Jogue tudo fora, mãe

Em primeiro plano, amiguinhos, vocês vêem um minidisc com gravações ao vivo do Pearl Jam datado (sem carbono-14) de 1997, com músicas arduamente coletadas na internet e canais do mIRC numa era pré-Napster. Ele estava junto de um baralho de Supertrunfo, um mouse muito velho e uma agenda eletrônica de 32 kb na caixa “Coisas […]

Em primeiro plano, amiguinhos, vocês vêem um minidisc com gravações ao vivo do Pearl Jam datado (sem carbono-14) de 1997, com músicas arduamente coletadas na internet e canais do mIRC numa era pré-Napster. Ele estava junto de um baralho de Supertrunfo, um mouse muito velho e uma agenda eletrônica de 32 kb na caixa “Coisas do Pedro”. Minha mãe estava de mudança e me chamou para Brasília (minha cidade natal) para ver o que podia doar ou jogar fora. E eu fiquei pensando.

Deve ter muita gente passando – ou que já passou – pela minha situação. Gente que no início da vida adulta de verdade ou logo depois dos estudos saíram da casa dos pais, foram para longe e deixaram, literalmente, muitas coisas para trás. Quando me mudei para São Paulo, fui para um apartamento pequeno, não podia levar muita coisa. E as minhas tranqueiras ficaram como se congeladas no tempo, na casa da minha mãe. Por ser um lugar grande, ela nunca se importou muito em jogar coisas fora. E, na hora de organizar as caixas, separar o que vai ser guardado e o que vai para doação/lixo, percebi duas coisas.

A primeira, sabendo que posso soar como a sua tia, foi confirmar que “o tempo passa depressa, não é? MININU!” E isso é 15 vezes mais verdade com gadgets. Como desde sempre tenho coisas tecnológicas, minhas caixas de mudança são um micro-museu, com disquetes meio enferrujados etiquetados “Red Baron. arj x -va bla bla bla” e coisas de menos de 10 anos atrás, como celulares a pilha da Motorola, que hoje parecem bizarríssimos.

Nessa hora percebo que a tecnologia da minha geração produziu padrões efêmeros, acompanhados de produtos quase descartáveis. E eu – e acredito que muita gente aqui – que sempre fiz uma certa questão de acompanhar as novidades, se perde nos problemas de ser um “early adopter”. Não vamos falar de videogames ou MP3 walkmans/discmans/minidiscs/MP3, os exemplos clássicos. Mas outras coisas menos óbvias. Eu tive agendas, agenda no 386 (Lotus Organizer), agenda eletrônica de bolso, agenda de telefones no celular + post-it, e hoje Google Calendar sincronizado no smartphone. Minha mãe tem até hoje uma agenda de papel que deixa do lado do telefone (fixo, coisa maluca!) na sala, e o celular simples. E foi suficiente até hoje. A escolha de entrar na tecnologia quando for madura, necessária e barata é interessante. Ela provavelmente só vai entrar na era dos tablets quando ele for bem barato e você puder enrolar o bicho e colocar embaixo do braço, como o jornal. Não que ela seja jurássica tecnologicamente, longe disso. Mas talvez ela esteja certa em esperar as coisas amadurecerem. A caixa de gadgets dela era bem menor.

Por outro lado, a segunda conclusão, onde eu ganho, é que talvez a minha geração, mais recente, seja mais desapegada materialmente. Sei dos riscos das generalizações, mas isso parece bem claro pela minha relação e dos meus progenitores com caixas. “Filho, veja o que pode dar”. Eu abro a caixa, rio das bizarrices, tiro essas fotos, coloco tudo de volta e digo pra ela fazer o que quiser. Doar é difícil, porque as coisas estão em péssimo estado ou são obsoletas. Então, eu fecho tudo e falo pra jogar fora. A triagem dura 2 minutos, basicamente gastos em nostalgia bem-humorada. “Mas isso foi caro!”, diz a minha mãe. Não há o que fazer. Acabou-se o valor.

Minha mãe, não. Ela olha cuidadosamente a caixa, lê um papel (para mim, se é um papel, está meio amarelo e não é documento, imediatamente pode ir pro lixo), pega meia dúzia de vinis ou CDs e até coloca alguns para tocar. Decide que não dá para largar tudo. Aquela foto p&b no primeiro congresso de reumatologia nos anos 70… A coleça de vinis do Frank Sinatra…  Eu digo para ela que a regra é clara: se você não vê o negócio há mais de 4 anos e não sentiu falta – pode ser um cabo extra, um CD, ou uma foto impressa – não há muito sentido em guardá-lo. A não ser que o espaço disponível tenda para o infinito.

E em mudanças vemos que não, o espaço não é infinito. Com os apartamentos cada vez menores, o espaço para tranqueiras, de armários com coisas empoeiradas, é cada vez mais raro. E isso provoca um desapego quase que obrigatório para a minha geração. Não que isso envolva o simples consumo de descartáveis, pelo contrário. Minhas coisas velhas já não ficam mais encostadas. Não há eletrônicos antigos que não uso em casa. Quando vi que o Wii ficou meses sem ser ligado, logo ele estava no MercadoLivre. Bem barato, mas sem juntar poeira aqui, e dando mais alegria alhures.

MercadoLivre, fóruns, presentes para amigos fazem com que o passado tecnológico não me acompanhe mais. A diferença é que ele não morre simplesmente sufocado em caixas, ele acha utilidade em outras pessoas, antes de virar fóssil.  E por isso essa escavação neste sítio arqueológico que é minha velha casa seja tão surreal, acho. Ou estou viajando – volto logo mais.

E eu precisava compartilhar com vocês. A quem já passou por esta situação, qual o achado tecno-arqueológico recente mais bizarro de vocês?

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