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Microsoft e Sony estão mais abertas a jogos brasileiros e influenciam a cena local

Donas do Xbox e PlayStation estão investindo em jogos brasileiros e as consequência disso já começam a ser sentidas

Por Bruno Izidro

Quem prestou um pouco de atenção enquanto visitava os estandes da Microsoft e Sony na BGS 2015 pôde perceber que, no meio de grandes lançamentos como Assassin’s Creed Syndicate, Dark Souls III e Halo 5, era possível também testar jogos brasileiros como Horizon Chase, Gryphon Knight ou 99Vidas – o Jogo. Isso só demonstrava o apoio que as donas do PlayStation e Xbox estão dando para a cena indie local, algo que já ocorre há algum tempo, mas só agora os primeiros resultados começam a aparecer.

Foi na BGS de 2013 que a Sony anunciou parceria com 19 estúdios brasileiros. Todos eles fariam parte do programa de incubação da própria Sony para lançarem jogos para as plataformas PlayStation (PS4, PS3 e PSVita).

Alguns dos estúdios não estão mais com a parceria, devido à dificuldade em captar investimentos para os jogos serem concluídos. No entanto, o número de desenvolvedores que entraram ou estão para entrar no programa mais do que duplicou desde 2013.

O responsável pelo programa na América Latina, Mike Foster, diz ao Gizmodo Brasil que cerca de 50 estúdios brasileiros estão desenvolvendo para o console da Sony. “O interesse em desenvolver para PlayStation tem aumentado de forma considerável e nós tentamos apoiar tanto quanto for possível esses desenvolvedores”, fala o executivo.

Além disso, em 2015 já começamos a ver os frutos que deram certo da parceria, com o lançamento de Krinkle Krusher e Toren para o PS4. “Estamos muito animados também em ver algumas histórias de sucesso chegando nas plataformas PlayStation, como Horizon Chase, da Aquiris, e Chroma Squad da Behold”, fala Mike Foster.

Horizon Chase e Chroma Squad devem ser lançados em breve e era possível testar ambos no estande da Sony na BGS 2015. Ao lado deles estava também Get Over Here, da Reload Games Studio, um game bem divertido que é ideal para jogar de galera.

Conseguimos falar rapidamente com os desenvolvedores da Reload sobre essa experiência. Eles contam como pode ser até surreal a ideia de que agora podem lançar um jogo para console. “A gente pensava: ‘como vamos falar com a Sony, é só mandar um email? Tem que ter indicação?’ Pra gente era coisa de outro mundo, mas na verdade a parte mais difícil a gente já tinha: ter um jogo”, fala o game designer de Get Over Here, André Chiappetta.

Antes de Get Over Here, a Reload já tinha lançado o simpático game Cheesecake Cool Conrad no Steam – que pretendem lançar agora também para PSVita. Já Get Over Here também foi lançado na loja da Valve há pouco tempo e deve chegar, além do PS4, no Xbox One até o início do ano que vem. Isso tudo aconteceu em espaço de um ano, em que muita coisa mudou para o estúdio. “A gente deu um salto enorme de 2014 pra 2015, tanto na relação com as duas empresas, quanto na qualidade dos nossos jogos”, fala Chiappetta.

É bom esclarecer que essas parcerias não significam que a Sony bancará o desenvolvimento dos jogos, e sim que ela dá acesso aos kits de desenvolvimento e apoio para publicarem na PSN. Algo semelhante também vale para o programa da Microsoft.

Os 12 meses em que a Microsoft abraçou os indies brasileiros

Se a Sony já vem apoiando os estúdios locais há algum tempo, a Microsoft – com o seu programa ID@Xbox – só começou a voltar os olhos para a cena brasileira no último ano. Em compensação, esses últimos meses foram bem intensos e proveitosos na relação com os desenvolvedores. “Um ano atrás não havia nenhum estúdio [brasileiro], e em apenas 12 meses é incrível vê a recepção que temos aqui”, fala Esteban Lora, um dos responsáveis pelo programa por aqui.

No estande da Microsoft na BGS, pelo menos três jogos brasileiros que devem chegar em breve ao Xbox One pelo ID@Xbox estavam disponíveis para jogar: 99Vidas – o Jogo, da QUByte; Shiny, da Garage 227; e Gryphon Knight, da Cyber Rhyno.

Além desses, Esteban fala que atualmente a Microsoft já está trabalhando com cerca de 30 estúdios brasileiros. O primeiro deles e o que talvez tenha aberto a porta para os demais foi a Duaik Studios e seu Aritana e a Pena da Harpia, que foi lançado recentemente para Xbox One.

Pérsis Duaik relembra que quando abordou a Microsoft, há mais de um ano, mostrou a eles como a Sony já estava apoiando vários estúdios daqui e eles podiam também entrar na jogada com um game extremamente brasileiro. A partir daí, foram vários meses de conversa. “Não é algo que se constrói do dia pra noite, mas a vontade deles de virem pro Brasil e a minha necessidade de reconhecimento casaram, e nós dois trabalhamos como uma forma de tornar o ID@Xbox um programa conhecido no Brasil – agora isso está dando frutos”, fala o desenvolvedor.

Ser um pioneiro também teve um saldo positivo para a Duaik. Pérsis fala que Aritana se saiu muito melhor comercialmente no Xbox One do que no PC, onde o jogo tinha saído um ano antes. Além disso, por ter sido o primeiro estúdio a desenvolver para a plataforma, eles ganharam um prêmio das mãos do próprio chefe da divisão do Xbox, Phil Spencer, durante um evento da Microsoft antes da BGS. “O preço dos problemas de pioneirismo é muito menor do que o lucro de você ser pioneiro, te faz único e isso é muito maior do que os problemas que a gente teve”, fala Pérsis.

O programa ID@Xbox também possui uma particularidade bem atrativa, que é entregar o kit de desenvolvimento do Xbox One para os estúdios aprovados no programa sem nenhum custo. Isso é muito bem-vindo, principalmente aqui no Brasil, onde as burocracias e taxações seriam uma barreira a mais para os desenvolvedores. “A ideia é que eles não tenham que se preocupar em pagar kits de desenvolvimento ou licenças de Unity. Então nós tomamos conta disso”, fala Esteban.

Foi o que aconteceu com o pessoal da Garage 227. “Eles mandaram o kit [de desenvolvimento do Xbox One] pra gente. Ele parou na alfândega, mas a Microsoft pagou todo o imposto”, fala Daniel Monastero, um dos fundadores do estúdio. Se isso não acontecesse, o estúdio teria que desembolsar, segundo ele, cerca de 800 dólares para poder receber o aparelho (que nada mais é do que um Xbox One modificado).

Já com a Sony as coisas são um pouco mais complicadas, já que é preciso viajar para os EUA para buscar o dev kit para PS4 ou Vita. Talvez essa seja a razão por tantos estúdios estarem com os jogos com o desenvolvimento bem mais avançado com o console da Microsoft. Quando falamos com Mike Foster, da Sony, chegamos a perguntar se a recente fabricação do PS4 no Brasil não poderia melhorar a situação para os indies daqui, mas a resposta não teve boas notícias. “Nosso hardware de desenvolvimento ainda é fabricado apenas no Japão, então continuamos a enfrentar esse desafio de fornecimento para nossos parceiros”, falou Foster.

Mesmo com esses pequenos contratempos, todos os desenvolvedores com quem conversamos falam que o relacionamento com a Sony também é bastante proveitoso. Aqui não é o caso de uma empresa ser melhor que outra, mas claro que entre elas há particularidades no tratamento com os estúdios.

A QUByte, por exemplo, tem parceria tanto com a Sony (o jogo antigo deles, HTR+, deve sair em breve para PS Vita) quanto com a Microsoft (com 99Vidas – O Jogo e Recruits no Xbox One). O diretor Marivaldo Cabral fala que a comunicação com a Sony normalmente é mais humana e pessoal, com conversas e bate-papo por telefone; já a Microsoft tende a ser mais formal, somente com troca de email. Ainda assim, é algo que não deixa de funcionar. “Eu fiquei impressionado como uma empresa do tamanho da Microsoft conseguiu fazer com que o processo de aprovação do 99Vidas durasse menos de dois dias”, fala.

Mudanças e cautela no cenário a partir de agora

Com a abertura para jogos indies que Sony e agora Microsoft estão demonstrando, eventos como a BGS e o BIG (Brazil’s Independent Games Festival) se tornam uma grande oportunidade de encontrar novos projetos ou protótipos de jogos em potencial. Esteban Loras, do ID@Xbox, percorreu a área indie da BGS 2015 e viu por lá alguns jogos que poderiam entrar para o programa. “A comunidade indie no Brasil é bem vibrante, então pra mim é ótimo ver novos jogos ou jogos que já vi ano passado na BGS. O programa é aberto a todos que quiserem participar”, fala.

Foi com esse pensamento que o estúdio Tree of Dreams apresentou na BGS o projeto que estão começando a desenvolver: o jogo de ação com visual retrô e elementos de tower defense chamado Neon Hero Defense – o que chamou a atenção da Microsoft.

“As pessoas que vieram aqui do Xbox todas gostaram, elogiaram [o jogo] e deram várias dicas para o que melhorar”, fala o diretor criativo da Tree of Dreams, Daniel Hebron. Após esse feedback, o desenvolvedor afirma que a própria Microsoft pediu para que eles solicitassem a entrada no ID@Xbox para levar Neon ao Xbox One. A previsão é que o jogo saia em dezembro desse ano.

Outra mudança que começa a ser percebida: os estúdios já passam a conceber jogos com os consoles em mente, e não mais para serem lançados primeiro no PC, onde isso é mais seguro.

“Se eles estão incentivando a gente, tanto a Sony quanto a Microsoft, porque não fazer um jogo já pensando na plataforma?”, argumenta André Chiappetta, da Reload Game Studios. Por isso, o próximo jogo deles, após o lançamento de Get Over Here para PS4 e Xbox One, está sendo projetado somente com os consoles em mente.

Sim, o clima para o desenvolvimento de jogos está bem favorável com o apoio das duas grandes empresas de jogos, mas ainda é preciso ter cautela para que isso não desande. Marivaldo Cabral, da QUByte, diz que é necessário ter cuidado para que o cenário não fique como o mobile. “Nem sempre você abrir as portas demais é bom, tem os dois lados da moeda. É bom pra caramba porque o desenvolvedor tem oportunidade, mas é ruim porque acaba entrando muito conteúdo ruim. É o que está acontecendo com a Apple (App Store) e o Google (Play Store)”.

Cabral não quer se mostrar pessimista, afinal todo esse relacionando com Microsoft e Sony ainda está se desenvolvendo e só está gerando o aumento da qualidade dos jogos sendo criados por aqui. “Gente como a Reload, a Odin, os Duaik – dá pra perceber que os caras estão preocupados com qualidade, eles não querem sair fazendo um monte de jogo só por lançar”, diz. “Isso é legal, aí eu vejo um diferencial pra gente”.

A cena de jogos brasileiros já vem crescendo há bastante tempo com suas próprias pernas e dificuldades. Agora, com a presença e apoio das duas principais empresas de games do mundo, ela só tem a amadurecer e se firmar cada vez mais. É algo que beneficiará a todos: os estúdios terão mais oportunidades de mostrar seus jogos, as empresas terão uma variedade ampla de títulos para oferecer e, principalmente nós, jogadores, teremos bons games para aproveitar nos próximos anos.

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