[Giz Explica] EUA vs. Apple: a disputa judicial sobre o cartel de e-books

Em abril de 2012, o Departamento de Justiça (DOJ) americano entrou com ação antitruste contra a Apple e cinco das seis maiores editoras de livros nos EUA. Eles acusam as empresas de formarem cartel nos preços de e-books, aumentando-os e igualando-os entre revendedoras diferentes. O processo começou a ser julgado este mês, e é a […]

Em abril de 2012, o Departamento de Justiça (DOJ) americano entrou com ação antitruste contra a Apple e cinco das seis maiores editoras de livros nos EUA. Eles acusam as empresas de formarem cartel nos preços de e-books, aumentando-os e igualando-os entre revendedoras diferentes.

O processo começou a ser julgado este mês, e é a última peça a se resolver neste caso dos e-books – as editoras já fizeram acordo com o DOJ. No julgamento, altos executivos revelaram dados até então confidenciais, e o caso deve continuar até semana que vem. Eis o que aconteceu até o momento.

A Apple foi acusada de ajudar a fixar preços mais altos para e-books…

Há alguns anos, a Apple quis entrar no mercado de e-books. Seria um ótimo complemento para o iPad, ainda não lançado.

Mas já havia um grande oponente na área: a Amazon. Ela chegou a ultrapassar 90% de participação nos EUA vendendo e-books a preços abaixo do custo, construindo uma loja com o melhor conteúdo, e fornecendo o melhor e-reader do mercado. É quase o mesmo que a Apple fez na indústria da música com o iPod e iTunes.

Como ela poderia desafiar a Amazon? É isso que o Departamento de Justiça americano quer saber: o órgão acusa a Apple de fazer conluio com cinco das seis maiores editoras nos EUA. De acordo com o DOJ, Steve Jobs e Eddy Cue teriam convencido as editoras a mudar de estratégia, igualando – e aumentando – o preço dos e-books para toda revendedora.

Dessa forma, a Amazon não poderia vender livros com desconto; a Apple teria um catálogo semelhante; e, de quebra, ainda teria um dispositivo pronto para ler e-books – o iPad. Assim, a Apple poderia reduzir a participação da concorrente.

…o que, apesar de certos indícios, a empresa nega…

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A Apple nega que tenha feito algo de errado. Ela diz que “rompeu o domínio monopolista da Amazon na indústria dos livros”, e afirma que as editoras agiram de forma independente ao adotar o “modelo de agência”: ou seja, decidir que o preço dos e-books seria fixado pela editora, não pela livraria.

No entanto, há indícios de que isso não é verdade. A juíza Denise Cote, que negou o pedido da Apple para desconsiderar o caso, diz não acreditar. Por um século, as editoras permitiram que livrarias fixassem o preço dos livros; mas de repente, e ao mesmo tempo, cinco delas resolvem mudar para o modelo de agência? E o próprio Steve Jobs disse a seu biógrafo:

Nós dissemos às editoras: “Vamos para o modelo de agência, onde vocês definem o preço, e nós teremos os nossos 30%, e sim, o cliente paga um pouco mais, mas isso é o que vocês querem mesmo”.

Os advogados da Apple dizem que Jobs estava fazendo uma “previsão”; críticos entendem isso como uma confissão.

… e está respondendo na Justiça por isso, o que pode arriscar sua imagem…

O processo judicial começou no dia 3, e deve durar três semanas. O Departamento de Justiça não pede indenização, mas exige que o tribunal reconheça que a Apple fez um contrato ilegal, e obrigue a empresa a não repetir isso. No entanto, a empresa pode ser obrigada a pagar indenização para mais de 30 estados americanos.

O maior dano para a Apple, no entanto, seria de imagem. Depois da polêmica envolvendo a quantidade de impostos que ela paga, isso seria mais um problema na relação entre Apple e o governo americano. E a empresa mais valiosa de tecnologia não pode se dar ao luxo de irritar o governo americano.

… em um processo que envolve altos executivos…

O DOJ acusa quatro executivos da Apple de firmar acordo com as cinco editoras: Steve Jobs, Eddy Cue, Keith Moerer e Kevin Saul.

No tribunal, Eddy Cue – responsável por criar o iTunes e consertar o MobileMe/iCloud e Apple Maps – disse que “sentia uma pressão enorme” em fechar acordo com as editoras. Ele diz que, inicialmente, Jobs não estava interessado na iBookstore, porque não tinha um dispositivo adequado para leitura: a tela do iPhone é pequena, e os Macs estão longe de serem livros.

Isso mudou quando Jobs experimentou o iPad, que poderia ser “o melhor e-reader que o mercado já tinha visto”. Isso era em novembro de 2009; Cue precisava fechar todos os acordos até janeiro, quando o iPad foi lançado.

O que fazer? Eddy Cue acabou revelando algo que podem comprometer a Apple. Ele disse que, incialmente, discutiu um plano com Jobs para oferecer um acordo à Amazon: saia do mercado de música, e nós não entraremos no mercado de e-books – o que seria considerado anticompetitivo e ilegal. A proposta nunca foi feita.

A alternativa foi uma cláusula garantindo que a Apple poderia igualar o preço de cada e-book ao menor disponível na concorrência. Kevin Saul disse no tribunal que a Apple ofereceu contratos quase iguais para cada editora, porque a empresa lida de forma justa com terceiros, sejam grandes ou pequenos. Mas se a Amazon continuasse a vender e-books por US$9,99, a Apple faria o mesmo e ainda levaria 30% disso – e as editoras perderiam dinheiro. Por isso elas adotaram o modelo de agência.

Quem saiu ganhando com isso foi a Apple. Keith Moerer revela que a empresa tem 20% do mercado americano de e-books, conquistado logo após lançar sua iBookstore em 2010; o percentual se manteve desde então. Eddy Cue reconhece, no entanto, que os acordos da Apple fizeram o preço dos e-books aumentar.

… e ganhou ares de Apple vs. Amazon…

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Os advogados da Apple passaram a defender a tese de que a Amazon iria adotar o modelo de agência antes.

O testemunho de Russell Grandinetti, executivo da Amazon, parece contradizer isso. Ele disse que as cinco editoras deram um ultimato para a empresa: ou aceitava não dar desconto em e-books, ou só receberia lançamentos sete meses depois da concorrência.

David Shanks, CEO da Penguin Books, disse em testemunho que não teve muita escolha após assinar o contrato com a Apple: se eles obrigassem a Apple a manter certo preço, teriam que fazer isso para todo mundo. Isso inclui a Amazon, que “gritou, berrou e ameaçou” quando a Penguin disse que adotaria o modelo de agência.

Mas quando a Amazon enfim cedeu, eles exigiram os mesmos termos da Apple: um documento que a empresa lutou para não ser divulgado, ela requer comissão de 30% nas vendas, níveis e limites de preço, e a cláusula que permite reduzir o preço caso um concorrente o faça.

… enquanto as editoras já entraram em acordo com o DOJ…

O processo antitruste foi aberto em abril de 2012, e não envolvia só a Apple: as cinco editoras envolvidas no “modelo de agência” também foram acusadas. No entanto, elas foram rápidas em propor e chegar a acordos extrajudiciais:

  • Hachette e HarperCollins em abril de 2012;
  • Simon & Schuster em maio;
  • Penguin em dezembro;
  • e Macmillan em fevereiro de 2013.

Aparentemente, o acordo não envolve compensação financeira. O DOJ exige que as editoras cancelem contratos – inclusive com a Apple – que impeçam revendedoras de oferecer desconto; e proíbe, por dois anos, que contratos do tipo sejam firmados. Dessa forma, empresas como Amazon e Barnes & Noble podem reduzir o preço de seus títulos, assim como a Apple.

… e os preços dos e-books já voltaram a baixar.

Em 2010, a era dos e-books a US$ 9,99 parecia ter acabado: pouco a pouco, as editoras romperam com a Amazon e instituíram preços padronizados de US$ 12,99 e 14,99. Depois da ação do DOJ, elas voltaram ao modelo antigo: as revendedoras podem oferecer desconto nos e-books. Assim, a Amazon viu suas vendas de e-books crescerem 70% em um ano.

Ou seja, parece que o DOJ conseguiu em boa parte o que queria – só falta sair o julgamento da Apple. O processo deve continuar até a semana que vem.

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