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Insatisfação com as lojas de apps de Apple e Google vem sendo alimentada há muito tempo

Ficou claro desde o início que a Epic veio pronta para brigar, e embora o Fortnite possa ter sido o catalisador, essa insatisfação com as lojas da Apple e do Google estavam sendo alimentadas há muito tempo.

Ícone da Play Store ao lado do ícone da App Store

Crédito: Sam Rutherford/Gizmodo

A Epic Games estava preparada para uma batalha quando acrescentou um novo recurso ao Fortnite permitindo aos usuários comprar a moeda virtual do jogo (V-Bucks) diretamente da companhia, contornando simultaneamente os sistemas de pagamento incorporados na App Store do iOS e na Google Play do Android, eliminando a comissão da Apple e do Google.

Para surpresa de quase ninguém, isso fez com que o Fortnite fosse retirado de ambas as lojas de aplicativos. A Epic respondeu prontamente iniciando ações judiciais contra a Apple e o Google, além do vídeo que provoca a Apple por suas práticas fazendo menção ao icônico comercial de 1984 da empresa.

Ficou claro desde o início que a Epic veio pronta para brigar, e embora o Fortnite possa ter sido o catalisador, a hora dessa briga para as lojas da Apple e do Google estava chegando.

Os smartphones há um bom tempo ultrapassaram os laptops como principal dispositivo de computação. Além disso, com a morte do Windows Mobile – a única alternativa potencialmente viável se tratando de sistemas operacionais para smartphones – em 2017, é justo dizer que o Android e o iOS – e por extensão o Google e a Apple – têm uma influência muito grande nos hábitos das pessoas.

Você pode carregar aplicativos de forma alternativa no Android aos fazer instalações manuais usando um arquivo APK, ou até mesmo usar uma outra loja de apps (movimentos que tanto a Amazon quanto a Huawei tentaram com diferentes graus de sucesso), mas a Play Store do Google continua sendo a maneira mais fácil e confiável de obter novos aplicativos para os celulares Android. O Google cobra uma taxa de serviço de cerca de 30% para desenvolvedores que queiram estar na Play Store.

Para pessoas que usam iOS, as coisas são ainda mais restritas – a Apple não permite que nenhum terceiro licencie o iOS para uso em outros smartphones, nem a instalação de aplicativos por outras vias que não sejam a App Store (à exceção de alguns casos relacionados a nichos de desenvolvimento). É uma plataforma totalmente bloqueada, com a cobrança de uma comissão de 30% sobre qualquer venda de aplicativos, seja na hora de baixar o app ou nas compras realizadas dentro do próprio aplicativo.

Para qualquer pessoa que já tenha comprado mídia física (lembra-se de CDs e cassetes?) ou pessoas que cresceram usando PCs onde instalar executáveis de fontes externas era o normal, o conceito por trás das lojas de aplicativos pode parecer incrivelmente draconiano. É como comprar um microondas que só pode aquecer alimentos que vieram de um único mercado – e o tipo de coisa que acontece com algumas máquinas de café em cápsula.

Quando se trata do Android, muitas empresas tentam contornar as restrições do Google, tornando os APKs de seus aplicativos disponíveis publicamente. Meses antes de Fortnite aparecer no Google Play, ele estava disponível para download diretamente do site da Epic e funcionava muito bem – desde que você mudasse algumas permissões do seu celular para poder instalá-lo.

Em seu processo contra o Google, a Epic alega até mesmo que negociou um acordo com a OnePlus para ter um launcher especial do Fortnite pré-instalado nos dispositivos da marca, até que o Google obrigou a companhia a “renegar o acordo”.

E no iOS, a Epic alega que “na ausência da conduta anticompetitiva da Apple, a Epic Games também criaria uma loja de aplicativos para o iOS.”

Seria negligente não mencionar que as lojas de aplicativos oferecem muitos benefícios para o usuário. Você pode comprar um aplicativo uma vez e baixá-lo novamente em qualquer outro dispositivo Android ou iOS, é possível sincronizar dados automaticamente, salvar perfis, ter mais segurança e muito mais.

O problema é que há pouca concorrência que obrigue Apple e Google a ajustar suas taxas de serviço de 30%. Com as regras das lojas de aplicativos que estipulam que qualquer software que contenha compras dentro aplicativo deva obedecer às diretrizes da Apple e do Google, essas diretrizes são bastante rígidas.

Se você vender um aplicativo, ou oferecer itens dentro de um aplicativo que veio de uma das duas grandes lojas, a Apple e o Google ficarão com uma parte, ou então o aplicativo será proibido.

A analogia mais próxima às lojas de aplicativos fora do mundo dos smartphones são as lojas de jogos para PC como Steam, GOG, Battle.net, e outras. Durante muito tempo, a Steam foi a principal loja de jogos, funcionando sem concorrência durante anos. Durante a última década, várias editoras e desenvolvedores de jogos (incluindo a Epic) se propuseram a criar suas próprias vitrines digitais, o que acabou levando a Steam a reduzir suas taxas de serviço.

Embora algumas pessoas possam reclamar que as coisas ficaram mais irritantes depois que a Steam deixou de ser o lar de todos os games, é um caso claro de competição que resulta em mais receita para os desenvolvedores e preços mais baixos para os consumidores.

Mas talvez o maior problema seja quando as próprias diretrizes da Apple e do Google para lojas de aplicativos são aplicadas em diferentes graus. De acordo com e-mails mostrados ao Congresso dos EUA durante a recente audiência antitruste de tecnologia, a Apple concordou em cortar pela metade suas taxas de serviço durante um ano, a fim de convencer a Amazon a colocar o Prime Video na App Store.

É uma situação semelhante quando se trata de streaming de games no iOS, onde aplicativos como Steam Link são permitidos na App Store, mas a Microsoft foi forçada a encurtar o beta do xCloud (agora chamado Xbox Game Pass Ultimate).

A Microsoft disse que “A Apple é a única plataforma de uso geral a negar aos consumidores serviços de games na nuvem e também de assinaturas de jogos, como o Xbox Game Pass. E trata consistentemente os apps de jogos de maneira diferente, aplicando regras mais brandas a aplicativos que não são jogos, mesmo quando eles incluem conteúdo interativo.”

Como evidenciado pela audiência antitruste, os EUA estão começando a olhar mais de perto para as lojas de aplicativos da Apple e do Google. A Apple já está sendo investigada pela União Europeia por práticas anticoncorrenciais em relação aos aplicativos de streaming de música e ao preço dos e-books, enquanto o Google recebeu uma multa recorde de US$ 5 milhões em 2018 devido às condições de licenciamento para o Android.

Um ponto interessante é que embora a Epic esteja processando tanto a Apple quanto o Google, ela não está buscando danos materiais. Em vez disso, apenas espera que ambas as empresas acabem com suas “práticas monopolistas”.

Ou seja, embora a proeza da Epic com o Fortnite possa ser o barril de pólvora que iniciou a guerra, as preocupações com o duopólio da loja de aplicativos já vêm surgindo há bastante tempo. Provavelmente levará ainda mais tempo para que os reguladores descubram o que fazer.

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