama apostou em uma rede de pequenos doadores pela web que, juntos, fizeram com que o candidato batesse recorde de recursos disponíveis para propaganda. “A base de doadores de pequenos valores que Obama angariou por e-mail, Facebook e Twitter deu a ele uma vantagem financeira muito grande sobre McCain, em 20098, e conseguiu reduzir a vantagem financeira que Mitt Romney havia conseguido com doações de grandes investidores de Wall Street”, explica Robert Shrum.

A campanha de Obama também inovou ao montar uma rede social de simpatizantes do candidato para mobilizar novos eleitores e atingir um público jovem que até então se interessava pouco por política. Além disso, o então candidato soube aproveitar os memes surgidos na web, como o pôster criado por Shepard Fairey e o clipe de ‘Yes We Can’, para alavancar sua popularidade.

Aqui no Brasil, a política também mudou nos últimos cinco anos. Nas eleições municipais de 2008, o portal iG promoveu o primeiro debate entre candidatos feito exclusivamente para a internet. Na mesma eleição surgiu o famigerado boneco de animação Kassabinho, provavelmente o primeiro meme político feito para atingir o público da web.

Mas foi em 2010, durante as eleições presidenciais, que o uso da internet para campanhas foi feito com mais intensidade por aqui, mobilizando principalmente o Twitter e os blogs de política. A internet, no entanto, parece ser usada apenas nos momentos de campanha, uma vez que os políticos “somem” quando eleitos. Dilma Rousseff, por exemplo, prometeu “conversar muito mais em 2011”, ficou mais de dois anos sem tuitar nada após garantir a vitória, e ressurgiu recentemente, fazendo tabelinha com o seu fake @DilmaBolada, já de olho nas eleições de 2014.

Por conta da legislação eleitoral brasileira, a internet ainda não é campo de muitas inovações, como o sistema de doações pela internet de Barack Obama, mas a interação massiva no Twitter nas últimas eleições indica que no próximo ano teremos uma invasão de candidatos nas redes sociais, desta vez no Facebook.

Robert Shrum, que foi consultor político em quatro eleições presidenciais perdedoras (Al Gore, John Kerry, Bob Kerrey e Michael Dukakis), alerta que a tecnologia sozinha não faz milagres na política. “A tecnologia não vai predominar se não houver uma mensagem efetiva. A mensagem é o mais importante. Obama conseguiu definir a mensagem nas duas eleições: em 2008, ele lançou a ideia da mudança. Em 2012, ele se colocou como homem do povo em contraste com a postura de elite do adversário”, explica Shrum.

 O fim da privacidade

Além de impulsionar revoltas pelo mundo e mudar a maneira de fazer política, a tecnologia também tem papel central nas questões de quebra de sigilo e diminuição de privacidade nos último cinco anos. E isso não é uma coisa totalmente negativa, porque, ao mesmo tempo em que nossos dados pessoais – e-mail, conversas telefônicas, conexões em redes sociais – são analisados sabe-se lá por quem, as informações sigilosas sobre ações de governos e grandes corporações também estão cada vez mais abertas.

Os documentos vazados ao longo dos últimos anos pelo WikiLeaks, por exemplo, mostram que informações confidenciais de governos e empresas estão ameaçadas. Entre os arquivos mais importantes já publicados pelo grupo fundado por Julian Assange estão os documentos com evidências de crimes de guerra no Afeganistão e no Iraque e a série de telegramas diplomáticos enviados de embaixadas americanas.

As mensagens trocadas entre embaixadas americanas e o Departamento de Estado do país revelaram o modo de operar da diplomacia americana e ainda deixaram escapar algumas fofocas de bastidores, como o relatório que apontava Dmitri Medvedev, presidente da Rússia, como sendo o “Robin para o Batman de Putin”, então premiê russo. Mas os telegramas também traziam informações sérias, como os relatos de corrupção no governo da Tunísia que, como já citamos, impulsionaram as revoltas no país.

Por outro lado, a privacidade de cidadãos comuns nunca esteve tão desprotegida. Segundo Joseph Nye, “a redução dos custos de armazenamento de grandes volumes de informação e os avanços no poder de processamento de dados ameaçam diretamente a privacidade das pessoas”.

O maior escândalo de invasão de privacidade em massa de cidadãos comuns surgiu de informações sigilosas vazadas (que surpresa!) por Edward Snowden, um ex-prestador de serviços da CIA, a agência de inteligência dos Estados Unidos. Snowden revelou que o governo americano montou um avançado sistema para monitorar conversas telefônicas, trocas de e-mails e até as buscas feitas na internet, com a conivência de empresas como Facebook, Microsoft, Google, Yahoo! e Apple. Segundo as informações reveladas por Snowden, o programa de espionagem batizado de PRISM daria a agentes da Agência Nacional de Segurança (NSA) dos EUA acesso aos servidores dessas empresas.

Após as revelações de Snowden, o governo americano justificou o programa de espionagem como fundamental para a segurança nacional, e o diretor da NSA, James Clapper, afirmou que a agência apenas monitora cidadãos de outros países. “O argumento para justificar espionagem é o da segurança nacional, mas a tecnologia pode estar sendo usada para espionagem diplomática e é muito provável que esteja sendo usada para espionagem econômica e industrial”, afirma Gunther Rudzit.

“O problema é que terrorismo e ameaças à segurança criam um efeito negativo na opinião pública. Quando as pessoas estão inseguras, elas concordam em abrir mão da privacidade”, afirma o professor Joseph Nye. O professor ressalta, no entanto, que pesquisas recentes de opinião pública mostraram que o nível de preocupação da população americana sobre a perda de privacidade é o mais alto desde os atentados de 11 de Setembro. “A falta de privacidade vai aumentar, mas ainda é possível colocar alguns limites por meio de leis ou da opinião pública”, afirma Nye.

Os iranianos descobriram essa lição ao longo dos anos. A tecnologia que ajudou a fazer a revolução em 1979 acabou colocando no poder um regime que, quando questionado, 30 anos depois, restringiu o acesso à tecnologia e usou a internet e as redes sociais para caçar ativistas e reprimir manifestações. Tecnologia nunca é neutra, no final das contas.

Acompanhe a cobertura completa dos 5 anos de Gizmodo: clique aqui! Foto via AP.

Sair da versão mobile