Livros digitais no Brasil: como, onde e por que (talvez não) comprá-los

Há mais de seis meses, o Kindle chegava oficialmente ao Brasil. Junto com ele desembarcava, ainda que tímida, a discussão sobre o fim do papel. A razão pela qual você não vê muita gente com e-Readers por aí é óbvia: há poucos livros nacionais sendo vendidos. Mas isso deve acabar. Livrarias e editoras parecem prontas para entrar no mercado do livro digital. Entenda a diferença dos arquivos, dos leitores e das lojas virtuais.

Há mais de seis meses, o Kindle chegava oficialmente ao Brasil. Junto com ele desembarcava, ainda que tímida, a discussão sobre o fim do papel. A razão pela qual você não vê muita gente com e-Readers por aí é óbvia: há poucos livros nacionais sendo vendidos. Mas isso deve acabar. Livrarias e editoras parecem prontas para entrar no mercado do livro digital. Entenda a diferença dos arquivos, dos leitores e das lojas virtuais.

Formatos

ePub

Para ler livros, nada melhor do que criar um formato de arquivos especialmente para isso. Foi assim que surgiu o formato ePub, sigla para electronic publication, criado em 2007 pelo IDPF (International Digital Publishing Forum). O formato é gratuito e aberto, além de suportar proteção de DRM, apesar de não usar um padrão único de direitos digitais. O argumento a favor do ePub é a fácil conversão de livros em arquivos digitais, além de dar liberdade para aumentar e diminuir a fonte, por exemplo, o que o torna mais fácil para ser lido em e-Readers.

Ao mesmo tempo, o ePub tem suas limitações. Voltado principalmente para os leitores com tecnologia e-ink, o formato é perfeito para livros entupidos de texto, que não usam muitas imagens. Porém, para livros que abusam de fotos ou até mesmo histórias em quadrinhos, o ePub é praticamente inviável.

PDF eBooks / Adobe Digital Editions

Não é de hoje que o formato PDF é usado para livros digitais. Muito antes do nascimento dos e-Readers era fácil encontrar e-Books usando o formato da Adobe. Como um processo natural, ele é usado por grande parte dos leitores digitais, mas agora com proteção de direitos autorais. Os arquivos trabalham em conjunto com o software Adobe Digital Editions, feito para leitura e organização de e-Books.

Livrarias como a Cultura e a Saraiva usam o sistema, que é baseado em Flash e também lê arquivos ePub. A diferença entre o PDF eBook, como é chamado, e um PDF comum, é a presença da proteção de DRM. Ou seja, para poder ler o livro em até seis desktops, notebooks ou smartphones que suportem o aplicativo, é preciso criar um Adobe ID. Mesmo sendo eficaz, o sistema de proteção e a necessidade de aplicativos, logins, senhas e downloads pode afastar o usuário comum, que gostaria de  ter o mesmo processo do livro de papel no livro digital: comprar, abrir e ler, sem complicações.

AZW

O formato criado pela livraria americana Amazon foi o caminho para tornar o Kindle único. Apenas o leitor da empresa lê a extensão, e apenas a livraria vende e-Books com essa codificação. Assim, os livros da Amazon só podem ser lidos no Kindle, mas agora também podem ser acessados em smartphones que usam o sistema Android ou aparelhos com iOS (iPhones, iPads e iPods touch).

Livrarias

Cultura

Desde abril, a Livraria Cultura tem uma loja virtual de e-Books dentro de seu site. Os livros são vendidos no formato ePub e no formato PDF eBooks, que dá licença para o livro ser acessado em até seis dispositivos de leitura, desde que sejam acessados via Adobe ID. O principal empecilho que a livraria enfrenta é o mesmo de qualquer concorrente: a falta de livros nacionais. Com 110 mil títulos disponíveis na loja virtual, menos de mil são em português – e ainda assim, a maioria, traduções e obras de domínio público.

Mesmo assim, a livraria aposta muito nos e-Books – foi a primeira grande varejista a entrar no mercado. Números publicados pela Exame dizem que, em junho, foram vendidos 80 livros digitais por dia. O número pode parecer pequeno, mas a livraria comemora o aumento de 100% no número das vendas em comparação ao mês anterior. Por enquanto, a Cultura está apenas estudando se venderá e-Readers em suas lojas. 

Saraiva

A Saraiva entrou no mercado há pouco mais de um mês. Os números, novamente, impressionam, mas não é preciso uma lupa para constatar o mesmo problema da Cultura: são 160 mil e-Books, e apenas 2 mil deles em português. A venda é feita por um software baseado no Adobe Digital Editions, que recebeu um tapa no visual e ganhou o nome de Saraiva Digital Reader. Apesar do visual simples e intuitivo, o aplicativo apresentou lentidão com frequência, problemas para acessar  páginas e precisou ser reiniciado algumas vezes,  mesmo com poucos programas abertos.

Os dez livros mais comprados e baixados na livraria da Saraiva formam uma lista bem estranha: desde “O Retrato de Dorian Gray”, clássico de Oscar Wilde, que custa 15 reais, até “Emagreça sem fome”, que custa 6 reais.

FNAC espera o iPad

Enquanto assiste às duas principais concorrentes largarem na frente no mercado dos e-Books, a FNAC espera, com um sorriso no canto da boca, como quem sabe que terá uma carta na manga. Depois de muitas especulações sobre a presença da empresa na comercialização de livros digitais e e-Readers – a coreana iRiver chegou a anunciar que venderia seu leitor digital na loja (leia mais abaixo) – os franceses da FNAC não têm mais dúvidas: “estamos trabalhando estratégias para esse mercado há três anos, mas algo de grande impacto aconteceu: o lançamento do iPad”, diz Fernando Sant’ana. A empresa espera então a chegada oficial do tablet da Apple ao Brasil, já que acredita que o mundo dos e-Readers foi “atingido fatalmente”.

E ele pode estar certo. Depois de vender 3 milhões de iPads em 80 dias, a Apple assistiu a seus concorrentes de livros digitais cortarem o preço de seus leitores em efeito dominó. Primeiro, o Nook, da Barnes & Noble. Depois, a Amazon e seu Kindle. E por último, a Sony e seu trio de e-Readers. Jason Perlow, da ZDNet, concorda com o argumento de Fernando Sant’ana, ao lembrar que há um ano e meio, o Kindle custava 399 dólares. O argumento de Perlow é que os leitores mais assíduos poderão preferir os e-Readers clássicos, mas a maioria da população gosta de muitas opções em um só aparelho:

“Realmente, o e-ink pode ser superior para a leitura sob a luz do dia, e pelo menos por enquanto, os leitores mais hardcore, a maioria deles mais velhos, preferirão comprar um Kindle ou um Nook para o consumo de livros durante um belo verão, na praia.

Mas a geração Y está muito mais interessada em seus iPhones, iPads e Androids, com coloridas telas brilhantes e nítidas, e as versões mobile das lojas de e-Books serão o suficiente para essas pessoas, pelo menos para aqueles que ainda gostam de ler livros.”

A FNAC também lembra quantos projetos foram engavetados após o lançamento do iPad, sejam de e-Readers ou até de smartbooks, aparelhos que possivelmente nós sequer veremos nascer. Mas Sant’ana reconhece um dos problemas com o iPad: o processo para adicionar livros no iBooks não será nem um pouco simples. Ele acredita que a evolução no Brasil será muito lenta, principalmente pela questão dos direitos autorais. Sobre os e-Readers, Sant’ana disse que a FNAC já recebeu mais de 10 modelos para análise, mas que o principal empecilho é a falta de assistência técnica – os aparelhos são feitos na Ásia e não têm nenhum tipo de garantia ou assistência técnica no Brasil.

Gato Sabido

Oras, você nunca ouviu falar no Gato Sabido? Pois então saiba desde já que ela  foi a primeira loja virtual de e-Books no Brasil, e também é a primeira a vender seu próprio e-Reader, o Cool-er (leia mais sobre ele abaixo). A loja conta hoje com “mais de 100 mil títulos em inglês” e 1.500 livros em português. Apesar de enfrentar agora grandes concorrentes, a experiência de alguns meses tornam a loja do Gato Sabido uma das mais intuitivas e fáceis de usar, além de ter informações detalhadas sobre os livros. 

O sistema funciona por compra de créditos: você compra um valor entre 10 e 100 reais por meio de cartão de crédito, boleto bancário ou pelo PagSeguro. Para tentar ainda mais os compradores, os créditos dão bônus de até 15 reais. Apesar de também ter poucos livros em português, o site conta com categorias de fácil acesso. Os livros são baixados em PDF e ePub e, novamente, é necessário o programa Adobe Digital Editions para acessar as obras.

E as editoras? Conheça o DLD

Se o principal problema para aumentar o número de livros nacionais nas lojas de e-Books é a disponibilização de obras por parte das editoras, elas também preparam seu terreno para o novo mercado. Sete editoras (Moderna, Objetiva, Planeta, Record, Rocco, Salamandra e Sextante) criaram a Distribuidora de Livros Digitais, a DLD. A ideia é que a parceria unifique a distribuição de livros digitais para as livrarias, diminuindo a burocracia no processo de venda de direitos.

Assim, a DLD pretende aumentar o fluxo de livros nacionais digitalizados. Até o fim do ano, a parceria promete 500 novos livros. Se o número não empolga, a promessa para 2011 é ainda mais agressiva: 300 títulos serão distribuídos mensalmente aos varejistas.

e-Readers disponíveis

Kindle

O mercado americano de e-books e e-Readers já é consolidado, graças à aposta da maior livraria online dos EUA, a Amazon, no Kindle, em 2007. A parceria era perfeita: uma infinidade de livros e um leitor revolucionário, que usa a tecnologia e-ink, ou o papel eletrônico, uma tela em preto e branco que não reflete a luz ambiente e garante uma duração de bateria impressionante – a Amazon promete até sete dias longe da tomada, com 3G ligado.

Há dois modelos que nós, brasileiros, podemos comprar: o Kindle original e o Kindle DX. O primeiro teve um corte de preço recente e agora custa para nós 409 dólares, cerca de 700 reais – 200 dólares do valor são impostos. Quando foi anunciado, em outubro de 2009, o aparelho passava a casa dos 1.000 reais. Com tela de 6 polegadas, ele tem cerca de 300 gramas, 2 GB de espaço interno e entrada para chip 3G, que já vem incluso (uma grande sacada da Amazon, que paga sua navegação pelo site). 

Já o Kindle DX, com tela de 9,7 polegadas, ganhou há poucos dias uma versão preta, bem classuda, mas que ainda não está à venda internacionalmente. O preço do aparelho nos EUA é 359 dólares, mas depois de passar pela taxação brasileira acaba custando 741 dólares, ou cerca de 1.300 reais.

Além do preço extremamente proibitivo, a principal limitação do Kindle é a escolha dos formatos de arquivos de texto. Em sua primeira versão, o leitor aceitava apenas arquivos AZW – formato em que os livros da Amazon são vendidos – TXT e MOBI, enquanto a maioria dos livros digitais eram distribuídos no padrão ePub e PDF – uma atualização no fim do ano passado liberou a leitura de arquivos da Adobe. E, apesar de ter uma das maiores lojas virtuais como base, a oferta por livros em português é ínfima.

Cool-er

O Cool-er é vendido pela loja virtual de e-Books Gato Sabido. O leitor, fabricado pela empresa inglesa Interead, aposta num formato mais simples do que o Kindle, eliminando o teclado físico e deixando grande parte do espaço para a tela de 6 polegadas. Assim, ele pesa menos de 200 gramas. A empresa promete bateria com duração de até “8.000 viradas de página”, que parece animar até os dispostos a ler Ulysses na telinha de 6 polegadas, também de e-ink. Para guardar os livros, 1 GB de espaço interno, mas não há nenhum tipo de opção de conectividade, como 3G ou Wi-Fi.

A grande sacada do Cool-er é ser o primeiro leitor nacional a ler arquivos no formato ePub, além de aceitar também os formatos PDF, FB2, RTF, TXT, HTML, PRC e JPG. O e-Reader usa o software Adobe Reader Mobile 9, que ainda dá mais opções para leitura de arquivos no padrão PDF. O problema é que seu preço não é tão díspar do Kindle, que conta com 3G e acesso à Amazon: o Cool-er é vendido pela Gato Sabido por 750 reais.

iRiver Story

Recém-chegada às terras brasileiras, a coreana iRiver prometeu vender o iRiver Story na FNAC a partir da segunda quinzena de julho. Pelo que nós ouvimos da empresa francesa, isso não acontecerá. Mesmo assim, o leitor já tem preço e informações no Brasil; só não sabemos ao certo se ele realmente será vendido.

Seu visual lembra bastante o primeiro Kindle, com teclado QWERTY com 5 linhas e tela de 6 polegadas. Como ponto positivo, a empresa colocou um leitor de cartões SD no aparelho, que pode ter até 32 GB de espaço interno. Mas se você tem 32 GB de livros, amigo, você pode se considerar um viciado, já que os livros ocupam pouquíssimo espaço. E o iRiver Story não tem acelerômetro, ou seja, é preciso apertar um botão para girá-lo. E também não há conexão alguma com o mundo externo – nada de Wi-Fi ou 3G.

Com todos esses detalhes, não dá para entender porque seu preço sugerido é de 1.299 reais.

Positivo Alfa

A Positivo também deve entrar em breve no mercado de e-Readers. O Alfa, que teve suas informações dissecadas pela Info, também terá 6 polegadas, mas deixou de lado o teclado físico e ganhou tela sensível ao toque. O aparelho aceitará livros no formato PDF, ePub e TXT para rechear seus 2 GB de espaço interno. Um detalhe bacana é o Dicionário Aurélio que já virá embutido no leitor. Mas, como todos os concorrentes nacionais do Kindle, o Alfa também não tem 3G ou Wi-Fi.

Segundo as informações de preço, o Alfa custará 799 reais nos primeiros meses, sofrendo um corte sutil de 50 reais a partir do terceiro mês e ainda mais uma redução de preço no Natal, época em que outros leitores deverão chegar ao país. Ainda segundo a Info, o leitor começaria a ser vendido em junho, mas já estamos quase no meio de julho e nada do Alfa.

Preço

Valor digitalmente salgado

Mas como convencer as pessoas de que é bom ler livros na tela do computador ou que vale a pena gastar um bom dinheiro em um leitor digital? A promessa dos varejistas era de que os e-Books custariam de 20% a 30% menos do que os livros impressos. Nos livros nacionais, essa promessa aparece em pouquíssimos casos, “detalhe” que deve manter distantes os novos usuários.

Um dos exemplos mais sensíveis é o Top 10 dentro do Saraiva Digital Reader. Ao clicar no livro, caso ele tenha uma versão de papel, o site o avisa e dá um link para a compra. Essa integração causa situações estranhas. O livro mais vendido em versão digital, “O Que a Vida me Ensinou”, de Mário Sérgio Braz, custa 17,92 reais em sua versão digital. Ao clicar no link para a versão impressa, o usuário descobre que o livro custa 16,40 reais na loja online da Saraiva. Em outros casos, uma pesquisa rápida na internet, hábito comum para quem compra livros, encontra a obra impressa por melhor preço, como é o caso de “Leite Derramado”, de Chico Buarque, que custa R$ 29,90 na versão digital da Saraiva, mas pode ser encontrado em sua versão impressa por R$ 27,30 na FNAC. Para usuários iniciantes nos livros digitais, por que escolher a versão eletrônica em uma situação como essa?

Por outro lado, os livros “importados” costumam valer a pena em sua versão digital. Livros como “Gil Evans: Out of the Cool: His Life and Music”, sobre um dos grandes pianistas da história do jazz, custa 27 dólares na Amazon. Na versão digital, vendida na Saraiva, o livro custa R$ 24,41. Um livro sobre o arquiteto Frank Lloyd Wright custa 26,99 dólares, o e-Book sai por R$ 43,73. Ao comprar livros importados, nenhum imposto é cobrado, mas o frete não é barato. Ou seja, “burlar” o envio e comprar a versão digital de uma obra que você só encontrará importada pode valer a pena. 

Essa disparidade mostra o cenário atual dos e-Books no Brasil. Com poucos títulos e preços desestimulantes, o mercado é praticamente embrionário: é preciso esperar as negociações com as editoras avançarem e aguardar a chegada de mais e-Readers, criando concorrência e queda de preços. Por enquanto, além da sensação de estar vivendo o futuro, há poucos argumentos para entrar no mundo dos leitores digitais. Porém, a novidade ainda engatinha por aqui, e pelas promessas e apostas – tanto das editoras quanto dos varejistas – o sucesso desta tecnologia ainda está por vir. Enquanto isso, o jeito é esperar.

Crédito da foto inicial: Flickr

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