Giz Explica: como realmente fazer café
Ei, galera, bom dia. Nada melhor do que começar uma segunda-feira falando sobre aquilo que nos acorda. No entanto, você provavelmente faz o seu café – como a maioria das pessoas – da maneira mais insípida possível: usando uma cafeteira que você enche com café pré-moído comprado no supermercado. Certo? Existem milhões de outras maneiras de fazer café e elas são todas melhores.
Eis uma dica sobre o preparo de café: as melhores maneiras são as supersimples ou as ultra geek. O meio termo – ou seja, a sua máquina de infusão por gotejamento – produz a mediocridade. E, lá de onde eu venho, mediocridade se soletra m-e-r-d-a. O que há de universal de todo bom método de preparo de café é que há bastante controle e consistência rolando. De fato, consistência é o molho secreto no preparo de um ótimo café. Mas temos aqui algumas coisinhas antes de chegarmos sequer à parte que você provavelmente acha que é “fazer café”. Estes são os elementos básicos, independente do vodu que você invoque no preparo do seu café: os grãos, a torrefação, a moagem, a dosagem, a água, a temperatura e o tempo de infusão.
Compre-os frescos, compre-os inteiros, compre-os de forma sustentável. E isso é tudo o que há por trás disto. Bom, quase tudo, pelo menos. Se você é um bebedor de café forte e escuro, está na hora de diversificar. Ken Nye, dono do Ninth St. Espresso, um estabelecimento líder no cenário do café de Nova York desde 2001, explica assim: você pega um belo pedaço de prime rib, que está carregada de sabores complexos. Como você vai cozinhá-lo? Só um tapinha, para preservar toda esta complexidade, ou você vai queimá-la todinha? Não tem nada de errado com as pessoas que gostam de um pedaço de carne bem-passado, mas poxa, estas pessoas estão curtindo mais a defumação do que a carne em si. O mesmo rola com alguns dos incríveis cafés que as pessoas estão servidas agora por empresas como Intelligentsia, Stumptown e Counter Culture – elas tendem a torrar de pouco a médio usando equipamentos mais antigos para permitir que o sabor de verdade do café transpasse. Torrá-los até ficarem superescuros é uma bela maneira de ocultar o que está acontecendo com o grão (de bom e de ruim).
Não tem como contornar essa parte: se você curte café, você precisa moer os grãos logo antes de prepará-lo. Assim que estão moídos, os óleos dentro dos grãos ficam expostos ao ar e os milhares de diferentes compostos de sabores que estão dentro começam a definhar. Cara, café é um lance frágil.
A moagem é o processo primordial para todo o resto que acontece depois. De fato, David Latourell, antes da empresa Coffee Equipment Company e atualmente da Intelligentsia, diz que a coisa número um que as pessoas podem fazer para “mudar o mundo” quando se fala de café é consertar esta situação da moagem. Se a moagem é zoada, todo o resto também o será. A uniformidade é a chave do segredo, caso contrário você obtém uma extração desigual, o que significa um café medíocre. E a única maneira de conseguir esta uniformidade é com uma boa mó.
Os moedores de lâminas mutilam os grãos de café e o calor causado pela fricção detona toda a química, então nem pense nestes. Uma mó pulveriza os grãos em vez de retalhá-los. No entanto, só porque é uma mó não quer dizer que é um bom moedor. Você precisa de uma que seja eficiente e que execute a moagem lentamente, caso contrário você estará introduzindo fricção e calor no processo, o que corromperá o café. Geralmente, isto significa uma mó cônica em vez de uma plana. Enquanto você consegue boas mós por míseros 50 dólares (preços dos EUA), tanto Ken quanto David dizem que você precisaria gastar pelo menos uns 150-200 dólares para um bom moedor caseiro – em particular, David recomenda o Baratza Virtuoso, uma mó cônica que custa uns 200 dólares (o moedor comercial do Ken, aquele da foto acima, custa uns 3000 dólares). Parece uma quantidade insana de dinheiro para um simples moedor, mas se você pretende fazer café seriamente em casa, é por aqui que você deve começar. Felizmente, este é equipamento mais caro que você precisará comprar.
Beleza. Vamos passar para a infusão, da mais simples à mais mirabolante.
Uma jarra Chemex é uma das maneiras mais simples de se preparar café. É sério. Você coloca um filtro de papel sobre uma garrafa, joga o café moído e jorra água sobre ele. Entretanto, existe toda uma arte por trás disto. Assim como todo método de preparar café, não existe uma dosagem, tempo de infusão ou temperatura perfeita para todo café – depende do tipo de café e, é claro, do seu gosto, e é aí onde mora a arte – mas a Intelligentsia tem uma bela cartilha básica para se começar (PDF, em inglês). (No entanto, 93ºC é uma boa temperatura a se usar, difícil de errar.) Eles também têm um vídeo tutorial prontinho. Além da jarra Chemex de 35 dólares, você precisa de filtros de papel Chemex (não, os filtros vagabundos não servem porque a trama do papel é uma bosta). Algo a se procurar em um bom filtro é uma textura boa e nivelada, como vemos na imagem acima (assim o café se infla no filtro conforme você jorra a água). O resultado final é um copo de café leve e superlimpo, onde todas as qualidades são salientadas de forma bastante evidente.
Prensa francesa
A prensa francesa, apesar de totalmente não-tecnológica como a jarra Chemex, produz um café que é praticamente uma completa antítese do limpinho do Chemex: ele é mais forte, mais encorpado, um pouco menos definido, mas é também muito mais rico. Uma boa prensa Bodum começa a uns 30 dólares, mais ou menos. O café aqui deve ser moído um pouco mais grosso para que as partículas sejam maiores. felizmente, existe outro vídeo para auxiliá-lo no processo. Duas coisas a se enfatizar, diz Ken: quando você empurra o êmbolo para baixo ao final da infusão, vá com calma e devagar. Quanto mais embebido fica o café, mais sensível ele fica, então é melhor você não agitá-lo muito descendo com tudo o êmbolo. Além disso, quando tiver terminado a infusão, jorre para fora todo o café. Não o deixe descansar, você precisa tirá-lo de lá o quanto antes. (imagem via jilliansvoice/Flickr)
A cafeteira a vácuo parece que saiu direto de um conjunto de química – ou laboratório de anfetaminas – e não é sem motivo: você não vai querer experimentá-la. David explica que ela talvez seja a maneira mais exigente de se preparar café – ela “requer habilidade” e uma incrível xícara de café preparada com uma destas pode ser “enganoso”. No entanto, é um conceito irado. Você tem duas câmaras conectadas por um tubo. A água é fervida aquecida na câmara de baixo até subir para a câmara de cima, onde o seu café estará lá esperando. Daí rola a infusão. Daí você tira da fonte de calor (seja lá o que você estiver usando) e o café é sugado de volta para a câmara de baixo – por vácuo, meu caro – deixando a borra lá em cima e uma puríssima xícara de café embaixo.
Daí tem a cafeteira Moka. O que faz dela especial é que ela usa a pressão do vapor para infundir o café e você pode usá-la no seu fogão, usando café quase tão finamente moído quanto o espresso, mas não tão moído. Novamente, uma ideia bem simples com um par de câmaras conectadas por um tubo. Tem-se a câmara base, cheia d’água, no qual você insere um filtro com formato de funil repleto de café. Comece a ferver a água e a pressão do vapor começará a forçar a água pelo filtro (e pelo pó do café, por conseguinte) na câmara superior. Ou seja, é mais ou menos um percolador (máquina de fazer café) e até há um debate sobre isto ser ou não um verdadeiro bule percolador por causa da maneira como ela usa a pressão do vapor. No entanto, você precisa tomar cuidado para que não fique muito quente, senão você destroça o café. O tutorial do Gimme Coffee para fazer café com cafeteira Moka é muito bom de se acompanhar e as cafeteiras variam de 25 a 50 dólares, dependendo do tamanho (isso lá fora; aqui os preços são um tanto mais salgados). (kanaka/Flickr)
Infusão a frio ou sistema Toddy
Nunca ouviu falar da infusão a frio? É assim que se faz café frio, não jogando gelo no seu café preparado normalmente, método que resulta em uma abominação azeda e repugnante. Bem, todos os métodos dos quais falamos (e ainda falaremos após este) para se fazer café envolve água quente e um tempo de infusão relativamente curto. A infusão a frio é a abordagem lenta: o pó de café não-refinado é colocado sobre água a temperatura ambiente por 12 a 24 horas, dependendo do café. O que se resulta é excepcionalmente suave, com a maior parte da acidez – e alguns diriam complexidade – eliminada, então ele é bebível, como uma Bud Light. A maneira “oficial” – e, suponho, a mais fácil – de se fazer café por infusão a frio é usando o sistema Toddy de 40 dólares, que recebe o crédito de ter começado toda esta onda de infusão a frio, mas você consegue prepará-lo de maneira mais barata.
AeroPress
Não podemos deixar de fora o AeroPress, que prepara uma xícara supersuave de café com uma infusão e tempo de extração superveloz. Além disso, o aparato é barato, menos de 30 dólares. É basicamente uma seringa gigante. O pó do café (ligeiramente mais fino que no gotejamento) é colocado em um tubo com um filtro de papel no fundo, que então é colocado sobre qualquer coisa onde você queira que o café saia. Após adicionar água quente e o café se encharcar, um êmbolo é inserido e empurrado para baixo, forçando o café já infundido a passar pelo filtro. E puxa, veja só, mais um tutorial do Gimme.
Tá, é agora que vou derrubar todos os alicerces do seu mundo. A máquina de café por gotejamento que você tem em casa e no seu escritório é a da esquerda nesta imagem acima? Então é uma bosta. Você se lembra lá no início quando eu disse que a consistência é a chave para um bom café? Uma temperatura consistente é crucial e a maior parte das máquinas por gotejamento não consegue proporcionar isso. Na verdade, elas não conseguem nem proporcionar a temperatura correta. 93ºC é a temperatura de ouro para se infundir café e a maior parte destas máquinas tem um máximo de uns 82ºC, o que não é quente o suficiente para uma extração adequada. Além disso, elas provavelmente encharcam o pó de maneira desigual, o que torna o café ainda pior. De fato, tanto Ken quanto David dizem que a única máquina por gotejamento que é capaz de fazer isso direito é a da Technivorm (à direita na imagem acima), que de fato atende aos padrões de temperatura da Special Coffee Association of America. Mas as máquinas da Technivorm não são baratas, girando em torno de 200 dólares. Foi mal, galera.
Sabe de uma coisa? Vamos acabar logo com isso: é impossível fazer um espresso incrível na sua casa. A menos que você gaste algo como 7500 dólares em uma máquina de espresso de uma empresa como a La Marzocco. Por quê? Consistência. Temperatura. Pressão.
Por maior e mais assustadora que pareça uma máquina de espresso, novamente devo dizer que o básico não é muito complicado de se entender: ela usa a pressão para forçar a água através de uma conchinha de café finamente moído. O que fica dentro desta caixa gigante é um sistema de caldeira – ou dois – que aquece a água que passa pela conchinha e alimenta o sistema de vapor, além de um motor para forçar a água passar com um certo grau de pressão, assim o café é rapidamente extraído com todos aqueles “belos óleos” sobre os quais o Ken adora falar, isso se a dose de espresso é extraída habilmente. Ele deve ser denso, rico e coroado com uma espuma de aparência deliciosa por cima que se chama crema.
Máquinas menos fodonas não são tão boas nos dois ingredientes mais importantes com os quais uma máquina de espresso trabalha: temperatura e pressão. Pra começar, boas máquinas comerciais têm pelo menos dois sistemas independentes de caldeira, um para o café, outro para o vapor. Jacob Ellul-Blake, do departamento de P&D da La Marzocco, me disse que, no passado, antes da caldeira de infusão e da caldeira do vapor serem separadas, tinha-se um problema quando você lançava vapor no leite porque a pressão do vapor dentro da máquina caía, fazendo com que a temperatura da água caísse também, já que temperatura e pressão são proporcionais – fazendo com que se extraísse espressos não-tão-excelentes. Assim, uma boa máquina mantém uma temperatura constante. Máquinas incrivelmente high-end têm um controle superpreciso da temperatura, algo da ordem de décimos de um grau. Isso porque o sabor é afetado com uma variação de temperatura de apenas 0,25ºC (entraremos mais a fundo nisso em um futuro post). Quanto à pressão, a maior parte das máquinas caseiras simplesmente não consegue proporcionar a pressão de 8-9 bar necessária para uma boa extração.
Ou seja, quando falamos de espresso, se você deseja excelência, você basicamente precisa se resignar a ir a uma cafeteria. Eles terão os equipamentos – e, com sorte, as habilidades de barista – que você dificilmente algum dia terá. Mas isso não é algo ruim. David relata da seguinte maneira: é como a diferença entre cozinhar em casa e comer fora. Você consegue fazer sozinho uma deliciosa refeição (analogia pro café: Chemex ou prensa francesa), mas você provavelmente não conseguirá fazer bolas de sorvete cobertas com biscoitos usando nitrogênio líquido, e não tem nada de errado nisto.
A Clover era a queridinha do mundo do café até a Coffee Equipment Company ser comprada pela rede Starbucks. Tudo feito a mão, em torno de 250 delas foram feitas antes da Starbucks chegar arrasando. Em essência, a Clover é maneira nerd de jorrar água no café com parâmetros precisamente – digitalmente – controlados que são repetidos todas as vezes, assim você consegue extrair a mesma totalmente excelente xícara de café vez após outra, ou você pode sair experimentando com mais rigor, cuidadosamente mexendo em um elemento por vez.
O ponto principal da Clover é o seguinte: você coloca o seu pó de café em uma câmara, que é preenchida com uma quantidade precisa de água na exata temperatura que você programar (com 0,5ºC de variação, para mais ou para menos) durante o exato tempo de infusão que você programar. Quando estiver pronto, o café é retirado da câmara pelo vácuo formado quando o pistão é empurrado de volta pra cima com o motor potente da Clover – capaz de erguer 160kg – com a borra deixada na parte de cima graças ao seu filtro de 70 mícrons. O resultado é uma xícara límpida – aficionados por café adoram xícaras assim – e expressiva, apesar de não tanto quanto no método Chemex. Mas é isso que a engenharia de café de 12 mil dólares lhe rendem.
Estes não são exatamente todos os métodos de se preparar café – é sério, tem milhões deles, como o CafeSolo ou o gotejamento em cerâmica – mas estes são os principais que definitivamente valem a pena conhecer (ou, dependendo do caso, esquecer). Mas, no geral, se você procura mudar o jeito que você faz na sua casa, o Chemex ou a prensa francesa são as maneiras ideais. Se você realmente está a fim de dar uma de geek sobre café, tenha fé, porque ainda nem começamos, então fique ligado.