MIT recua de apoio a startup que quer preservar cérebro e memória depois que você morrer

Um proeminente laboratório de pesquisa do MIT anunciou o fim do relacionamento com a Nectome, uma nova startup que tem como missão preservar o cérebro humano de modo que ele possa ser digitalizado e inserido em um computador no futuro, tentando trazer pessoas mortas de volta à vida. No entanto, embora o MIT tenha escolhido […]

Um proeminente laboratório de pesquisa do MIT anunciou o fim do relacionamento com a Nectome, uma nova startup que tem como missão preservar o cérebro humano de modo que ele possa ser digitalizado e inserido em um computador no futuro, tentando trazer pessoas mortas de volta à vida. No entanto, embora o MIT tenha escolhido se distanciar da iniciativa da companhia, a instituição não descarta inteiramente a perspectiva futurista. Para Stuart McIntyre, que é pesquisador do MIT, o futuro vai ser mais difícil do que ele imaginava.

Nova técnica de preservação cerebral pode ser um caminho para a transferência mental

Até o último mês, tudo parecia ok  com a nova tecnologia de preservação cerebral proposta por McIntyre, um método chamado Criopreservação Estabilizada por Aldeído (ASC, na sigla em inglês), que o fez ganhar, junto com sua equipe, um prêmio de US$ 80 mil da Brain Preservation pelo trabalho com mamíferos de grande porte. Há três anos, ele usou uma técnica de “vitrifixação” para preservar o cérebro de um coelho, mas com uma versão em escala menor. McIntyre e seus colegas mostraram que era possível preservar um cérebro muito maior — no caso o de um porco. Basicamente, a técnica ASC usa uma mistura química complexa para “consertar” os conteúdos de um cérebro em um local antes da criopreservação.

Slides mostram um cérebro de porco preservado com a técnica ASC (Criopreservação Estabilizada por Aldeído). Imagem: Brain Preservation Foundation

Nessa época, McIntyre, junto com Michael McCanna, decidiu levar a vitrifixação a um novo nível na forma de uma iniciativa comercial chamada Nectome — uma startup com a missão de preservar o cérebro humano para a eventual “reanimação” em algum ponto de um futuro distante. Ao preservar os conteúdos do cérebro (incluindo as memórias) com detalhes, e ao limitar os danos, é pensado que, pelo menos na teoria, uma versão digital de uma pessoa possa eventualmente ser criada, permitindo que a vida continue.

O assunto é totalmente transhumano, mas a Nectome recebeu um subsídio para pequenas empresas do Instituto Nacional de Doenças Mentais (NIMH, da sigla em inglês), com o grupo de neurobiologia sintética do MIT, liderado por Ed Boyden, recebendo um subcontrato pela iniciativa. O grupo de Boyden era responsável por combinar elementos da tecnologia da Nectome com os esforços do laboratório para a melhor visualização de circuitos cerebrais e por trabalhar em coisas como mapeamento do cérebro, descoberta de drogas e preservação cerebral para pesquisas futuras. O envolvimento do MIT com a iniciativa tinha relação com pesquisa básica e ciência, sem ter nenhum tipo de afiliação financeira ou operacional com a Nectome. Mesmo assim, o grupo de Boyden decidiu, nesta semana, romper com a startup.

“Após considerar as premissas científicas subjacentes aos planos comerciais, assim como comunicados públicos feitos pela companhia, o MIT informou à Nectome sua intenção de terminar o subcontrato entre MIT e Nectome de acordo com os termos do seu contrato”, informa um comunicado de imprensa do MIT Media Lab desta terça-feira (3). “A neurociência não avançou suficientemente ao ponto de saber se algum método de preservação cerebral é poderoso o suficiente para preservar todos os diferentes tipos de biomoléculas relacionadas à memória e à mente. Também ainda é desconhecido se é possível recriar a consciência de uma pessoa.”

Parece que o MIT Lab queria mostrar que não tem nada a ver com uma empresa que faz afirmações como:

Se memórias podem ser verdadeiramente preservadas com uma técnica de armazenamento cerebral, nós acreditamos que, em um século, isso pode tornar viável a digitalização de seu cérebro preservado e o uso dessa informação para recriar sua mente.

Não ajudou a Nectome o fato de a empresa ter feito uma pesquisa de marketing e adicionado cerca de 24 pessoas numa fila para se submeter a esse processo. Além disso, a companhia começou a fazer solicitações usando a End of Life Option Act (Lei para opção do fim da vida), que possibilita que pacientes em estado terminal possam ter uma morte assistida. A imprensa publicou histórias dizendo que a Nectome estava alardeando um serviço de backup da mente que é “100% fatal” e que, para usar os serviços da empresa, as pessoas deveriam primeiro se matar.

No entanto, em um email enviado ao Gizmodo, McIntyre esclareceu que a Nectome é, antes de tudo, uma empresa de pesquisa e que não tem intenção de preservar o cérebro de ninguém tão cedo. Pode ser um caso clássico de retratação de uma empresa após a má repercussão. No entanto, a startup agora tem tentado esclarecer sua mensagem e seus fins.

“Nós agradecemos a ajuda que o MIT nos deu e entendemos a escolha deles e desejamos a eles o melhor. Como pesquisadores, somos muito fãs do MIT e esperamos que possamos colaborar novamente no futuro”, escreveu McIntyre. “É importante lembrar que somos uma empresa nova de pesquisa de neurociência que ainda está na fase de pesquisar formas de preservar memórias. Há muito interesse em como será essa tecnologia no futuro, mas, apesar da cobertura sobre o assunto, é importante salientar que, não, não estamos oferecendo nenhum tipo de opção clínica para preservação cerebral, nem planejamos oferecer em um futuro próximo.”

Ele disse que a tecnologia de preservação de cérebro pode trazer benefícios tremendos para a sociedade, mas só se for desenvolvida com a participação do pessoal da ética médica e da neurociência. “Nossos primeiros apoiadores mostraram suporte ao eventual desenvolvimento de uma técnica de preservação de memória por meio de depósitos reembolsáveis”, disse. “Nossos primeiros apoiadores querem ter vidas mais longas, saudáveis e criar memórias que eles acreditam que um dia poderão ser preservadas.”

Dito isso, é claro que a tensão está aumentando entre pesquisadores que estão lidando com tecnologias (supostamente) superfuturistas para extensão da vida, e a ciência estabelecida.

Aschwin de Wolf, editor da Cryonics Magazine e CEO da Advanced Neural Biosciences, disse que o período de lua de mel entre defensores da “vitrifixação” e cientistas convencionais foi menor do que aquele entre os especialistas em criogenia e a ciência estabelecida. Para ele, o problema é que os objetivos de tecnologias de biopreservação continuam mudando.

“Não está claro o que os críticos estão querendo ver no momento e que tipo de informação eles acham que ainda estão sendo apagadas por fixação química ou vitrificação [técnica usada em criogenia]”, disse De Wolf ao Gizmodo. “É necessário um entendimento completo da natureza (molecular) da memória como condição para oferecer tecnologias criogênicas é estabelecer uma barreira ainda mais alta para outros procedimentos médicos que envolvem o cérebro, como cirurgia cerebral feita durante a parada hipotérmica circulatória”. Durante esse tipo de cirurgia, o corpo é resfriado a temperaturas menores que 20ºC enquanto a circulação de sangue e a função cerebral estão paradas por uma hora inteira.

Kenneth Hayworth, cientista sênior do Instituto Médico Howard Hughes e presidente da Brain Preservation Foundation, disse que a resposta do MIT foi razoável, dada a recente cobertura negativa envolvendo a Nectome e pelo fato de a startup estar usando este relacionamento com o MIT para aumentar sua credibilidade — pelo menos essa foi a impressão que ficou.

“Devo salientar que, para mim, a Nectome está jogando dentro das regras”, disse Hayworth ao Gizmodo. “Eles ainda não fizeram nenhuma preservação cerebral em ninguém e ainda não prometeram esse tipo de serviço a ninguém… ela simplesmente planeja conduzir mais pesquisas para serem ‘revistas pela comunidade médica e científica’ e planeja discutir o processo com médicos especialistas em ética quando for necessário. Está claro que o objetivo deles é transformar o ASC em um procedimento médico que possa ser oferecido para pacientes em estado terminal que, como eu, acreditam que o backup da mente pode ser possível e desejável no futuro. Essa é uma visão minoritária, mas é algo que acredito que deva ser respeitado e protegido pelos Estados Unidos, especialmente pelo fato de ser uma visão baseada em ciência e que representa uma maneira de pacientes terminais que amam viver de continuar a lutar pela vida. Eu, por exemplo, estou ansioso para um forte debate nos próximos anos com os avanços trazidos pela capacidade da ASC de preservar informações estruturais e moleculares do cérebro.”

Hayworth aconselhou McIntyre a continuar sua pesquisa sobre ASC em um ambiente acadêmico em vez de tentar arrecadar dinheiro de pesquisa como parte de uma empresa com fins lucrativos, embora eles também estejam recebendo dinheiro para desenvolver potenciais procedimentos médicos — algo que é comum na medicina convencional. Consequentemente, Hayworth está preocupado que o recuo do MIT nesta pesquisa seja um sinal para outros neurocientistas de que esta área esteja contaminada. “Como ponto positivo, a resposta do MIT parece ter sido cuidadosamente feita para reconhecer, e evitar denegrir, o emergente campo de preservação cerebral.”

De fato, a linguagem do comunicado do MIT foi surpreendentemente otimista, dizendo que, embora “nós não saibamos a preparação exata de moléculas para isso, não podemos dizer se uma técnica de preservação cerebral é suficiente para preservar todos os detalhes biomoleculares exigidos para preservar memórias e outras informações relacionadas à mente”, adicionando que “é uma questão bem interessante de ciência básica e com a qual esperamos que nós, aqui no MIT, consigamos contribuir, mas atualmente são necessários mais estudos”.

Tudo isso faz bastante sentido. Independentemente da opinião sobre o assunto preservação cerebral e o status do backup de mente, é justo dizer que estudar mais o assunto é algo positivo.

Como uma última observação, o fato é que terão companhias que, por um preço, vão preservar seu cérebro, porém com uma forma mais convencional de criogenia. Com certeza, existe uma chance real de que nem a criogenia ou a ASC vão funcionar para preservar nossas memórias e personalidade. No entanto, como os que acreditam na criogenia costumam dizer, ter seu corpo preservado em tanque de nitrogênio é a segunda pior coisa que pode acontecer com você.

[MITNectome]

Imagem do topo por Kai Schreiber/Flickr/CC

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