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Histórias de terror quem trabalha na Apple Store

A fachada luminosa e agradável de uma Apple Store quase sempre esconde coisas estranhas, segundo funcionários atuais e antigos. Laptops cheios de pornografia, polícia da positividade e uma fiscalização pesada contra fofocas: bem-vindo à Apple Store de verdade. Depois do artigo publicado pelo Wall Street Journal sobre a cultura das Apple Stores, nós procuramos algumas […]

A fachada luminosa e agradável de uma Apple Store quase sempre esconde coisas estranhas, segundo funcionários atuais e antigos. Laptops cheios de pornografia, polícia da positividade e uma fiscalização pesada contra fofocas: bem-vindo à Apple Store de verdade.

Depois do artigo publicado pelo Wall Street Journal sobre a cultura das Apple Stores, nós procuramos algumas pessoas de dentro, pedindo para mandar-nos mais alguns detalhes e histórias coloridas sobre o ofício de empurrar os pedaços de metal caros do Steve Jobs. Publicamos aqui uma seleção dessas histórias.

Os empregados estão proibidos, por exemplo, de dizer a palavra “unfortunately” (“infelizmente”) quando estiverem dando más notícias a um cliente. A instrução é substitui-la pela mais positiva expressão “as it turns out” (algo como “acontece que”). E a gerência leva a sério essa proibição: um ex-empregado nos contou que um colega seu foi suspenso por 90 dias porque ele disse “infelizmente” com muita frequência no Genius Bar.

Acontece que “infelizmente” é apenas uma das palavras proibidas, que nunca devem passar pela boca de um funcionário da Apple Store. Um ex-funcionário, que foi demitido em 2009 depois de dois anos de serviço, escreve:

Tem uma aula inteira que nós temos que assistir, sobre coisas que não podemos dizer, e o que dizer em vez daquilo. Uma das minhas favoritas era resistir ao impulso de dizer “Isso é idiota” ou “Isso não foi inteligente”, e substituir por “Isso não é recomendado”. Por exemplo, se você chegar dizendo “Levei meu iPod para nadar e agora ele não funciona mais”, eu vou ter que dizer “Ah, isso não é recomendado”, quando eu adoraria dizer “Isso foi muito idiota”.

Ah, e problemas não são “problemas”. São “questões”, ou “incidentes”. (“Issues”, em inglês.)

A lavagem cerebral linguística de estende às relações entre a gerência e os empregados. Um ex empregado que trabalhava na Apple store de Nova York diz:

Os gerentes recebiam instruções para usar palavras-chave e frases específicas quando falassem com a gente. Por exemplo, “eu te procuro” (“I’ll reach out to you”) era uma boa. Eu frequentemente era “procurado” para comparecer a reuniões obrigatórias da loja. Melhor ainda era a frase “que perguntas vocês têm?”, em vez de “vocês têm alguma pergunta?”. Eles usam a primeira porque ela supostamente soa mais aberta e convidativa a perguntas, mas eu só achava que aquilo soava decorado. E eles usavam bastante no programa de treinamento. Eu perguntei a respeito e recebi um discurso sobre como se comunicar com outros.

Considerando o tipo horrível de coisa que os empregados precisam aturar dos clientes, imaginamos que deva ser difícil manter a postura. Outro empregado da Apple Store, que ficou dois anos trabalhando como suporte técnico e se demitiu há menos de dois meses, conta:

A quantidade de pornografia que eu vi em transferências de dados foi insana. Uma vez um cara ganhou um detrator porque um cliente culpou A NÓS pelo fato de que, quando as nossas ferramentas transferiram os dados do seu computador antigo e colocaram as fotos no iPhoto, tinha montes de pornografia gay nelas. Ela nem sequer cogitava acreditar que podia ser coisa do seu marido de 70 anos. Sim, madame, nós colocamos pornografia nos seus troços por diversão, madame. Não, eu vi pessoas sendo demitidas só por OLHAR para os álbuns de fotos dos clientes, para ter certeza de que tudo havia sido transferido corretamente. Não estava nem tentando ver os arquivos pessoais da pessoa, só fazendo o seu trabalho e se certificando de que tudo havia sido transferido certinho (porque os clientes ficam putos se percebem algo faltando).

Mesmo quando se deparam com iPhones banhados em vômito ou iMacs infectados com baratas (ambos supostamente encontrados por um mesmo funcionário), os Genius da Apple precisam agradar o cliente acima de tudo, ou se deparam com o temível status de “detrator”.

A Apple acompanha o que eles chamam de “promotores”, “passivos” e “detratores”. O sistema manda um email para os clientes que marcaram horário com a gente, pedindo uma avaliação. Basicamente, eles respondem algumas perguntas, mas a única que volta para nós é a “satisfação geral”. A Apple espera um 9 ou 10 de cada interação. Se você ganha um 7 ou 8 é ruim, é um passivo. Menos que isso é um detrator, o que automaticamente significa uma conversa com a gerência. Isso era algo que era usado para negar promoções e aumentos, ou demitir pessoal. O pior é que completamente arbitrário. Eu já tive clientes que me amaram e agradeceram pelo meu atendimento (porque eu os tratei com respeito), depois me deram um 6 porque outro empregado deu alguma informação errada em outra visita.

Falar mal de clientes problemáticos na hora do intervalo é uma importante e amada tradição no ramo varejista, mas na Apple Store, se os empregados reclamarem entre si dos seus clientes, eles podem se dar mal. “Os funcionários não têm nenhum canal para extravasar sobre um emprego tão estressante”, nos conta um ex-empregado que acabou de ser demitido:

Se você falar mal de alguma interação com cliente ou sobre um colega, e um empregado particularmente “vestidor de camisa” ouvir, você provavelmente será reportado a um supervisor. Eu não lembro mais de quantas vezes eu e os meus colegas fora levados à sala do gerente para conversar sobre por que éramos tão “negativos” e o que faríamos para corrigir isso.

Quase todos os empregados ou ex-empregados que nos mandaram emails estavam preocupados com represálias de uma Apple que valoriza demais as coisas que mantém em segredo, e quiseram se manter anônimos. (Muitos mencionaram Acordos de Não-Divulgação ainda ativos.) Segundo vários dos funcionários, a Apple tem uma equipe que monitora sites e fóruns de discussão, procurando por “fofocas” de funcionários atuais e antigos.

Mas nem todos os que nos enviaram emails tinham histórias de terror para compartilhar. Como nos contou um empregado contente e feliz:

Todos esses funcionários que reclamam devem ter gerentes ruins. Eu adoro a minha loja e não tenho absolutamente nenhum problema lá. Ganho o adequado para um técnico em uma loja de varejo em um shopping. Meu horário geralmente é um saco, mas, bem, eu trabalho no varejo.

Eu fui certificado pela Apple em consertos de hardware e aparelhos móveis, DE GRAÇA. Voei para Cupertino de graça e ganhei US$ 100 diários de alimentação. Quem vai reclamar disso? Meus gerentes são bacanas e nunca me incomodaram.

Baseado no que ouvimos, a Apple Store parece ser um bom lugar para trabalhar se você for capaz de guardar o seu cinismo, frustração e impaciência – ou seja, a sua humanidade – em uma caixinha no início de cada dia de trabalho e passar por uma sequência de clientes, muitos deles idiotas, sem reclamar. Não é à toa que as pessoas gostam tanto de comprar nas Apple Stores.

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