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Google quer se livrar das acusações de monopólio com um programa de US$ 1 bi para o jornalismo

Depois de críticas por monopolizar grande parte da publicidade na internet, Google vai oferecer US$ 1 bi em três anos para empresas de mídia.

Foto: Justin Sullivan/Getty Images

Depois de passar a maior parte da última década sufocando as fontes de renda da indústria de mídia digital, o Google está finalmente recebendo as devidas críticas. Mais e mais pessoas estão percebendo que o monopólio da empresa sobre a publicidade digital é um dos culpados por trás de um número impressionante de demissões em massa na imprensa. Os reguladores estão percebendo que esse domínio digital pode constituir um sério problema antitruste. Tudo isso junto significa uma enorme dor de cabeça para o Google. A empresa, porém, acha que pode resolver os problemas com apenas uma coisa: um pagamento decente.

A mais recente tentativa da empresa de recuperar a boa vontade entre os editores é uma parceria de três anos e bilhões de dólares que vai para o produto mais novo da empresa, o Google News Showcase. O CEO Sundar Pichai revelou o Showcase em um blog post da empresa nesta quinta (1º), prometendo que destacaria a “curadoria editorial de redações premiadas”, ao mesmo tempo que ajudaria essas redações a manifestar “relacionamentos mais profundos” com seus leitores.

O Showcase está estreando no aplicativo independente do Google Notícias para Android — os usuários do iOS vão receber a novidade “em breve”. Como o nome indica, o aplicativo começará literalmente a “mostrar” as principais matérias do dia como um carrossel no resumo diário personalizado do aplicativo.

Junto com as manchetes, o carrossel mostrará resumos da matéria em questão, artigos relacionados e mais coisas. E de acordo com o post de Pichai, recursos semelhantes de demonstração estão programados para vir para o feed do Google Discover e mecanismo de pesquisa “no futuro”.

Gráfico: Google/Getty Images

Eu sei, parece muito com qualquer aplicativo para ler notícias. Mas Pichai quer que você acredite que o Showcase — que está sendo testado com cerca de 200 “publicações importantes” no Canadá, na União Europeia e na América Latina antes de um lançamento mais amplo no futuro — não é apenas notícias. É o futuro das notícias:

O modelo de negócios para jornais — baseado em anúncios e receita de assinaturas — vem evoluindo há mais de um século, e o público já se voltou para outras fontes de notícias, incluindo rádio, televisão e, posteriormente, a proliferação da televisão a cabo e do rádio via satélite.

O subtexto aqui é que o Google possui uma parte de cada parte desses ecossistemas que Pichai mencionou. Quando começamos a recorrer aos podcasts para obter mais notícias, o Google ajustou seus sistemas de veiculação de anúncios para acomodar anúncios de áudio hiper-direcionados. Quando começamos a receber mais notícias por meio de nossos televisores inteligentes, esses sistemas também começaram a adotar recursos de segmentação por televisão. E quando autoridades forçaram o Google a dar aos editores uma parcela maior de seu dinheiro de publicidade, a empresa provou que não descarta abandonar seus próprios produtos de notícias em retaliação.

Com o anúncio do Showcase, o Google parece ter a impressão de que dar aos editores uma nova embalagem brilhante para as matérias e chamá-la de uma “abordagem distinta” é o suficiente para nos distrair — e distrair também os reguladores — das maneiras como seu modelo de negócios parece estar engolindo todas as fontes de notícias diante de nossos olhos.

A comissão que o Google normalmente cobra de um determinado editor parceiro é um segredo bem guardado, mas no ano passado a empresa abriu essa caixa preta um pouquinho para revelar que os editores geralmente ganham cerca de 69 centavos para cada dólar que um anunciante gasta em seu site.

De acordo com a própria página de suporte do Google que descreve sua plataforma voltada para editores, a empresa fica com uma fatia ainda maior das matérias que podem aparecer no mecanismo de busca do Google, com apenas 51% voltando para o editor em questão.

E, naturalmente, para as pessoas que querem pagar para apoiar seus sites de notícias locais, a empresa pede a seus editores parceiros que deem aos leitores a opção de assinar com sua conta do Google, prometendo-lhes que a tecnologia normalmente oferece um sério aumento no número de assinaturas. Mas quando esses leitores assinam por meio desse sistema, a empresa fica com 30% do dinheiro no primeiro ano e 15% para todos os anos depois disso.

Embora não possamos calcular sozinhos o que o Google pode estar ganhando com a indústria de mídia em geral (embora algumas pessoas tenham tentado), sabemos quanto o Google lucrou com a publicidade recentemente: documentos de 2019 para investidores de sua empresa controladora, a Alphabet, relatam que O Google obteve uma receita de cerca de US$ 98 bilhões naquele ano com anúncios de “buscas e outros”.

Pense nisso em comparação com o que está sendo oferecido aos editores: US$ 1 bilhão, que dividido em três anos dá um pouco mais de US$ 333 milhões por ano. Isso não é apenas uma gota no enorme balde de dinheiro do Google, mas é improvável que vá para onde é mais necessário. Enquanto o blog post de Pichai sobre o Showcase promete que esta soma será direcionada a editores de “alta qualidade” para que eles possam exibir seu conteúdo de “alta qualidade”, os dois maiores gigantes da publicidade de nosso tempo — Google e Facebook — provaram que não entendem o que isso realmente significa.

Em 2019, a guia de notícias dedicada do Facebook colocou as matérias do Breitbart entre as consideradas de alta qualidade e confiáveis. Sites focados em LGBTQ que usam as ferramentas do Facebook ou do Google para ganhar um dinheiro e bancar seu funcionamento descobriram que suas matérias foram erroneamente sinalizadas como pornográficas ou obscenas e desmonetizadas — ou eventualmente fechadas — como resultado.

O mesmo vale para os veículos voltados para leitores negros ou latinos, uma vez que os anunciantes tendem a considerar qualquer história envolvendo conversas sensíveis sobre raça ou imigração como muito “polêmica” para suas marcas — e para seu dinheiro. São esses pequenos detalhes burocráticos que, ao longo do tempo, resultam em perdas enormes (ou afastamentos por período indefinido) para as publicações envolvidas.

Eu poderia continuar aqui, mas em vez disso, vamos dar uma olhada nas observações finais de Pichai sobre o anúncio do Showcase, quando ele chama a mídia digital de “a última mudança” na maneira como consumimos nossas notícias:

A internet tem sido a mudança mais recente e certamente não será a última. Ao lado de outras empresas, governos e sociedades civis, queremos fazer nossa parte ajudando o jornalismo do século 21 não apenas a sobreviver, mas também a prosperar.

O tipo de truque que o Google está usando aqui e no exterior não aponta para uma empresa que quer que o jornalismo prospere e ponto final. Ele aponta para uma empresa que deseja prosperar nas costas dos jornalistas e quer que esses jornalistas recebam o pagamento insignificante que ela está oferecendo em troca. Pessoalmente, acho que merecemos mais do que isso.

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