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Abelhas construtoras e outras impressoras 3D vivas

A 3D Printing Week, projeto colaborativo do Gizmodo US com a GE, terminou na última sexta-feira, mas ela não estaria completa sem darmos uma olhada no uso de animais como impressoras 3D vivas. Eles são impressoras sensíveis, podemos dizer: fontes biológicas de material, seja seda, mel, plástico ou, como você verá mais adiante, até mesmo […]

A 3D Printing Week, projeto colaborativo do Gizmodo US com a GE, terminou na última sexta-feira, mas ela não estaria completa sem darmos uma olhada no uso de animais como impressoras 3D vivas. Eles são impressoras sensíveis, podemos dizer: fontes biológicas de material, seja seda, mel, plástico ou, como você verá mais adiante, até mesmo concreto.

Cabeçotes de impressão animais

Aranhas, bichos-da-seda e abelhas já são impressoras 3D — e a bioengenharia está rapidamente transformando isso em mais do que uma singela metáfora poética. Estas criaturas são exemplos orgânicos de manufatura deposicional, e foram domesticadas e usadas ao longo da história humana para fins específicos e muito criativos.

Nesta semana, por exemplo, aprendemos que, com uma dieta especial, bichos-da-seda podem produzir seda colorida, pronta para usos têxteis, e outros exemplos desse tipo não são difíceis de se encontrar. De fato, usar abelhas como impressoras já é algo aceito como processo artístico.

No começo deste ano, vimos o que deve ser a exploração recente mais famosa do conceito de animal-como-impressora-3D: uma peça publicitária do whisky escocês Dewar’s, na qual a empresa “imprimiu em 3D” uma garrafa da bebida usando nada além de colmeias especialmente formatadas e cultivadas.

As fotos contam a história de maneira bem clara: usando uma grande garrafa de vidro como um molde no qual as abelhas poderiam fabricar novas colmeias, o processo terminou com a remoção do vidro, restando uma colmeia completa na forma de garrafa.

A Dewar’s aproveitou para fazer uma piadinha: disse que foi “impressa em 3B” (B, bee, abelha, hã-hã, sacou?).





Imagens cedidas pela Dewar’s, via designboom

Há também, por exemplo, o Silk Pavilion, outro projeto recente que você deve ter visto. Nele, pesquisadores do MIT, coordenados por Neri Oxman, imprimiram em 3D um domo do tamanho de uma sala, guiando cuidadosamente bichos-da-seda para servirem de cabeçotes de impressora vivos.

O Silk Pavilion foi um experimento arquitetônico no qual, como explicam os designers, “o bicho-da-seda [foi] empregado como impressora biológica na criação de uma estrutura secundária”.

A estrutura primária, entretanto, que os bichos-da-seda usaram como um substrato deposicional, foi uma linha contínua envolta num andaime de metal como um labirinto, que pode ser vista na imagem abaixo.

Neste ponto do processo, “Um enxame de 6.500 bichos-da-seda foi posicionado no aro de baixo da estrutura, fiando remendos não-tecidos de seda para reforçar os espaços entre as fibras colocadas na estrutura metálica por uma máquina de controle numérico computadorizado”.

O método “CNSilk” resultou neste domo de tecido leve, que parece mais uma nuvem que uma construção.




Imagens cedidas pelo MIT

O que estes dois exemplos demonstram, apesar do fato de um deles ser só uma estratégia de marketing de uma empresa de bebidas para chamar a atenção, é que os corpos dos animais podem ser guiados, disciplinados ou regulados para produzir estruturas em grande escala, de objetos a construções inteiras.

Em ambos os casos, entretanto, os animais estavam simplesmente depositando, ou “imprimindo”, o que eles iriam normalmente (isto é, naturalmente) produzir: seda e mel. As coisas ficam bem mais interessantes quando tratamos de materiais biológicos mais exóticos.

Plástico de abelha

Há alguns anos, a cientista de materiais Debbie Chachra, da Olin College of Engineering, de Nova Inglaterra, EUA, começou a pesquisar o que é hoje conhecido como “plástico de abelha”: um biopolímero similar ao celofane produzido por uma espécie nativa de Nova Inglaterra, a Colletes inaequalis


Imagem cedida por Deb Chachra

Estas abelhas criam pequenas estruturas parecidas com casulos no solo –uma delas pode ser vista na foto acima– usando uma glândula especial e exclusiva desta espécie. O resultado é um poliéster natural e não baseado em combustível fóssil, que não apenas resiste à biodegradação como também sobrevive às temperaturas extremas da Nova Inglaterra, dos verões sufocantes da região às tempestades de inverno abaixo de zero.

O mais intrigante, no entanto, é que o plástico de abelha parecido com celofane “não vem do petróleo”, como Chachra me explicou para um artigo do fim de 2011 da Wired UK. “As abelhas apenas comem pólen e produzem este plástico”, ela completou, “e nós estamos entender como elas fazem isso”.

O plástico de abelha, Chachra especula, poderia talvez ser usado, algum dia, para fabricar tudo, de itens de escritório a para-choques de carros, atuando como uma alternativa livre de petróleo ao plástico que usamos hoje. Poderia também ser um pontapé inicial para a bioindústria da Nova Inglaterra, habitat natural da espécie.

Mas mesmo esta, claro, é uma visão da impressão usando animais que se baseia nas excreções já produzidas pelas espécies. Poderíamos –deixando de lado, por um momento, implicações éticas, apenas para discutir possibilidades materiais– talvez modificar geneticamente abelhas, bichos-da-seda, aranhas, e então produzir biopolímeros substancialmente mais robustos, algo não apenas forte o suficiente para resistir à biodegradação como também que pudesse ser produzido e usado em escala industrial?

Relembre, por exemplo, a tentativa bem-sucedida do Exército Americano de construir geneticamente uma cabra que produzisse proteínas de seda de aranha em seu leite. A meta final deles era conseguir uma superfibra inquebrável que pudesse ser usada em equipamentos de combate, incluindo uma “armadura superleve feita de seda de aranha artificial” e outros armamentos militares.

De maneira semelhante à garrafa da Dewar’s feita por abelhas, primas das abelhas que produzem plástico poderiam imprimir carrocerias inteiras de carros, móveis de cozinha, peças de decoração e outros produtos de uso cotidiano.

Estas possibilidades se tornam ainda mais estranhas e promissoras quando olhamos para materiais como o concreto.

Mel concreto

Para um projeto colaborativo em curso, o designer John Becker e eu estivemos pensando na possibilidade de usar abelhas geneticamente modificadas para imprimir concreto como cabeçotes de impressão arquitetônicos.

Inicialmente inspirados por uma leitura errada (que foi, em certa medida, intencional) de um projeto publicado pelo CCA de Montréal, com o título “Bees Make Concrete Honey” (em tradução livre, “Abelhas fazem mel concreto”), nós imaginamos e ilustramos uma série de cenários de ficção científica em que uma nova espécie de abelha, a Apis caementicium –abelhas de cimento– poderia ser empregada por toda a cidade para reparar estátuas e consertar ornamentos arquitetônicos, e até mesmo produzir estruturas inteiras, como catedrais.

Como no processo de fabricação da garrafa de Dewar’s visto anteriormente, as abelhas receberiam uma forma inicial para trabalhar. Então, voando dentro deste molde ou casca, e depositando ingredientes do bioconcreto nas paredes, molduras ou estruturas a que estão ligadas, as abelhas poderiam imprimir novas formas arquitetônicas nas já existentes.

Isto inclui, por exemplo, na imagem abaixo, os icônicos leões de pedra da entrada da Biblioteca Pública de Nova Iorque, que foram danificados pela exposição e pleo contato humano, mas agora seriam reparados de dentro para fora pelas abelhas de concreto. Você pode pensar nisso como um tipo de calafetagem orgânica.

Mas, é claro, roteiros bem amarrados como estes invariavelmente saem do controle e as coisas não saem como o planejado.

Impressoras selvagens

As abelhas, claro, poderiam escapar, eventualmente: primeiro umas aqui e ali, mas então uma colônia se inicia. Em alguns anos, à medida em que elas se reproduzem e crescem, e à medida em que a colônia cresce, a população se dá conta do tamanho do problema: abelhas fugitivas impressoras infestaram várias partes da cidade.

Elas imprimem onde não deveriam e, sem uma direção do que fazer fazer, o que elas imprimem frequentemente não faz sentido.

Elas imprimem em placas e postes de linhas telefônicas; elas tomam parques e jardins, onde elas constroem formas estranhas em flores, isolando orquídeas e rosas em conchas de alvenaria.

Pequenos fragmentos de concreto podem rapidamente ser vistos em plantas e batentes de porta, entre carros e em alambrados, enrolando e consumindo as laterias das estruturas onde estas coisas nunca deveriam estar, como ervas daninhas; e, claro, estranhos corpos de abelhas são encontrados aqui e ali, pequenos cadáveres carregados de concreto sobre a grama dos quintais, em estacionamentos, em telhados.

Criaturas aumentadas e extraordinárias atormentam a cidade que elas também ajudaram a enfeitar e embelezar, onde elas imprimiram ornamentos de igrejas e apartamentos, onde elas consertaram muros, estátuas e calçadas rachadas.

Claro, algumas são mais aventureiras ou simplesmente mais desorientadas e vão ainda mais longe, pegando carona sem querer em aviões e em navios cargueiros, se juntando a outras colmeias ao redor do mundo.

As abelhas passam a ser encontradas na Europa, na China e especialmente –por motivos que nunca foram corretamente esclarecidos pelos cientistas de materiais– na Índia, onde, como na imagem a seguir, elas podem ser vistas fazendo ornamentos desnecessários num templo de Rajasthan. Incontáveis e aos montes, elas pontuam, pouco a pouco, o exterior do edifício com incrementos bulbosos e intumescidos, que nenhum arquiteto havia planejado.

A especiação das abelhas chega mais longe e o concreto em si sofre mutações — em alguns casos, ele é tão duro que só pode ser removido pelas brocas mais duras e pelos equipamentos mais sofisticados de demolição; em outros, ele se parece mais com um arenito de secagem lenta, incapaz de formar qualquer estrutura. Este experimento de cabeçotes de impressão animais, então, chega ao fim.

Uma abelha no meio das máquinas

Os designers aprendem com os erros óbvios que levaram a essas impressoras selvagens e passam a se concentrar no desenvolvimento de processos industriais e fábricas inorgânicas, mais facilmente controláveis. Mas, mesmo assim, vez ou outra, um pequeno zumbido pode ser ouvido de dentro de uma das máquinas, uma linha de montagem inteira emperra repentinamente. Lá, entre as engrenagens, apenas fazendo o que costumava fazer –e o que nós a ensinamos a fazer–, está uma pequenina abelha impressora, deixando traços de concreto onde quer que ela pouse.

Todas as imagens não creditadas são de John Becker

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