As lições aprendidas e a volta por cima de dois jogos brasileiros que falharam no Kickstarter
por Bruno Izidro
Desde que Tim Schafer fez história no Kickstarter em 2012, conseguindo arrecadar mais de US$ 3 milhões na campanha do até então Double Fine Adventure (hoje Broken Age), o site de financiamento coletivo se tornou a nova esperança para muitos desenvolvedores verem seus jogos se tornarem realidade.
Enquanto muitos jogos excelentes foram financiados por lá desde então (Shovel Knight, Wasteland 2 e o brasileiro Chroma Squad, só para citar alguns), outros projetos igualmente promissores acabaram não se saindo tão bem. Esse é o caso dos jogos brasileiros Möira e Kriophobia. Ambos falharam em suas campanhas no Kickstarter, mas essa não é uma história triste de fracassos, porque enquanto um está dando a volta por cima, o outro conseguiu tirar o melhor dessa falha para também continuar com o projeto.
Möira
Möira é um simpático jogo de plataforma e que chama a atenção pela estética e visual preto e branco do primeiro Game Boy, além de ter um quê de Mega Man, com o pequeno aprendiz de mago Rubrik podendo copiar os poderes dos inimigos do jogo.
A desenvolvedora Onagro Studios apostou que essa ideia poderia ser o suficiente para conseguir financiamento pelo Kickstarter, o que não aconteceu. Em entrevista ao Gizmodo Brasil, o responsável pelo estúdio, Gabriel Amoedo, explica que a falta de organização e de conteúdo foram os responsáveis por isso.
“Naquela época somente duas pessoas trabalhavam no projeto, então, para ‘adiantar’ as coisas, resolvemos fazer uma campanha para arrecadar fundos e contratar mais gente para a equipe. O resultado não foi dos melhores”. A meta da campanha de Möira era arrecadar 8 mil dólares canadenses, mas eles só conseguiram poucos mais de 2 mil. Isso aconteceu há um ano.
O baque, claro, era suficiente pra desmotivar qualquer um e o projeto chegou a ficar um tempo parado. A volta aconteceu agora em 2015, muito por causa da aprovação do jogo no Steam Greenlight. O sinal verde para a loja da Valve era o que a Onagro precisava para não deixar Möira morrer.
Atualmente com uma equipe maior e reestruturada, o desenvolvimento de Möira está em “um ritmo muito bom, com adições ao projeto quase que diárias”, conta Amoedo. O próprio jogo também está passando por algumas mudanças que o estão deixando ainda mais promissor. “Adicionamos vários elementos de RPG e aventura, fazendo o jogo parecer mais com um Metroidvania hoje em dia, mas ainda assim mantendo uma forte narrativa e elementos primários de plataformas”, revela o programador e game designer.
A boa fase após a turbulência no Kickstarter se mostra também em como o jogo brasileiro começa a ganhar destaque. No fim desse mês, Möira vai participar do Brazil’s Independent Games Festival, o BIG, concorrendo na categoria BIG Starter, que premia projetos ainda em desenvolvimento. Já em outubro, uma demo do jogo estará no International Festival of Independent Games, o IndieCade, nos EUA.
A Onagro deu a volta por cima após o fracasso no Kickstarter, não há dúvida disso, mas o problema da falta de financiamento ainda ronda o desenvolvimento do jogo, que no momento está saindo do próprio bolso do estúdio. Então, não seria uma boa ideia tentar mais uma vez o Kickstarter ou até outros crowdfundings, agora que as lições foram aprendidas? “Temos muitos planos em mente no momento e outros sites de crowdfunding estão entre eles”, me responde Gabriel Amoedo.
A solução, porém, podem estar naquilo que eles já conquistaram. “Pelo Möira já ter sido selecionado no Steam Greenlight, também temos um plano de publicar o jogo como Early Access caso nenhum crowdfunding seja bem-sucedido”. Com crowdfunding ou Early Access, a Onagro pretende lançar Möira em dezembro desse ano para PC, Mac e Linux.
Kriophobia
Outro projeto brasileiro que não foi bem-sucedido no Kickstarter? Kriophobia, da brasiliense Fira Soft, um interessante survivor horror com elementos de adventure point and click.
O jogo é episódico e o primeiro deles já estava garantido para ser lançado, mesmo sem Kickstarter, por isso a campanha no site ajudaria a desenvolver os capítulos restantes e tinha a meta de 50 mil dólares canadenses. No final, pouco mais de 37 mil foram arrecadados.
Em uma conversa com o diretor do estúdio Fira Soft, Felipe Modesto, ele listou alguns fatores que contribuíram para a campanha não conseguir a meta, indo desde falhas no planejamento até verba para abranger mais público. Porém, dois pontos parecem ganhar destaque.
O primeiro foi o período em que aconteceu a campanha, em dezembro do ano passado. “Se houver a possibilidade de escolha, lançar um jogo em dezembro não é a melhor opção”, fala Modesto. “As estatísticas do Kickstarter e da indústria de jogos são desfavoráveis a essa data, visto que muitas pessoas já compraram seus presentes de Natal, o pessoal de comunicação está de férias e as pessoas passam menos tempo em seus computadores”. Isso serve até de dica para quem quiser se aventurar no Kickstarter algum dia.
Já o segundo problema foi chamar mais a atenção somente do público brasileiro, que ainda não é acostumado a modelos de financiamento coletivo. “O povo brasileiro é muito crítico e menos propenso a compartilhar o projeto”, fala. Modesto pode até estar sendo um pouco duro com os jogadores daqui, mas ele tem dados sobre isso. “De acordo com as estatísticas de acesso das nossas páginas (Kickstarter, Greenlight, site), nós tivemos entre 35-50% dos acessos vindo do Brasil”, fala.
O interessante na conversa com Felipe Modesto foi também perceber como o Kickstarter, mesmo com uma campanha malsucedida, pode servir como uma boa vitrine para abrir outras possibilidades para o futuro do projeto.
O diretor da Fira Soft diz que o jogo se tornou conhecido e lembrado após o Kickstarter, e essa era uma das metas do estúdio que eles atingiram. Foi isso também que os motivou a continuar com o desenvolvimento do jogo. “Conversamos com muita gente, passamos um bom tempo fazendo um planejamento financeiro, revisando todas as interações que tivemos com a comunidade, vendo todos os vídeos, catalogando tudo para que pudéssemos continuar com o projeto”, diz.
Atualmente o desenvolvimento de Kriophobia continua, mas a campanha malsucedida fez o estúdio replanejar todo o projeto e deixá-lo com um prazo maior. Modesto diz que uma segunda tentativa em crowdfunding, no momento, não irá acontecer. Já o primeiro episódio de Kriophobia, que estava confirmado mesmo sem Kickstarter, deverá ficar pronto no fim do ano, mas sem uma data específica. “Como pretendemos lançar o jogo para diferentes plataformas, vamos esperar um pouco mais antes de fazer uma divulgação sobre o lançamento do jogo”, completa.
Kickstarter ainda vale a pena?
Apesar de passarem por uma experiência nada boa, tanto a Onagro quanto a Fira Soft ainda veem o famoso site de financiamento coletivo como uma boa aposta hoje em dia. “O Kickstarter pode servir para jogos de todos os gêneros e estilos, contanto que os mesmos apresentem uma proposta boa e seja divertido”, fala o criador do Möira.
Felipe Modesto, da Fira Soft, só alerta para o crescimento do que ele chama de “Grandes Indies”, que – segundo ele – estão desvirtuando a forma de financiamento coletivo. “Um grande diretor ou produtor que pede milhões de dólares, atrasa e não entrega o produto proposto impede que muitos outros jogos tenham sucesso”. A declaração parece se referir a exemplos que ocorrem de tempo em tempos no Kickstarter, como o Mighty No.9 de Keiji Inafune e até o próprio Tim Schaffer com Broken Age.
Mais do que um fracasso no Kickstarter, as histórias de Möira e Kriophobia são de superação de quem quer desenvolver um jogo.