A descoberta de moléculas orgânicas complexas na lua Encélado, de Saturno, é bem importante

Usando dados coletados pela grande e finada sonda espacial Cassini, da NASA, cientistas detectaram traços de moléculas orgânicas complexas escoando do oceano coberto por gelo da Encélado. Este é mais um sinal de que essa intrigante lua saturniana tem o necessário para sustentar vida. • Europa e Encélado talvez não sejam lugares tão bons para se […]

Usando dados coletados pela grande e finada sonda espacial Cassini, da NASA, cientistas detectaram traços de moléculas orgânicas complexas escoando do oceano coberto por gelo da Encélado. Este é mais um sinal de que essa intrigante lua saturniana tem o necessário para sustentar vida.

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Se existir vida em nosso Sistema Solar fora da Terra, as maiores chances são de que ela esteja na Encélado. A lua tem um vasto oceano quente subterrâneo, entre um núcleo rochoso e uma crosta gelada. Pesquisas anteriores mostram que esse oceano contém moléculas orgânicas simples, minerais e hidrogênio molecular — uma importante fonte de energia química. Na Terra, processos hidrotérmicos perto de respiradouros vulcânicos são conhecidos por sustentar ecossistemas complexos, aumentando as esperanças de que algo parecido esteja acontecendo na Encélado.

Uma nova pesquisa publicada nesta quarta-feira (27) na Nature sugere que o oceano da Encélado também contém moléculas orgânicas complexas — mais um sinal de que a lua tem as condições básicas e os ingredientes químicos necessários para abrigar vida. Porém, isso não é prova de que exista vida nessa lua gelada, mas mostra, sim, que o oceano quente da Encélado é capaz de produzir moléculas complexas e dinâmicas e os tipos de reações químicas necessárias para produzir e sustentar vida microbiana.

Versão de um artista para a Cassini, enquanto ela mergulhava através da pluma da Encélado em 2015. Imagem: NASA/JPL-Caltech

Essa descoberta foi possível graças a um capricho geofísico que acontece na Encélado. De vez em quando, rachaduras na superfície aparecem, disparando plumas de vapor e grãos de gelo ao espaço. Em 28 de outubro de 2018, a sonda Cassini voou por essas plumas, coletando amostras. O Analisador de Poeira Cósmica (CDA, na sigla em inglês) e o Espectrômetro de Massa Neutra e de Íons (INMS) da sonda fizeram medições, tanto dentro da pluma quanto do anel E-ring de Saturno, que é formado por grãos de gelo de pluma que escapam da lua.

Pesquisadores do Southwest Research Institute, da Universidade de Heidelberg e de outras instituições analisaram esses dados com um espectrômetro de massa. Os cientistas detectaram assinaturas consistentes com moléculas orgânicas grandes, complexas e ricas em carbono. Essas descobertas foram verificadas comparando as linhas espectrais com um experimento análogo realizado na Terra. Os pesquisadores teorizam que as reações químicas criadas pela água quente esfregando ao longo do núcleo rochoso estão produzindo os compostos.

“Anteriormente, a Cassini já havia encontrado moléculas orgânicas leves emergindo da Encélado tanto na fase gasosa quanto nos grãos de gelo, mas essas moléculas orgânicas eram muito menores que o material orgânico complexo que encontramos”, afirma Nozair Khawaja, pesquisador do Instituto de Geociências da Universidade de Heidelberg e coautor do novo estudo, em entrevista ao Gizmodo. “Essa é a primeira detecção de moléculas orgânicas tão grandes e complexas em um mundo aquático extraterrestre.”

As novas moléculas orgânicas confirmadas apresentam massas acima de 200 unidades atômicas, que são mais de dez vezes mais pesadas que o metano. Essas moléculas contêm estruturas aromáticas (moléculas planas, em forma de anel) com possíveis cadeias cruzadas de hidrocarbonetos. A fonte desses compostos orgânicos complexos pode ser de natureza não-biológica ou biológica, mas a origem exata não foi determinada. Khawaja diz que este material orgânico complexo está se originando no oceano abaixo da superfície e que está flutuando como uma fina camada sobre a superfície do oceano. O material também parece ser altamente hidrofóbico, o que significa que é repelido pela água.

Características detalhadas da superfície congelada da Encélado. Imagem: NASA/JPL-Caltech

“O cenário mais simples é que esse material orgânico complexo se formou dentro do núcleo rochoso ativo quente e hidrotermal e foi transportado para a superfície do oceano”, disse Khawaja. “Não podemos decidir se a origem desse material complexo é biótica ou não, mas existe potencial astrobiológico. Fontes hidrotermais parecidas existem na Terra e são conhecidas por abrigar algumas formas de vida.”

A Encélado, conforme esse estudo mostra, exibe os requisitos críticos para a vida, uma descoberta que é afirmada por estudos anteriores, e é agora o único objeto além da Terra conhecido por ter essas condições.

Jonathan I. Lunine, astrofísico e cientista planetário da Universidade Cornell, que não esteve envolvido no novo estudo (embora tenha feito parte do processo de revisão por pares da publicação do artigo), disse que os autores “montaram um caso convincente” e que “existia pouquíssima dúvida” de que as assinaturas analisadas pelos pesquisadores haviam sido produzidas por moléculas orgânicas. Lunine diz que é uma importante descoberta porque é a primeira detecção de moléculas contendo carbono e hidrogênio nos grãos de gelo vindos da Encélado, e não apenas o vapor.

“Estar nos grãos de gelo, que são salgados, coloca a origem das moléculas orgânicas no próprio oceano subterrâneo — elas vêm do oceano, não da crosta, que é sempre uma possibilidade, com a fase gasosa”, disse Lunine ao Gizmodo. “São grãos orgânicos ricos — mais ricos do que se poderia esperar do oceano. Como os pesquisadores sugerem, talvez haja uma camada de orgânicos concentrados onde o oceano encontra o gelo, ou algum mecanismo relacionado à formação e ao estouro de bolhas.”

Christopher P. McKay, cientista planetário do Centro de Pesquisa Ames, da NASA, também não envolvido no estudo, disse que a descoberta é interessante, mas que meteoros ou cometas podem ter levado os compostos mecânicos detectados na pluma.

“Orgânicos bastante ‘complexos’ são encontrados em meteoritos”, disse McKay ao Gizmodo. “Mas eles não têm nada a ver com biologia. Apenas a presença de orgânicos complexos específicos, e com uma distribuição específica, podem ser um indicador de biologia.”

McKay diz que a nova pesquisa sugere que o oceano da Encélado “é uma sopa organicamente rica e que é claramente habitável para vida”, ao mesmo tempo em que alerta que ainda não sabemos se existe vida na lua de Saturno. “A presença desses orgânicos diretamente não compõem o caso”, afirmou.

O próximo passo é voltar à Encélado e conduzir mais pesquisas. A boa notícia é que a NASA e a Agência Espacial Europeia têm missões espaciais, a Europa Clipper e a JUICE, que estão programadas para se lançar em 2022 para visitar os satélites Europa e Ganímedes, duas luas geladas em torno de Júpiter. Porém, considerando o que sabemos sobre a Encélado, provavelmente deveríamos voltar lá também.

[Nature]

Imagem do topo: NASA/JPL/Space Science Institute

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