INPI não dará patentes para software no Brasil, diz diretor do instituto

O INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) abriu uma consulta pública sobre patentes que envolvem programas de computador. A medida atraiu diversas críticas, por supostamente abrir espaço para criar patentes de software no Brasil. Veremos por aqui disputas de patente de software, como nos EUA? Não segundo Julio Castelo Branco, diretor de patentes do INPI. […]

O INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) abriu uma consulta pública sobre patentes que envolvem programas de computador. A medida atraiu diversas críticas, por supostamente abrir espaço para criar patentes de software no Brasil. Veremos por aqui disputas de patente de software, como nos EUA? Não segundo Julio Castelo Branco, diretor de patentes do INPI.

Já argumentamos que software não deveria ser patenteado, e lembramos como isto é basicamente restrito aos EUA – a União Europeia, assim como o Brasil, proíbe a concessão de patentes de software.

Contra a consulta pública do INPI, se manifestaram entidades como a Software Livre Brasil, o CCSL-USP (Centro de Competência em Software Livre da Universidade de São Paulo), e até mesmo o PT (Partido dos Trabalhadores) e o político José Dirceu. Uma análise recente da USP e FGV/RJ condena a consulta pública, e entende que as diretrizes do INPI pretendem introduzir a patente de software no Brasil.

Nesta entrevista, Julio Castelo Branco deixa claro que o INPI não vai criar patentes de software no Brasil: “nem passa por discussão hoje esse tipo de problema no INPI”. A reação inicial negativa foi, segundo ele, “de forma precipitada e desinformada”. A consulta pública se trata apenas de inovações implementadas por programas de computador, onde o equipamento com software inovador recebe a patente – o software, não. O objetivo, diz Julio, “é legitimar uma ação que antes era de conhecimento exclusivo do INPI”, e é a primeira de várias: até mesmo as diretrizes gerais do INPI serão colocadas para discussão.

Leia a seguir para saber por que o INPI pode guardar código-fonte de software, qual o impacto da consulta pública e como serão os próximos passos da análise de patentes no Brasil.

*Algumas frases foram adaptadas/editadas para fins de clareza no texto.

Como funcionam hoje as patentes de software no Brasil? Se eu fizer um programa, posso patenteá-lo no INPI?

O INPI não dá patente para software. Patente para software é proibido por lei. A premissa básica do INPI é seguir o que está estabelecido em lei. Nós somos um órgão executivo e seguimos o que está na Lei da Propriedade Industrial. Então a primeira informação que não é correta é: que o INPI dá patente para software. Não dá.

Nós estamos com a diretriz de consulta pública? Sim, mas essa diretriz é para patentes implementadas por programas de computador. Ela não protege o software: protege a invenção com um software embarcado. Então se eu coloco um sistema inteligente em uma máquina, e essa máquina faz algo inovador – novo, inventivo e com aplicação industrial – a patente é concedida não para o software, mas para o equipamento.

Esse procedimento é o mesmo que nós sempre fizemos dentro do INPI. Qual era o problema? O INPI não deixava pública essa diretriz de exame. Nós precisamos mostrar para a sociedade como examinamos as patentes dessa área, não só por questões internas, mas para dar uma segurança ao depositante do INPI. A ideia é legitimar uma ação que antes era de conhecimento exclusivo do INPI.

Então a ideia não é mudar qualquer procedimento, é apenas deixar claro para a sociedade o que vocês vinham fazendo até então?

Perfeitamente. Embora o INPI tenha a prerrogativa de sugerir mudanças na lei, o objetivo da consulta pública não é este. Nós não temos pretensão hoje, no INPI, de colocar patentes para software. Mas você precisa estar ciente de que, no INPI, existe o registro do software: é um repositório da informação para qualquer usuário externo que queira a proteção do seu software, para questões ou disputas judiciais. Você vem ao INPI com o envelope lacrado e nos deixa como depositário da sua informação.

Isso quer dizer que você deixa o código-fonte…

…o código-fonte nas mãos do INPI. E em questões judiciais, você pode recorrer ao INPI para provar a algum juiz se alguém infringiu seu direito. Você tem o respaldo da informação deixada com o INPI, e essa informação é suficiente para mostrar que alguém está infringindo seu direito.

No caso, é o direito autoral, e não de patente?

Perfeitamente. E no caso do registro, não existe exame de forma alguma: o INPI recebe essa informação e apenas guarda.

Então não há patentes de software no Brasil, e nem vai haver depois da consulta pública?

A gente está observando no mundo duas ações: uma relacionada a patentes voltadas especificamente para produtos e processos, e outras relacionadas para software. No Brasil, esta segunda proteção não ocorre.

Mas várias entidades de software livre se manifestaram contra essa consulta. O PT criticou, José Dirceu criticou. Por quê?

Na minha visão, foi de forma precipitada e desinformada. No momento em que veio a crítica do PT, do José Dirceu no blog dele, e dos outros atores do governo, o INPI elaborou um documento, uma nota técnica, e o passamos para quem iniciou o processo de discussão. Informamos que o INPI não estava fazendo nada diferente do que vinha fazendo, e que não se tratava de patentes de software, e sim patentes implementadas por programas de computador, o que é diferente. Esclarecemos este problema.

A reação do software livre é muito mais de movimento, com medo da limitação ou da possibilidade do INPI vir a dar patentes na área de software, algo que nos não aventamos neste momento. Pode ser que em algum futuro muito longínquo, em algum outro momento do país, seja necessário fazer isto. Mas nem passa por discussão hoje esse tipo de problema no INPI. O INPI não protege software porque, para fazer isso, teria que se alterada a Lei de Propriedade Industrial, que especificamente proíbe os programas de computador de serem patenteados.

O documento que o INPI enviou ao governo é público, podemos ter acesso?

Não, É documento de governo, e eu não tenho autorização de lhe passar. Mas esclareceu ao governo o que o INPI estava fazendo. Então isso foi pacificado.

Quanto ao software livre, esta foi uma preocupação deles mesmo sem ter conhecimento do conteúdo do documento. É muito mais filosófico do que realmente prático, discutindo os caminhos da proteção de software no mundo todo. E aí, obviamente, como o Brasil participa ativamente das discussões na Organização Mundial da Propriedade Intelectual em Genebra sobre essa área, sobre proteção e acesso ao conhecimento e informação, sobre transferência de tecnologia, eles reagiram em excesso por colocarmos esta diretriz para consulta pública.

A consulta pública muda algo no direito autoral de software?

Nós não cuidamos de direito autoral, é uma área fora do INPI. É o Ministério da Cultura que cuida do direito do autor. Aí é propriedade intelectual, não mais propriedade industrial – que trata de patentes, marcas e indicações geográficas. O registro de software é só a guarda no INPI, e não mais que isso.

E depois da consulta pública?

Foram dois meses de consulta para receber os comentários. Não temos a pretensão de assumir que os procedimentos que temos dentro do INPI são os mais adequados. Então poderiam vir comentários com ideias melhores do que as nossas. Assim poderemos utilizar o melhor procedimento na forma de analisar patentes dessa área.

Vamos colocar as diretrizes de modelos utilitários, biotecnologia e fármacos para consulta pública, e ao final também colocaremos as diretrizes gerais do INPI para consulta pública. O objetivo é deixar claro para a sociedade a forma como o INPI examina os pedidos de patente. Assim, quem vir ao INPI depositar um pedido de patente já terá uma expectativa do que o INPI vai lhe responder, a forma como o INPI procede, e o que ele precisa fazer para agilizar seu processo.

Nas próximas consultas, vai ser o mesmo procedimento? Abre uma consulta por 60 dias, acaba, abre outra?

Não sabemos se vamos esperar ou fazer de forma intercalada. Na verdade, nós temos uma pressa muito grande em reduzir o atraso no exame das patentes no INPI. Então vamos tomar ações cada vez mais agressivas para decidir cada vez mais rápido, e para deixar o ambiente da propriedade intelectual cada vez mais claro, a fim de dar segurança jurídica a todos que precisem, e de uma forma mais rápida. Estamos correndo contra o tempo para tomar medidas que mitiguem um pouco o atraso do exame de patentes no INPI.

Isso faz parte do plano 2011-2015 do INPI para acelerar a avaliação de patentes?

Faz. Na verdade é o planejamento estratégico 2012-2015, que está sendo redimensionado para 2012-2020. Estamos reajustando o planejamento para ter uma visão mais ampla de futuro, e para onde o INPI vai caminhar.

Valeu pela dica, Heleno!

Foto por Alex Muntada/Flickr

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