
Homem picado 200x vira doador para antídoto contra cobras
Um homem picado 200 vezes por cobras — e, além disso, se expôs de maneira voluntária ao veneno delas — ajudou a desenvolver um antídoto possivelmente universal.
Os anticorpos do norte-americano Tim Friede, entusiasta de cobras, foram cruciais para o desenvolvimento da nova solução. Friede foi picado por cobras venenosas mais de 200 vezes intencionalmente. Além disso, o homem injetou veneno de cobra em seu corpo por 18 anos, despertando o interesse de cientistas para desenvolver um possível antiveneno universal.
Jacob Glanville, da Centivax, empresa que desenvolve uma vacina universal para gripe, e Peter Kwong, da Universidade de Columbia, nos EUA, descobriram sobre Freide pela imprensa.
Para criar o novo antídoto, Friede forneceu amostras do seu sangue à dupla. Glanville, Kwong e outros cientistas publicaram um estudo na última sexta-feira (2) detalhando o desenvolvimento do antibiótico.
Os cientistas isolaram e replicaram os anticorpos das amostras, especificamente os que neutralizam as principais toxinas do veneno de cobra. Em seguida, os cientistas combinaram os anticorpos do homem picado com o inibidor enzimático varespladib (VPL), que apresenta efeitos de antídoto contra veneno de cobra.
Anticorpos de homem picado 200 vezes neutralizou veneno de 19 cobras
De acordo com a ciência, a testagem em humanos ainda está longe. Desse modo, os cientistas realizaram testes em ratos usando o antídoto com os anticorpos de Friede, neutralizando total ou parcialmente o veneno de 19 das cobras mais peçonhentas do mundo.
No estudo, os cientistas focaram em cobras da família Elipidae, que representa quase metade das 600 cobras mais venenosas do mundo. O veneno dessas cobras contém neurotoxinas de cadeia longa e curta, que afetam o sistema nervoso.
Os anticorpos do homem se mostraram eficientes em neutralizar ambas toxinas, oferecendo proteção contra uma ampla gama de cobras. Aliás, a junção dos anticorpos humanos com o VPL formaram um novo coquetel terapêutico, que representa uma mudança de direção no desenvolvimento convencional de antivenenos.
A produção atual de antivenenos se baseia em imunizar animais com veneno de cobra e extrair seus anticorpos. Essa abordagem se limita a um pequeno grupo de espécies de cobra e possuem riscos de reações imunológicas.
A comunidade científica classifica esses métodos como antiquados, exigindo novas soluções considerando os avanços imunológicos existentes.
No entanto, cientistas também levantam questionamentos éticos sobre o antídoto ser resultante de um indivíduo que adquiriu imunidade. Os autores ressaltam que o papel de Friede foi independente, não sendo, portanto, parte do processo formal de pesquisa.
Por outro lado, conforme uma publicação da Nature, especialistas, embora reconheçam a solidez do estudo, questionam a viabilidade e acessibilidade do antídoto.
O maior desafio é o acesso fácil e barato ao antibiótico nas regiões mais afetadas por picadas de cobras, que costumam ser áreas precárias. Glanville destaca no estudo que a prioridade da Centivax é fazer com que o antiveneno seja barato e de fácil transporte.