Mais informações: [email protected], com Nathália de Figueiredo; [email protected], com Cláudia Gaspardo
*Estagiária sob supervisão de Tabita Said e Fabiana Mariz
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado
Texto: Gabriele Mello* / Arte: Joyce Tenório** / Jornal da USP
Pesquisadoras do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP puderam analisar, através da observação de 40 recém-nascidos prematuros internados em duas Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), que o ambiente tem influência nos níveis de estresse destes bebês. Como consequência, o neurodesenvolvimento deles também é afetado.
Bebês prematuros são aqueles que nasceram antes de 37 semanas de gestação e têm a UTIN como um ambiente essencial para seu desenvolvimento inicial. “O bebê sai do ambiente de desenvolvimento ideal, que é o intraútero, e passa para uma UTI. Por mais que esse novo ambiente seja para garantir a vida desses bebês, ele tem mais características estressoras do que promotoras de um melhor desenvolvimento”, explica Nathália de Figueiredo, pesquisadora e primeira autora do artigo.
Procedimentos dolorosos, toques, luminosidade, barulho e até mesmo a gravidade são mudanças sentidas por um bebê ao sair do útero, e que podem gerar estresse. Mas, ao contrário da forma como os adultos demonstram estresse – mais voltada às emoções e comportamentos –, em bebês ele acontece de forma fisiológica, refletida em comportamentos motores e no estado de atenção, com sinais como bocejos, soluços, tremores, caretas, sustos, postura tensa e sono agitado.
De acordo com a pesquisadora, a exposição ao estresse tem consequências físicas, como maior risco para lesões neurológicas causadas, por exemplo, por hemorragias, além de afetar a capacidade de autorregulação emocional e comportamental, aumentando o risco para o desenvolvimento de transtornos do desenvolvimento. “Nós percebemos que a UTIN do HC Criança, que foi uma UTI construída pensando no desenvolvimento do bebê, contribui para que o bebê tenha mais regulação. E o contrário foi verdadeiro, a UTIN do HC era um ambiente mais estressor”, diz Figueiredo.
O estudo comparou, através da observação e aplicação de protocolos, os recém-nascidos durante sua primeira semana de vida. A diferença entre os dois grupos de bebês prematuros era o ambiente. O primeiro grupo estava no prédio do Hospital das Clínicas da FMRP, com um ambiente amplo e compartilhado, modelo conhecido como sala aberta. Já o segundo grupo estava no HC Criança, também da FMRP, com uma estrutura pensada para o atendimento individualizado, no modelo de quarto familiar individual. A comparação foi possível porque a UTI do HC estava sendo transferida para o prédio do HC Criança.
Assim como podem demonstrar estresse, os bebês dão sinais de que conseguem se autorregular naquele ambiente, ou seja, que são expostos ao estresse, mas conseguem se acalmar. Sinais como uma frequência cardíaca e respiratória normais, a pele numa cor natural – nem muito vermelha, nem pálida –, sonecas mais longas e menos choro demonstram que a criança está relaxada. E grande parte desses sinais são demonstrados quando o bebê se encontra em um ambiente protetor ao estresse.
“O ambiente, que é o que a gente chama de co-regulador, tem uma importância grande. Essa criança ainda está num processo de desenvolvimento cerebral, ela ainda não tem capacidade de se autorregular sozinha, então o ambiente é muito importante”, explica Cláudia Gaspardo, professora do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da FMRP e orientadora do trabalho.
A autorregulação tem início com a regulação fisiológica, que tem grande influência de um ambiente protetor, e permite que o organismo volte à homeostase (estabilidade), como no caso dos bebês prematuros. Embora seja essencial, esse é apenas o primeiro degrau para que outras formas de autorregulação sejam alcançadas durante a vida, como a emocional e a comportamental.
A infância é o período em que temos mais plasticidade cerebral – que é a capacidade do cérebro de se adaptar e moldar a novas situações – e que o cérebro mais responde a estímulos. Por isso, explica Gaspardo, a exposição a ambientes estressores ou que estimulem a regulação podem causar mudanças estruturais e de funcionalidade do cérebro. “Quando a gente estimula o desenvolvimento de um bebê, esse cérebro está sendo incentivado a se desenvolver de forma adequada. Mas, se a gente aguça o lado negativo, com estresse [por exemplo], esses estímulos também estão moldando esse cérebro”, diz a professora.
“A gente encontra muitos impactos positivos em olhar para o bebê desde os primeiros dias de vida. Quanto mais a gente olhar precocemente e promover a regulação de um bebê, maior o impacto que a gente tem na vida dele e na sociedade como um todo”, completa Figueiredo. Esse impacto positivo se mostra na criança e na relação que ela desenvolve com seus cuidadores, familiares.
Para avaliar comportamentos de estresse e autorregulação, as pesquisadoras desenvolveram um protocolo observacional próprio, adaptado à realidade brasileira, baseado no Assessment of Preterm Infants Behavior (Apib), uma ferramenta já validada para documentar, através da observação, o funcionamento neurocomportamental de recém-nascidos.
“A gente não tinha um protocolo que fizesse uma avaliação das estratégias de proteção, o foco é muito maior no fator de risco”, conta Gaspardo. “Então, por meio de uma literatura onde eram descritas as melhores práticas para promover o desenvolvimento [do prematuro], nós elaboramos esse protocolo de observação de estratégias de proteção”, completa.
Os indicadores observados para comportamento de estresse e de regulação foram divididos em sistema autônomo, responsável por reflexos como bocejos e a respiração; sistema motor, que tem como sinais caretas e movimentação das mãos; e estado comportamental, exibida em comportamentos como choro e expressão animada.
Figueiredo lembra que, para o cuidado individualizado de bebês, é necessário mudar a forma como se trabalha em UTI. “A gente precisa mudar a nossa filosofia de cuidado em terapia intensiva, para que o nosso serviço se dê em torno do bebê, e não da nossa rotina e necessidades de serviço, que é o que acontece hoje”, diz.
Para isso, a pesquisadora destaca que é necessário transpor a barreira da publicação e chegar à prática clínica. “Quando a gente fala de estresse e regulação, a gente está falando de prevenção de problemas de desenvolvimento. A gente precisa que todas as áreas do cuidado neonatal saiam de suas ‘caixinhas’ e falem a mesma língua.”
No Brasil, os locais que contam com UTIN com quartos individualizados são raros. Mesmo assim, Gaspardo lembra que ainda é possível, em UTIN no modelo de sala aberta, evitar que os bebês prematuros fiquem muito estressados. “Quando a gente não tem [o quarto individual], a gente consegue por meio desse conhecimento [desenvolvido na pesquisa], buscar deixar o ambiente o menos estressor possível”, defende a professora.
Entre as sugestões, estão: evitar o horário de sono para a realização de exames e proteger as incubadoras da luz direta.
O artigo foi publicado na revista internacional Infant Behavior and Development, em um suplemento especial, que contou com estudos sobre desenvolvimento feitos exclusivamente na América Latina. “Foi uma conquista muito grande a gente ter publicado em uma edição especial para estudos latinos, porque a realidade brasileira é muito diferente do que a gente normalmente lê nos artigos de países desenvolvidos”, conta Figueiredo.
Mais informações: [email protected], com Nathália de Figueiredo; [email protected], com Cláudia Gaspardo
*Estagiária sob supervisão de Tabita Said e Fabiana Mariz
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado