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Inteligência artificial traz novas informações sobre as origens da Bíblia

Análise de óstracos dos tempos bíblicos ajuda a determinar quantas pessoas sabiam escrever naquela época - e isso pode ser fundamental para decifrar as origens da bíblia.

Há 2.600 anos, um grupo de soldados judaístas vigiava seu reino nos últimos dias antes de Jerusalém ser tomada por Nabucodonosor. Eles deixaram para trás diversas inscrições – e agora, uma análise digital inovadora revelou quantas pessoas escreveram aquilo. A pesquisa e tecnologia inovadora por trás disso pode nos ensinar bastante sobre as origens da Bíblia.

“É sabido que a Bíblia não foi escrita em tempo real, e sim provavelmente escrita e editada depois,” explicou o matemático Arie Shaus, da Universidade de Tel Aviv, ao Gizmodo. “A grande questão é: exatamente quando?”

Shaus é um dos diversos matemáticos e arqueólogos que tentam responder essa questão de uma maneira radical: ao usar ferramentas de aprendizagem de máquinas para determinar quantas pessoas eram alfabetizadas nos tempos antigos. A primeira grande análise deles, que foi publicada no Proceedings of the National Academies of Science, sugere que a habilidade de ler e escrever era bem disseminada pelo Reino de Judá, o que preparou o terreno para a compilação dos textos bíblicos.

Apesar de partes dessa conclusão permanecerem controversas, a tecnologia por trás do estudo pode revolucionar nosso entendimento sobre alfabetização e educação nos tempos bíblicos.

A maioria dos acadêmicos concorda que os textos bíblicos mais antigos – incluindo o Livro de Josué, o Livro dos Juízes e os dois Livros dos Reis – ganhou forma no que é conhecido como fim do Período do Primeiro Templo, antes de Jerusalém cair diante do rei babilônio em 586 a.C. Mas as circunstâncias por trás da origem desses textos, incluindo quando eles foram de fato escritos e quantos autores se envolveram na obra, permanecem desconhecidas. Curiosamente, textos que não têm nada a ver com Bíblia podem ajudar a chegar a uma resposta.

Vista aérea do forte Tel Arad, de onde as inscrições usadas no estudo presente originaram. Imagem: Wikimedia

Por exemplo, durante esse período as pessoas escreveram uma grande variedade de informações em fragmentos de cerâmica chamados óstracos. “Esses textos são bastante mundanos em natureza,” disse Shaus, citando comandos militares e pedidos de suprimentos entre os assuntos mais populares de discussão.

Além de mostrar quantos vinhos os soldados judaístas precisavam, outra camada de informação pode ser extraída dos óstracos: quantas pessoas sabiam escrever. Isso é exatamente o que Shaus e seus colegas fizeram, analisando um grupo de 16 fragmentos de cerâmica bem preservados de um forte militar remoto localizado na fronteira sul de Judá. Muitos desses óstracos datam de cerca de 600 a.C., praticamente na véspera da queda do reino.

No primeiro passo dessa análise, os pesquisadores usaram ferramentas novas e processamento de imagens para restaurar caracteres que tinham sido parcialmente apagados. Eles então desenvolveram algoritmos de aprendizagem de máquinas que conseguiam comparar e contrastar as formas dos antigos caracteres hebreus para identificar estatisticamente caligrafias diferentes. A princípio, isso é parecido com o algoritmo que empresas de tecnologia usam para detecção de assinaturas digitais.

“Análise de caligrafia é uma grande área que está sendo bastante estudada em anos recentes,” disse Shaus. “De qualquer forma, tivemos que desenvolver nossas próprias ferramentas e foi um pouco desafiador. O meio estava bastante deteriorado, assim como a escrita.”

A equipe desenvolveu uma ferramenta de reconhecimento de caligrafia que funcionou muito bem com o hebraico moderno, e eles decidiram realizar testes em inscrições antigas. No fim das contas, a análise revelou ao menos seis autores diferentes por trás dos 16 óstracos. Examinando o conteúdo do texto em si, os pesquisadores concluíram que esses autores eram parte de toda a cadeia de comando militar. “Do comandante ao cargo mais baixo, todos podiam se comunicar por escrito,” disse Shaus. “Foi um resultado extremamente surpreendente.

É um resultado que os pesquisadores dizem apontar para uma “proliferação da alfabetização” através da sociedade judaísta em 600 a.C., o que sugere que a infraestrutura para dar apoio para a escrita da Bíblia provavelmente existia mesmo.

Mas nem todo mundo concorda com todos os aspectos dessa conclusão.

“Esta é um estudo altamente inovador e importante,” disse o especialista em arqueologia e estudos da Bíblia Christopher Rolslton, da Universidade George Washington, ao Gizmodo, lembrando que existem amplas evidências arqueológicas de que partes da Bíblia foram escritas por volta de 800 a.C. Mas quem sabia escrever naquela época?

“Acredito que a alfabetização era limitada às elites, basicamente escribas, oficiais militares de alto escalão, e sacerdotes,” disse Rollston, adicionando que no fim do Período do Primeiro Templo é possível que a leitura e a escrita tenham se espalhado para além dessas classes mais altas.

Talvez o aspecto mais importante do trabalho de Shaus seja a introdução da tecnologia de reconhecimento de imagem sofisticado ao estudo de textos antigos. O grupo de pesquisa de Tel Aviv está disposto compartilhar as ferramentas de reconstruir cartas e decifrar a caligrafia com outros arqueólogos. Ao aplicar esses métodos mais amplamente, podemos ser capazes de determinar quando, onde e por quem o mais duradouro livro da história começou a ser escrito.

“Estamos trazendo novas evidências para o jogo,” disse Shaus. “Agora vamos ver o que vem por aí.”

Foto de topo: Inscrições com tinta da fortaleza de Tel Arad, localizada ao sul de Judá. Crédito: Michael Cordonsky/Universidade de Tel Aviv

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